Burocracia pode atrasar ações para Copa Verde de 2014
Responsável por tornar Curitiba referência mundial em sustentabilidade urbana, o arquiteto e urbanista Jaime Lerner afirma que, para ter sucesso, Brasil deve agir rápido
Vanessa Barbosa
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h37.
São Paulo - Qualquer país do mundo, independentemente das condições financeiras, pode melhorar sua qualidade de vida em até três anos. A afirmação é do arquiteto e urbanista Jaime Lerner, principal responsável por transformar Curitiba, no Paraná, onde já foi prefeito e governador, numa das cidades mais sustentáveis do planeta. O Brasil, por sua vez, tem quatro anos para fazer a grande transformação até 2014. Mas para marcar um gol pela sustentabilidade, o país precisará driblar seu principal adversário: a burocracia.
"Temos que agir rápido e parar de delegar nossas ações à burocracia porque ela não tem compromisso", afirmou o arquiteto durante a palestra "Brasil 2014 - Cidades Sustentáveis", realizada na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo. As obras públicas normalmente seguem várias etapas (elaboração do projeto, autorização de órgãos ambientais, aprovação pelo poder legislativo, licitação e execução) que não podem ser ignoradas pelos governos. Porém, Lerner defende que os governantes e a população fiscalizem e cobrem agilidade de todo o processo para que a obra não atrase por causa de um simples carimbo.
Outro alerta foi para os desperdícios praticados em obras monumentais erigidas para eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Para aumentar a sustentabilidade é preciso, segundo ele, reduzir gastos desnecessários. Em tempos em que o rótulo de sustentável é disputado por todos - e os chamados materiais ecológicos alcançam cifras altas - pode parecer difícil, até inviável, conseguir investimento suficiente para tornar uma cidade mais sustentável. Não é - e o segredo está na simplicidade. "Quando se quer um projeto criativo, deve-se cortar um zero do orçamento da cidade", afirmou Lerner. "Mas quando se pretende uma obra sustentável, deve-se cortar dois zeros".
"Uma cidade não deve ser pensada apenas para um evento", continuou. "Temos que prepará-la para o dia-a-dia da população. Uma obra que só é usada uma vez ao ano não é sustentável". Para o arquiteto, a qualidade de vida ideal de uma metrópole se assemelha a estrutura de uma tartaruga. "Ela tem o abrigo, o trabalho e o movimento juntos, no mesmo espaço", disse. "Se você corta o casco da tartaruga, que é como o tessitura urbana, ela padece".
É exatamente isso, diz o urbanista, que está acontecendo com as cidades brasileiras: mora-se num bairro, trabalha-se em outro e busca-se o lazer num terceiro. "Gastamos energia desnecessariamente". De acordo com Lener, 75% das emissões de gases efeito estufa se originam nas cidades. Por isso, é nelas que o poder público deve agir mais rápido e com eficiência para combater o aquecimento global.
Atualmente, um dos nós mais críticos das grandes cidades em todo mundo é a mobilidade. Em São Paulo, por exemplo, 80% das pessoas se deslocam na superfície. E vê-se pelos congestionamentos diários que a cidade já está saturada de carros. "Não é construindo mais estradas e viadutos que se resolve o problema", afirmou Lerner. "Um viaduto é a forma mais fácil de levar alguém de um congestionamento ao outro".
O arquiteto acredita que a solução para a mobilidade nas grandes metrópoles está nos BRT's (Bus Rapid Transit), como o que ele implantou em Curitiba (veja na foto abaixo). Trata-se de ônibus circulando em canaletas exclusivas, passagem pré-paga, embarque no mesmo nível da plataforma e alta frequência. Considerados exemplar, os BRTs estão se consolidando em vários países como a melhor opção em sistemas de transporte massivo de alta qualidade e hoje já é adotado em 83 cidades de vários países.
Em 1983, Jaime Lerner propôs ao Rio de Janeiro a integração entre metrô e ônibus. A sugestão foi rejeitada. Vinte e cinco anos depois, em 2008, a cidade contratou o escritório do arquiteto para a implementação do sistema de BRT's para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Já tem dois a caminho, que deverão se integrar a uma nova linha do metrô que também está em vias de construção. "Pena que se demorou tanto", afirmou o arquiteto.