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A voz do povo é a voz da emoção

“Nós temos nossos próprios sonhos e nossas próprias missões. Nós estamos com a Europa, mas não pertencemos a ela. (…) Se os britânicos tiverem que escolher entre a Europa e o mar aberto, eles devem sempre escolher o mar”, dizia o então primeiro-ministro Winston Churchill, em discurso proferido na Câmara dos Deputados em 1953. A […]

LUTO: em Londres, população se reúne em memória da deputada Jo Cox, assassinada por extremista favorável ao Brexit / Dan Kitwood / Getty Images

LUTO: em Londres, população se reúne em memória da deputada Jo Cox, assassinada por extremista favorável ao Brexit / Dan Kitwood / Getty Images

DR

Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2016 às 20h22.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h26.

“Nós temos nossos próprios sonhos e nossas próprias missões. Nós estamos com a Europa, mas não pertencemos a ela. (…) Se os britânicos tiverem que escolher entre a Europa e o mar aberto, eles devem sempre escolher o mar”, dizia o então primeiro-ministro Winston Churchill, em discurso proferido na Câmara dos Deputados em 1953. A discussão sobre que lado escolher nunca esteve tão forte – mas a decisão já não é tão simples.

Na próxima quinta-feira, o Reino Unido deve decidir num referendo se permanece ou não na União Europeia. É um voto que diz respeito a ingleses, irlandeses, escoceses e galeses, mas que impacta a vida de europeus em 28 países. Até o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, preferiu deixar claro seu posicionamento: caso o Reino Unido saia da União Europeia, vai entrar no final da fila das negociações americanas.

Não que os britânicos estejam preocupados com isso. Desde o “conselho” de Obama, em 22 de abril, os apoiadores do Brexit (expressão que mistura britânicos com “exit”, saída) ganharam força. As pesquisas de opinião mostram que se a votação tivesse sido esta semana, quando 52% se mostraram favoráveis à debandada, o Reino Unido seria hoje uma nação independente da Europa. Livre das taxas e normas impostas por Bruxelas, das políticas para lidar com a onda de migração e da crise de países como a Grécia – mas fora das vantagens comerciais também.

Um fato dramático reforça a tese de que os britânicos devem deixar a cabeça em casa e votar mesmo é com a emoção. Na última quinta-feira, o assassinato da deputada trabalhista Jo Cox, de 42 anos, ferrenha defensora da permanência na União Europeia, manchou a campanha nacionalista. Ao que tudo indica, ela foi morta por um radical que alimentava uma prateleira nazista em casa e teria gritado “Britain first!” no ato do crime.

Nesse jogo dividido entre razão e emoção, enquanto um lado exalta a força da nação e a autonomia política; outro defende a prosperidade e a segurança de fazer parte de um bloco consolidado. “Esse acirramento começa já pela natureza do referendo. A pergunta exige ‘sim’ ou ‘não’ como resposta; não há meio-termo”, diz Leonardo Trevisan, historiador especializado em política externa da PUC, em São Paulo.

De referendo em referendo 

De certa forma, é comum que, em referendos, as entranhas tomem conta do debate. Nas discussões de temas polêmicos, que tratam da legalização das drogas ou do aborto, o espaço para o debate racional costuma ser curto. Apesar das dificuldades em promover debates construtivos, a consulta popular em temas relevantes é antiga. A Suíça, por exemplo, tem o direito garantido por lei federal desde 1848 e, desde então, mais de 600 referendos já foram realizados sobre os mais diversos temas – uma média de 3 ou 4 por ano.

No Reino Unido, referendos gerais são raros. Apenas dois aconteceram até hoje: um semelhante ao Brexit, em 1975, em que os britânicos decidiram por se manter na União Europeia, outro em 2011, que mudou o sistema eleitoral para o voto alternativo. O terceiro será agora. “Não imagino como uma decisão importante como esta poderia acontecer sem consulta popular. Acredito na importância do referendo, mas não na maneira como ele foi conduzido”, afirma o economista Holger Breinlich, do Centro de Performance Econômica de Londres. “A população está mal informada. As pessoas não confiam nos parlamentares nem nos jornais, então, elas simplesmente não acreditam nos argumentos de nenhum dos lados”.

A consultoria britânica Global Counsel, especializada em avaliar riscos e oportunidades de políticas públicas, realizou um estudo de impacto do Brexit tanto no Reino Unido quanto no restante da Europa. O relatório aponta que os britânicos serão severamente afetados em termos de investimento estrangeiro direto e nos serviços financeiros, além afastar os investidores com um sentimento de incerteza – que também vai contaminar severamente a União Europeia.

Já uma pesquisa da Oxford Economics mostra dois cenários para o Brexit, que dependeriam do novo acordo a ser firmado com a União Europeia: um melhor, em que os negócios teriam uma alta de 2,4 bilhões de euros em investimentos, com um aumento de 40 euros na renda da população; e um pior, em que haveria perda de 21,1 bilhões em investimentos e perda de 1.000 euros na renda até 2030. Certamente mais arriscado.

A desconfiança da população nas instituições só dá mais força às escolhas que se baseiam na identidade. O povo britânico é o que menos se identifica com a cultura do continente. Apenas 35% da população do Reino Unido, de acordo com pesquisa da Comissão Europeia, se considera europeu na nacionalidade, enquanto que na Alemanha, por exemplo, apenas 25% se consideram exclusivamente alemães. O povo patriota do Reino Unido, ao longo desses 43 anos como parte do bloco, aprendeu a lidar com a Europa e a se beneficiar dela. Mas o sentimento de que os britânicos podem seguir sozinhos, desbravando o mar aberto, permanece.

(Camila Almeida)

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