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Brasil muda cor de mapa político da América Latina

Passaram quase duas décadas desde que a esquerda avançou e tomou o poder na América Latina com a promessa de uma nova política para um novo século


	PT: o Brasil que verdadeiramente tingiu de vermelho o contingente com o carismático e popular Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff
 (Bruno Kelly / Reuters)

PT: o Brasil que verdadeiramente tingiu de vermelho o contingente com o carismático e popular Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (Bruno Kelly / Reuters)

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Da Redação

Publicado em 1 de setembro de 2016 às 13h57.

A batalha pelo impeachment de Dilma Rousseff não só põe fim a 13 anos de governo do PT, mas também representa um grande retrocesso para a "maré vermelha" da esquerda na América Latina.

Passaram quase duas décadas desde que a esquerda avançou e tomou o poder na América Latina com a promessa de uma nova política para um novo século.

A chamada "maré rosa" - por ser mais moderada do que os vermelhos comunistas revolucionários da Guerra Fria - alcançou 15 países, a começar pela Venezuela com a eleição do falecido Hugo Chávez, em 1998.

Mas foi o Brasil que verdadeiramente tingiu de vermelho o contingente com o carismático e popular Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, sua afilhada política, quando o PT chegou ao poder em 2010.

Lula - um metalúrgico e ex-líder sindical - e Dilma - uma ex-guerrilheira que foi presa e torturada durante o regime militar (1964-1985) - mudaram e revitalizaram a imagem da velha esquerda latino-americana e seu modelo foi admirado em boa parte do planeta.

Combinando políticas ortodoxas e amigáveis ao mercado com programas sociais revolucionários, Lula sonhou com um Brasil de classe média impulsionado pelo consumo. Este sonho, no entanto, foi frustrado.

'Boom'

Lula teve a sorte de chegar ao poder com o 'boom' dos mercados emergentes nos anos 2000, quando a demanda voraz da China impulsionou os preços das matérias-primas, cortando a dependência do crédito externo.

Quando passou o poder a Dilma após dois mandatos, o Brasil registrava um crescimento de 7,5% e mais de 40 milhões de brasileiros haviam saído da pobreza.

Na América Latina, os que superaram a linha da pobreza somaram 75 milhões em uma década.

"Havia essa sensação de que a América Latina finalmente estava emergindo", disse à AFP William LeoGrande, cientista político da American University de Washington.

Mas tudo desmoronou, não só para o Brasil, mas para toda a região, que amarga seu segundo ano de recessão.

"A ilusão era que seria fácil", disse LeoGrande à AFP. "Mas claramente a dependência das matérias-primas é maior do que alguns pensavam".

Más notícias

Para a esquerda brasileira, a saída de Dilma Rousseff do poder não é outra coisa que a estratégia da direita para recuperar o governo e, daí, atacar os avanços dos últimos treze anos no Brasil.

Mas o certo é que as más notícias foram se acumulando para a esquerda latino-americana, embora todos os especialistas coincidam em que não se pode colocar no mesmo saco os projetos do petismo brasileiro com os do chavismo ou do Kirchnerismo.

Mauricio Macri, de centro-direita, venceu as eleições presidenciais na Argentina em novembro do ano passado, pondo um fim à era kirchnerista (2003-2015).

Outros reveses se seguiram. Na Venezuela, a oposição obteve maioria parlamentar de três quintos nas eleições legislativas de dezembro. Rico em petróleo, o país está à beira do colapso econômico, com Nicolás Maduro, o sucessor de Chávez, brigando contra um referendo revogatório que quer tirá-lo do poder.

Na Bolívia, o líder cocaleiro indígena Evo Morales perdeu uma consulta em fevereiro sobre a possibilidade de se candidatar a um quarto mandato na Presidência, enquanto no Equador, o economista de esquerda Rafael Correa flertou com a ideia de um terceiro mandato, mas desistiu diante da queda nas pesquisas.

Muitos destes governos deram ênfase à redistribuição, mas faltou-lhes fomentar a criação de riqueza e o investimento.

Além disso, uma série de escândalos de corrupção alimentaram o mal-estar na população.

Até mesmo a moderada chilena Michelle Bachelet viu sua imagem desabar nas pesquisas depois que seu filho foi flagrado em um escândalo.

Rosa demais?

A saída do poder do PT de Lula e Dilma muda definitivamente os ventos na região.

Dilma Rousseff é acusada de autorizar gastos sem o aval do Congresso e adiar pagamentos aos bancos públicos para melhorar as contas e continuar financiando programas sociais no ano de sua reeleição e no começo de 2015.

Mas a rigor, é considerada culpada pela pior recessão brasileira em 80 anos e pelo escândalo de corrupção bilionário na Petrobras.

Lula, que poderia voltar ao cenário político em 2018, enfrenta agora acusações de corrupção no caso do Petrolão e corre o risco de ver da prisão as eleições presidenciais.

Alguns de seus seguidores consideram que o Partido dos Trabalhadores (PT) ficou muito rosa, coligando-se a partidos que só queriam acesso aos fundos públicos para benefício próprio.

O PT "lentamente foi isolando suas bases, interrompeu a formação de novos líderes, aliando-se a partidos de centro e direita para garantir a 'governabilidade' e teve importantes personalidades envolvidas na corrupção para cobrir os altos custos das campanhas eleitorais", explicou à AFP José Oscar Beozzo, um teólogo de esquerda.

A nova direita

Se a chegada ao século XXI foi um novo começo para a esquerda após um século XX que a condenou à marginalização com golpes de Estado, invasões e governos militares, frequentemente com o apoio dos Estados Unidos, a região pode estar vivendo agora o surgimento de uma nova direita.

Apesar do reiterado argumento de Dilma de que o impeachment não passa de "um golpe", a região trilhou um longo caminho desde a Guerra Fria, quando os golpes de Estado eram literais.

O surgimento de uma direita latino-americana mais pragmática, comprometida com a democracia e uma agenda social é algo novo, disse John Coatsworth, reitor da Universidade Columbia, em Nova York, e especialista em história latino-americana.

"Por mais de dois séculos, a direita latino-americana era profundamente desconfiada das instituições democráticas e conspirava sempre que lhe era conveniente para socavá-las ou derrubá-las", destacou.

A boa notícia para a esquerda, acrescentou, é que a direita nunca provou ser melhor na gestão das crises econômicas.

E lembrou: "os partidos de centro-direita e de direita que estão se beneficiando do colapso da esquerda em toda a América Latina sofreram eles mesmos um colapso similar há uma década".

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