BREXIT: O ex-prefeito de Londres foi um dos defensores da saída do Reino Unido da União Europeia / Andrew Matthews/Reuters
Da Redação
Publicado em 14 de julho de 2016 às 16h39.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.
Camila Almeida
Mentiroso. Antidiplomático. Ultrajante. Não faltaram xingamentos a Boris Johnson após ele ser nomeado ministro das Relações Exteriores do Reino Unido no governo de Theresa May. Johnson, ex-prefeito de Londres, foi uma das mais importantes vozes a favor do Brexit a saída britânica da União Europeia. Durante sua campanha, criticou duramente a União Europeia, ressaltando os malefícios que fazer parte do bloco vinham trazendo para o país. May havia pedido calma para tocar as negociações, mas, com seu novo ministro tão convicto das vantagens da independência, os líderes europeus passaram a pedir, ao longo da semana, que o Reino Unido apenas saia logo.
A primeira-ministra tem seus motivos. Uma de suas principais lições de casa é unir novamente o partido. Considerada uma conservadora moderada, ela tem dificuldade em acessar o lado mais à direita do partido. Daí a importância de Johnson: ele pode ser um articulador fundamental e, com um cargo alto, deve ajudar a defender o governo. Apesar de saber de sua falta de habilidade com a diplomacia, ela preferiu assumir o risco. No momento, resolver a crise política doméstica parece mais importante do acertar os laços com a Europa.
A escolha de Johnson ofendeu especialmente os internacionalistas franceses e alemães, que comandam as relações das principais potências da União Europeia. E colocou em xeque o potencial de May de gerir o Reino Unido. “É um sinal da crise política britânica que eclodiu após o referendo”, afirmou Jean-Marc Ayrault, ministro de Relações Exteriores da França. Ele também acrescentou que essa escolha atropelada não pode atrapalhar que o Brexit aconteça nas melhores condições possíveis, sem colocar em detrimento o projeto europeu.
Os discursos de ódio de Johnson durante o Brexit construíram barreiras quase impossíveis de transpor. Ele chegou a apelar para o nazismo ao defender a saída britânica da União Europeia, afirmando que o bloco era um projeto concebido por Hitler. Enquanto prefeito de Londres, sua inaptidão para relacionamentos em viagens internacionais era evidente. Em uma das mais recentes, em novembro de 2015, exaltou tanto sua defesa à Israel durante sua estada que precisou cancelar a visita ao território palestino que faria em seguida por questões de segurança. Sem falar que desdenhou da ascendência queniana do presidente Barack Obama, xingou Hillary Clinton de “enfermeira sádica de hospital psiquiátrico” e demonstrou interesse em se aliar a Bashar al-Assad, na Síria, para combater o Estado Islâmico. Para entender melhor quem é o polêmico político britânico, listamos cinco fatos sobre sua trajetória.
Ele não nasceu no Reino Unido
Boris Johnson, na verdade, nasceu na cosmopolita cidade de Nova York. Seu pai, britânico, era estudante de economia na universidade Columbia, em 1964, quando ele nasceu. Sua mãe, uma artista filha de intelectuais liberais meio britânica, meio francesa, era descendente do rei da Grã-Bretanha George II, falecido em 1760. À sua linhagem de sangue azul, se mistura uma origem turca, herdada do bisavô paterno, que foi jornalista, poeta e ministro do império Otomano. Seus bisavós maternos eram americanos, conjugando muçulmanos, judeus e cristãos em sua árvore genealógica. Porém, em 2015, ele abdicou de sua cidadania americana para demonstrar lealdade ao Reino Unido.
Ele tem escândalos pessoais no currículo
Boris Johnson é pai de cinco filhos. Dois meninos e duas meninas são de seu segundo casamento, com a advogada Marina Wheeler. Se casou com ela em 1993, mesmo ano em que se separou de sua primeira esposa por já estar envolvido com a amiga da época da faculdade. O quinto filho de Johnson é fruto de uma relação extraconjugal com a curadora de arte Helen MacIntyre. O caso veio a público quando, em 2013, um juiz determinou a suspensão da ação que proibia a mulher de divulgar a existência da criança. O tribunal considerou que a população britânica tinha o direito de saber do ato irresponsável de Johnson. Em 2004, os tabloides vazaram a informação de que ele mantinha um caso com uma colunista do jornal The Spectator, que já tinha resultado em dois abortos.
Ele era um aluno exemplar
Aos 13 anos, Boris ganhou uma bolsa de estudos para estudar na Eton College, escola de elite do Reino Unido, onde era editor do jornal do colégio. Aos 19, deu continuidade à vida de bolsista e garantiu uma vaga em Oxford, para estudar Letras. Sua geração da faculdade se tornou dominante na política britânica – o ex-primeiro ministro David Cameron e o secretário de Justiça Michael Gove, por exemplo, eram seus contemporâneos. Se tornou coeditor da revista satírica da faculdade e chegou a ser presidente da União de Estudantes de Oxford. Ao fim do curso, ficou decepcionado por não ter conseguido concluir com a nota máxima.
Ele já era polêmico como jornalista
Com muitos jornalistas na família e experiência com os jornais escolares, Boris Johnson trabalhou na redação do jornal The Times, de onde foi demitido após seu editor descobrir que ele havia inventado uma citação para uma reportagem sobre arqueologia. Depois, foi repórter especial do The Daily Telegraph, onde escrevia artigos políticos cheio de vocábulos rebuscados e se referindo aos leitores como “meus amigos”. Foi também colaborador do The Spectator e da revista masculina GQ. Era acusado por vários colegas de profissão de ser irresponsável e de inventar histórias com frequência. Nesta época, em meados dos anos 1990, já era uma das mais importantes vozes de ceticismo em relação à União Europeia e seus textos acabaram influenciando a fundação do Partido Unido da Independência (UKIP), de extrema direita. Os anos passam, as acusações permanecem.
Ele nunca foi levado a sério na política
Em 1993, ele queria avançar na vida de colunista – o favorito de Margareth Thatcher – e entrar de vez para a política. Manifestou interesse de ingressar no parlamento europeu, mas os líderes do partido divergiam em relação à sua vocação. Ele só conseguiu ser eleito em 2001, apesar do racha entre conservadores a seu respeito. Johnson era membro do parlamento em tempo integral, mas continuava com todas as suas colunas polêmicas e aparições na TV e usava esse espaço para fazer jogos políticos. Foi escolhido para ser ministro da Cultura em 2004, mas terminou demitido após um de seus escândalos amorosos. Quando decidiu se tornar prefeito de Londres, em 2007, o partido conservador não levou a sério. Mas, com o apoio de David Cameron, lançou sua candidatura, foi eleito e reeleito. A cidade brilhou nas Olimpíadas de 2012, se tornou o destino preferido dos turistas na Europa e é hoje o principal motor da economia britânica. Se Johnson deixou um legado, foi ter feito de Londres uma cidade amada pelo mundo inteiro – menos pelos próprios ingleses, que reclamam de imóveis caríssimos, estrangeiros pelas ruas e de ver a cidade deslanchar sozinha, à parte do resto da ilha. É chegado o momento de recuperar a simpatia e a receptividade que ajudou a construir.