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Bolívar Lamounier: Trump não defenderá os direitos humanos

Para o cientista político Bolívar Lamounier, Donald Trump respeitará o jogo democrático, mas pode trazer retrocesso em direitos humanos

BOLÍVAR LAMOUNIER: para o cientista político, eleição de Donald Trump mostra perda na qualidade na esfera pública americana (Laílson Santos/Exame)
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Da Redação

Publicado em 18 de novembro de 2016 às 18h33.

Última atualização em 7 de maio de 2019 às 14h50.

Donald Trump, o presidente eleito dos Estados Unidos, respeitará as regras do jogo democrático? Para, Bolívar Lamounier , um dos mais renomados cientistas políticos do país, a resposta é sim, apesar do bilionário ter “uma linguagem mais cínica sobre a política”. No entanto, para o brasileiro — sócio-diretor da Augurium Consultoria — Trump representa um outro perigo: o de retrocesso na defesa dos direitos humanos. “Concretamente, significa fechar os olhos para algumas atitudes do presidente da Rússia, Vladimir Putin. Isso pode se espalhar”, afirma Lamounier. Confira abaixo a entrevista:

Quais são as consequências da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos?

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A eleição em si não é tão difícil de entender. É uma retórica exagerada e populista, mas faz parte do jogo. Uma campanha muito polarizada. Os Clinton ficaram muito antipatizados nos últimos anos. É preciso pensar na agenda de Trump. Ele vai tentar endurecer as políticas contra a imigração. Pode até conseguir alguma coisa, mas não vai reverter o processo imigratório. Isso é impossível. Milhões de latinos e pessoas de outras nacionalidades trabalham nos Estados Unidos há muito tempo. Vai fazer o quê? Botar em avião e mandar para onde? Trump vai tentar fazer algo para dar satisfação ao eleitor, mas é preciso dar um bom desconto na retórica de campanha. Ele não tem como fazer grande coisa nessa área. Minha maior preocupação do ponto de vista interno é que ele tem uma linguagem mais cínica sobre a política e a democracia do que os Clinton, que acreditam na democracia. Não digo que Trump é um antidemocrata, mas não vai dar grande importância aos direitos humanos. É pragmático no mau sentido da palavra.

O senhor acha que ele pode realmente desestabilizar o mundo?

No plano internacional, há um grande exagero. É uma loucura que ele vá colocar o dedo no disparador da bomba atômica. A política dele em relação à Rússia será de não atrapalhar Vladimir Putin, que tem um sonho de engolir alguns países de volta para seu ‘império’. Trump não vai criar problemas em torno disso. Os EUA e Europa reagiram apenas retoricamente à invasão da Ucrânia e da Crimeia. Ele vai fazer a mesma coisa e não vai criar caso por causa disso. Trump não vai alterar o sistema americano de armamentos e defesa. Isso leva décadas, não é da noite para o dia que se altera.

Mas ele não é um fenômeno para o mundo que não vai bem?

Sim, é uma resposta psicologicamente desfocada contra a globalização. Vai inverter a globalização e se isolar do mundo? É uma loucura completa. Ele é um populista clássico americano. Nos Estados Unidos, esses tipos isolacionistas já surgiram no passado. Eles queriam que o país se afastasse de um mundo global, que não tivesse tantas responsabilidades e não policiasse o mundo. Não se envolvesse em questões distantes da Ásia. Mas Trump vai descobrir que a realidade é outra.

A eleição americana não envia uma mensagem contraditória à da agenda internacional?

Na parte dos direitos humanos, sim. Concretamente, significa fechar os olhos para algumas atitudes do presidente da Rússia, Vladimir Putin, na vizinhança dele. Isso pode se espalhar. Isso mostra um desgaste e uma perda de qualidade na esfera pública americana. Foi uma campanha extremamente agressiva dos dois lados. É uma mudança para pior, mas acredito que seja uma mudança temporária.

O sistema de pesos e contrapesos pode ser capaz de frear algumas das promessas mais agressivas de Trump?

Nesse ponto é preocupante porque o partido Republicano elegeu as duas Casas Legislativas. Durante alguns meses, ele vai conseguir fazer um programa legislativo maior do que o de muitos presidentes. Controlar as duas Casas é algo raro nos Estados Unidos. Mas é uma consequência dessa falta de espírito democrático, então é mais fácil de usar essa maioria para passar por cima da oposição. Na Saúde e no emprego, Trump poderá passar algumas besteiras e mais adiante vai descobrir que foram inócuas ou contraproducentes.

O senhor enxerga a eleição de Donald Trump como uma crise da democracia liberal?

Não. Retórica autoritária e nacionalista tem o conteúdo antiliberal, mas não afeta o sistema político liberal. O que afetaria o sistema seria não respeitar o jogo eleitoral. Os Estados Unidos já tiveram vários tipos como Trump, com retórica populista e que aparentemente criticava a democracia, mas não fazia nada de concreto contra ela. Tenho muito mais medo do lulismo no Brasil, nesse ponto de vista, do que do Trump. No Brasil, temos um populismo que fez um estrago monumental e que não atrapalhou as regras do jogo e a Constituição porque não teve força para isso. Faria as mudanças, se pudesse. Um paralelo com o McCartismo dos anos 50 é interessante. Não foi nem candidato à presidência, foi apenas senador. Ele era um tipo mais perigoso. Ele fez um estrago no país. Quando seu mandato no Senado acabou da noite para o dia ele desapareceu e se tornou irrelevante. No Brasil, temos um populismo que não é uma retórica racista e anti-imigração, aqui temos uma retórica economicamente dinossáurica. Não é só retórica, veja a Dilma Rousseff o que fez.

 

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