Biden se defende de críticas por Afeganistão: 'mantenho minha decisão'
O presidente americano Joe Biden convocou pronunciamento após o retorno do Talibã no Afeganistão, e se defendeu dizendo que "nunca há um momento certo para retirar as tropas"
Carolina Riveira
Publicado em 16 de agosto de 2021 às 17h30.
Última atualização em 16 de agosto de 2021 às 18h21.
Pressionado dentro de casa pela saída do Afeganistão e retorno do Talibã , o presidente dos EUA, Joe Biden, convocou um pronunciamento para esta segunda-feira, 16, e se defendeu das críticas à retirada americana.
Na fala, Biden repetiu a narrativa que já havia anunciado em comunicados anteriores: que em algum momento a presença americana no Afeganistão precisaria acabar, e que os EUA não podem ser responsáveis pela "construção de um país".
- Como a política internacional afeta os investimentos?Aprenda a investir neste e-book gratuito da EXAME
"Eu mantenho firmemente a minha decisão: depois de 20 anos, eu aprendi do jeito mais difícil que nunca havia um momento certo para retirar as forças americanas."
Biden admitiu que o avanço do Talibã, que tomou o país em somente duas semanas, foi mais rápido do que o previsto. "A verdade é, isso de fato se desenrolou mais rapidamente do que tínhamos antecipado", disse Biden.
Mas também culpou o governo afegão e, sem citar nomes, mencionou a fuga do presidente Ashraf Ghani, que diz ter saído do país para evitar derramamento de sangue.
"Vou dizer o que aconteceu: os líderes políticos do Afeganistão desistiram e saíram do país. O exército afegão colapsou."
Ao se defender das críticas de que teria feito uma saída desorganizada, Biden disse que é preciso "lembrar a todos como chegamos aqui e quais são os interesses americanos", relembrando a invasão do Afeganistão após os atentados de 11 de setembro.
Na ocasião, a suspeita era de que o Talibã, que então governava no país, escondia o terrorista Osaba Bin-Laden, da Al Qaeda.
"O objetivo era que a Al Qaeda não usasse o Afeganistão como base para nos atacar novamente", disse Biden. "E nós fizemos isso."
De olho na audiência dentro dos EUA, onde tem recebido críticas crescentes pelas imagens de caos no Afeganistão no fim de semana, Biden disse que o único propósito era a segurança dos próprios americanos.
Disse também que ele, como vice-presidente na gestão Barack Obama, sempre se opôs à tentativa de ajudar a construir o Estado no Afeganistão. "[Nossa missão] nunca deveria ter sido construir uma democracia", disse, sem citar nomes. Na gestão Obama, os EUA diminuíram a presença no Afeganistão, mas não conseguiram sair do país.
O presidente americano também voltou a criticar um tratado feito com o Talibã pelo antecessor, o republicano Donald Trump, nos acordos de Doha, em 2019. Trump acordou com o Talibã que os EUA sairiam do Afeganistão até maio de 2021 e antes disso, também reduziu a presença americana no país.
Ao assumir, Biden afirmou que sairia do Afeganistão um pouco mais tarde, até setembro, mas manteve a retirada. O presidente argumenta que foi deixado sem escolha porque o cessar-fogo acordado com o Talibã havia acabado em maio devido às negociações da era Trump.
Nos últimos dias, Trump, que vinha se manifestando pouco desde a derrota nas eleições de 2020 e seu bloqueio nas redes sociais, criticou a estratégia de Biden de retirada do Afeganistão e, após a retomada do Talibã, chegou a pedir impeachment do presidente.
"Era ou seguir com o acordo de retirar nossas forças, ou escalar o conflito e enviar milhares de mais americanos para o combate no Afeganistão, entrando na terceira década de confronto", disse Biden.
O mandatário americano afirmou ainda que o risco terrorista hoje vai muito além do Afeganistão, citando organizações terroristas como o Estado Islâmico na Síria e no Iraque, ou o Al-Shabaab, na Somália. Ele afirma que é possível combater esses riscos sem presença dos EUA em solo, e que a inteligência americana continuará trabalhando para evitar atentados.
O que levou à guerra no Afeganistão
Sucessivos governos americanos vinham sendo pressionados a encerrar a "guerra sem fim" no Afeganistão.
Em dado momento, antes de 2012, os EUA chegaram a ter mais de 100.000 soldados no Afeganistão, e o custo da guerra com o Talibã chegou a 100 bilhões de dólares por ano.
A estimativa do Departamento de Defesa dos EUA é que a guerra no Afeganistão tenha custado só até 2019 mais de 770 bilhões de dólares, mas projeções apontam que o custo já supera 1 trilhão de dólares.
A saída era apoiada por mais de 70% da população americana, devido aos altos custos do conflito para os cofres públicos e desejo da população de que os governos priorizem problemas dentro dos EUA.
Por outro lado, analistas de segurança temem que o retorno do Talibã ao governo possa trazer novas ameaças à segurança dos EUA.
A queda do governo afegão é uma derrota para os EUA, que passaram duas décadas tentando garantir a presença do Estado afegão.
Uma possibilidade é que o avanço do Talibã amplie ainda a influência da China no Afeganistão e no Oriente Médio.
As trágicas cenas em Cabul — com diplomatas americanos fugindo às pressas, civis tentando escapar no aeroporto e ameaças aos direitos das mulheres — também devem respingar na popularidade do governo Biden dentro dos EUA, além de ampliar algum tipo de ameaça terrorista.
Tenha acesso ilimitado às principais análises sobre o Brasil e o mundo.Assine a EXAME.