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Bastidores: Caracas tem clima tenso nas ruas e opositores evitam sair de casa com medo de sequestros

Governo Maduro convocou policias e milícias para defender o governo nos dias antes da posse presidencial, marcada para sexta, 10



Membros da Milícia Bolivariana, que apoia Maduro, participam de evento em apoio ao governo, com rifles russos (Pedro Mattey/AFP)

Membros da Milícia Bolivariana, que apoia Maduro, participam de evento em apoio ao governo, com rifles russos (Pedro Mattey/AFP)

Publicado em 8 de janeiro de 2025 às 14h13.

Última atualização em 8 de janeiro de 2025 às 14h26.

Ser um membro da oposição na Venezuela atualmente significa ter medo de sair à rua. Afinal, pisar na calçada pode significar desaparecer. Ao menos três casos ocorreram nas últimas 48 horas, a poucos dias antes da posse presidencial, marcada para sexta-feira, 10, quando Nicolás Maduro deve iniciar seu terceiro mandato de seis anos.

A EXAME conversou com lideranças da oposição, que pediram para não terem seus nomes mencionados, por medo de perseguição. Uma delas conta que, há cinco meses, tem evitado sair de casa. E que a situação piorou nos últimos dias.

"Estou tentando que ninguém perceba que estou aqui em casa. A região onde vivo não é segura e estou sem proteção. Tenho saído para lugares muito específicos e sempre sob uma série de cuidados", conta uma delas.

"A perseguição está muito forte. Tenho que ter muito cuidado, especialmente nesses dias. As ruas estão tomadas por militares. Foram montadas blitzes em pontos de entrada em Caracas, e a fila de carros chegou a sete quilômetros", prossegue, em conversa por telefone.

Além das dificuldades nas ruas, há intermitências de sinal de telefone e internet e de energia elétrica. "Vocês deram sorte que estou em um ponto da casa onde o sinal pega. Se eu for para a cozinha, a ligação vai cair", diz.

No fim de semana, houve quedas e retornos de energia elétrica em Caracas em sequência. "Isso queimou minha lavadora e minha secadora", conta.

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Medo nas ruas

Houve uma sequência de desaparecimentos de pessoas ligadas à oposição nos últimos dias. Uma delas foi Carlos Correa, diretor da ONG de direitos humanos Espaço Público. Segundo a entidade, ele foi levado por homens encapuzados, no centro de Caracas, na tarde de terça-feira, 7, e seu paradeiro é desconhecido.

Enrique Marques, ex-deputado e ex-vice-presidente da Assembleia Nacional, também foi levado na terça-feira, 7, por homens encapuzados, segundo sua esposa, Sonia.

O mesmo ocorreu com Rafael Tudares. Ele saiu para levar os filhos na escola na terça-feira, 7. No caminho, foi interceptado por encapuzados, vestidos de preto, que o colocaram em uma van dourada e o levaram, segundo o relato de Edmundo González Urrutia, seu genro, que disputou a eleição presidencial contra Nicolás Maduro, em 28 de julho.

Apesar dos casos e do reforço policial, a oposição manteve a convocação de protestos para o dia 9, véspera da posse. Foram divulgadas uma série de locais onde haverá protestos, e os manifestantes foram orientados a usar roupas com as cores da bandeira, vermelho, azul ou amarelo.

Em uma entrevista coletiva na terça-feira, 7, María Corina Machado reafirmou que estará nos protestos de quinta, mesmo sob risco de ser presa. "Não perderia este dia histórico por nada", afirmou. Ela está em um local não informado e tem falado com a imprensa por chamadas de vídeo.

Ao mesmo tempo, Edmundo González faz um giro por diversos países do continente em busca de apoio. Depois de passar por Argentina, Estados Unidos e República Dominicana, ele chegou ao Panamá nesta quarta, onde foi recebido pelo presidente José Raúl Mulino.

González disse que irá para a Venezuela e que pretende tomar posse como presidente, apesar das ameaças do governo Maduro, que o acusa de terrorismo e promete prendê-lo se ele retornar ao país. O líder da oposição se exilou na Espanha em setembro do ano passado, após ser alvo de um mandado de prisão.

O líder opositor avalia pegar um avião para Caracas com um grupo de ex-presidentes latino-americanos que o apoiam, para entrar no país em segurança. A ideia irritou o governo Maduro.

"Essa aeronave, esses tripulantes, a tripulação e os passageiros, devem ser tratados como uma força estrangeira que tenta invadir", alertou o presidente do Parlamento, Jorge Rodríguez.

Reação do governo

Maduro também convocou protestos nas ruas em defesa de sua posse. Ele também anunciou a ativação de um plano militar, chamado Órgão de Defesa Integral da Venezuela (ODI). Com isso, foram mobilizados soldados do Exército, policiais, milícias e o que ele chamou de "poder popular'.

As principais avenidas do centro de Caracas, onde estão localizados os poderes públicos, foram ocupadas desde a semana passada por centenas de agentes de segurança fortemente armados segundo a AFP.

Maduro tomará posse de seu terceiro mandato na sexta-feira, 10. Ele teve sua vitória contestada dentro e fora do país, pois o Conselho Nacional Eleitoral não apresentou os resultados detalhados de votação por sessão. Disse apenas que Maduro teve 51,2% dos votos, contra 44,2% de Edmundo González.

A oposição cobrou a liberação das atas de cada sessão eleitoral e fez um esforço para reunir os documentos. Conseguiu obter os registros de 79% das urnas do país, que foram depois analisadas pela agência americana Associated Press, especializada em dados eleitorais dos Estados Unidos. A agência apontou que González teria obtido 6,4 milhões de votos, ante 5,3 milhões de Maduro. O governo diz que esses dados são falsos e processou o candidato da oposição.

Analistas apontam que as chances de González conseguir tomar posse são pequenas, pois Maduro possui forte apoio dos militares. A oposição tem tentado convencer os soldados e policiais a aderirem, mas os principais comandantes das forças armadas repetiram que seguem leais ao atual presidente.

"Podem se apresentar circunstâncias difíceis, mas tudo aponta que sim, se pode conseguir a posse de González e a retirada do regime", diz uma opositora à EXAME. "Há incerteza, mas isso não significa que as pessoas não deem a cara para lutar."

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