Fogo atinge uma área equivalente a quase duas vezes o Estado do Rio de Janeiro (AAP Image/Dan Peled/Reuters)
Rodrigo Caetano
Publicado em 10 de janeiro de 2020 às 09h39.
Última atualização em 10 de janeiro de 2020 às 09h49.
Os incêndios que se alastram pela Austrália, desde setembro, devem gerar bilhões de dólares em prejuízos para o país. O fogo já atingiu cerca de 8 milhões de hectares, uma área equivalente a quase duas vezes o Estado do Rio de Janeiro. A expectativa é de que os efeitos da tragédia provoquem uma redução entre 0,25% e 1% no PIB do país, o que, no pior cenário, significaria perdas de 20 bilhões de dólares. A conta, como explica o economista Shane Oliver, da consultoria de investimentos AMP Capital, leva em consideração não somente os custos de reconstrução, mas também a queda na atividade econômica de setores importantes, como agricultura e turismo. O prejuízo total só será conhecido no segundo semestre, quando será possível medir os efeitos das rupturas nos negócios.
Ao menos um setor, no entanto, já começa a contabilizar as perdas: o de seguros. Até o início desta semana, mais de 8.500 sinistros relacionados ao fogo haviam sido registrados, totalizando cerca de 700 milhões de dólares em indenizações, segundo dados do Insurance Council of Australia (ICA), entidade que representa as seguradoras australianas. Pelo menos 1.800 residências foram destruídas e a conta deve aumentar nos próximos meses. Segundo o ICA, dentro da área impactada pelo fogo, perto de 95% das construções têm algum seguro, o que se traduz em 25.000 apólices. Desse total, 16.000 contratos incluem proteção adicional aos bens móveis dos segurados.
Na terça-feira, dia 7, Rob Whelan, CEO do ICA, e Josh Frydenberg, tesoureiro da Austrália (ministro responsável pelas despesas e receitas do governo), se reuniram para discutir sobre a atuação da indústria de seguros em meio à crise. No dia seguinte, o governo australiano anunciou a criação de um fundo de 2 bilhões de dólares para financiar os esforços de reconstrução, medida que foi louvada pelas seguradoras.
A recente crise australiana é mais um desastre natural que se soma à enorme lista de eventos climáticos que trouxeram prejuízos para as seguradoras, nos últimos anos. Dados reunidos pela resseguradora Munich RE mostram que o número de catástrofes naturais disparou nas últimas décadas. Em 1980, foram registrados 249 eventos relevantes, entre terremotos, chuvas, furacões, secas etc. No ano passado, o número mais do que triplicou, chegando a 848. As seguradoras perderam 225 bilhões de dólares com eventos climáticos entre 2017 e 2018, período de maior prejuízo para o setor em 40 anos.
Por trás da intensificação dos eventos extremos estão as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência ligada à ONU, no período entre 2010 e 2019, a temperatura global subiu 1,1°C em comparação aos níveis pré-industriais. Os dados apontam que esta será a década mais quente da história. A concentração de dióxido de carbono na atmosfera atingiu o volume recorde de 407,8 milhões de partes por milhão (ppm). “No dia a dia, os impactos das mudanças climáticas podem ser percebidos pelos eventos climáticos extremos e anormais”, afirmou Petteri Taalas, secretário-geral da OMM. “Grandes ondas de calor e enchentes, que costumavam ocorrer uma vez a cada século, estão se tornando recorrentes.”
Até o momento, o setor de seguros foi capaz de absorver essas perdas sem muitos sobressaltos. Mas, o aumento constante e a imprevisibilidade dos eventos extremos causam desconforto. “Essa incerteza dificulta os cálculos e pode elevar o custo do seguro”, afirma Marjorie Leite, especialista de riscos ambientais da Willis Towers Watson, uma das três maiores corretoras de seguros do mundo, com sede na Irlanda. “Os eventos climáticos também geram danos colaterais, como perda de produtividade e riscos de imagem, que, em grande parte, são segurados.”
O cenário preocupa os reguladores. Uma pesquisa feita pela consultoria Deloitte, divulgada no ano passado, mostra que 19 dos 27 órgãos reguladores estatais americanos preveem um aumento da exposição das seguradoras a riscos climáticos. No ano passado, o Banco da Inglaterra (BoE) iniciou um programa de testes de estresse com seguradoras, cujo objetivo é calcular o impacto no setor caso o mundo não atinja a meta de conter o aquecimento global em 2°C, definida pelo Acordo de Paris. A instituição irá usar três cenários, com o mais severo prevendo uma elevação de 4°C, até 2080. Os resultados serão divulgados apenas em 2021. Segundo Mark Carney, presidente do BoE, as mudanças climáticas devem afetar o valor de todos os ativos financeiros. “Esse teste nos ajuda a garantir a resiliência do sistema a essas mudanças”, afirmou Carney, ao jornal Financial Times. Um colapso na indústria de seguros pode ser o gatilho para uma nova crise financeira global.