Talibãs: líderes talibãs se reuniram várias vezes com autoridades russas (AFP/AFP)
AFP
Publicado em 29 de dezembro de 2016 às 14h28.
A aparente aproximação dos insurgentes talibãs com a Rússia e o Irã nos últimos meses alimenta o temor de uma nova guerra por procuração no Afeganistão, afundado no caos há anos.
Rússia e Irã afirmam que seus contatos com a insurreição afegã têm o único objetivo de melhorar a segurança regional, mas os Estados Unidos não escondem seu ceticismo.
A posição russa "é que os talibãs combatem o Estado Islâmico (EI)", declarou recentemente o general John Nicholson, chefe das forças americanas no Afeganistão.
"A legitimidade pública que a Rússia atribui aos talibãs não se baseia em fatos, mas serve, sobretudo, para minar o governo afegão e os esforços da Otan e ajudar os beligerantes", acrescentou Nicholson.
"Com o Irã, a situação é similar. Houve contatos entre os iranianos e os talibãs", acrescentou o general americano.
A Rússia vendeu helicópteros às Forças Armadas afegãs e simultaneamente forneceu uma ajuda militar aos talibãs, afirmaram fontes governamentais e insurgentes.
"Estamos muito inquietos pelos carregamentos de armas russas apreendidos recentemente em zonas fronteiriças do Tadjiquistão", disse à AFP um funcionário de alto escalão da segurança afegã.
"Um apoio estrangeiro aos talibãs complicará ainda mais a situação de segurança no norte do Afeganistão", destacou a fonte.
A contribuição russa ajudou os talibãs a se amparar da cidade de Kunduz em outubro passado, confirmou à AFP um comandante talibã.
Líderes talibãs se reuniram várias vezes com autoridades russas no Tadjiquistão e em Moscou.
"Nenhum país deveria ter contatos com grupos destruidores que são os inimigos do Afeganistão. Significa faltar ao respeito com as vítimas da guerra", disse o porta-voz do ministério afegão do Interior, Sediq Seddiqi.
"Pedimos à Rússia e ao Irã que trabalhem com os afegãos para vencer o terrorismo".
Diplomatas ocidentais em Cabul expressam de forma privada a inquietação provocada pela chegada à embaixada russa de muitos "veteranos" especialistas nos métodos da Guerra Fria, num momento em que as relações entre Washington e Moscou estão muito tensas.
O governo afegão se indignou nesta semana pela reunião tripartite Rússia-China-Paquistão celebrada em Moscou que sugeriu um "enfoque flexível" e a retirada de alguns talibãs da lista de sanções.
Para o embaixador russo no Afeganistão, Alexander Mantytskiy, os vínculos com os talibãs têm por objetivo "garantir a segurança de nossos escritórios, nossos consulados e a segurança na Ásia central".
"A Rússia sempre disse que a paz e a reconciliação nacional eram uma necessidade, portanto o processo deve seguir adiante sob a condução dos afegãos", afirma Mantyskiy, que critica a Otan.
A Otan busca desviar a atenção da gravidade da situação e "atribuir a nós a responsabilidade por seus fracassos", acrescenta Mantysky.
Michael Kugelman, analista do Woodrow Wilson Center, em Washington, considera que o Afeganistão não pode ignorar o temor da Rússia e do Irã de um avanço do Estado Islâmico no Afeganistão.
"O Estado Islâmico não está muito implantado no Afeganistão, mas se tornou conhecido e sua marca inspira muito medo", afirma.
"Não se pode excluir a possibilidade de que Rússia e Irã tentem se proteger reforçando seus vínculos com os talibãs", acrescenta.
O Afeganistão esteve com frequência no centro de grandes manobras das potências estrangeiras.
Primeiro durante o "Grande Jogo", a guerra por procuração que opôs Rússia e Grã-Bretanha no Século XIX. Depois nos anos 1980, quando os Estados Unidos, através do Paquistão, apoiaram a guerra dos rebeldes afegãos contra a ocupação soviética.
Além disso, o Afeganistão sofre a influência de rivais da Índia e do Paquistão, suspeito de recebê-los em seu território.
A imprevisibilidade do próximo presidente americano, Donald Trump, pode complicar ainda mais a situação.
"A Rússia espera ver qual será o próximo movimento americano", afirma o analista afegão Ahmad Saeedi.
Se Trump "decidir reduzir a presença americana, os russos vão querer preencher este vácuo", afirmou Saeedi.
Alguns temem que a Casa Branca tente romper o acordo nuclear das grandes potências com o Irã e em reação este país se aproxime dos talibãs.
"A luta das grandes potências estrangeiras por seus interesses não anuncia nada bom para o Afeganistão", estima Saeedi.
"Isso quer dizer mais violência e sangue derramado no país", acrescenta pessimista.