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A vez do otimismo para a América Latina

Apesar dos maus exemplos da Venezuela e da Argentina, investidores estão animados com a região, avalia Nick Allan, o presidente global da Control Risks

Nick Allen, presidente global da Control Risks: o ambiente de investimentos na América Latina está mais interessante e competitivo depois da chegada dos chineses (Control Risks/Divulgação)

Nick Allen, presidente global da Control Risks: o ambiente de investimentos na América Latina está mais interessante e competitivo depois da chegada dos chineses (Control Risks/Divulgação)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 27 de maio de 2019 às 05h55.

Última atualização em 28 de junho de 2019 às 14h19.

Os investidores internacionais estão otimistas quanto ao panorama para os negócios na América Latina, que consideram estar mais dinâmico e competitivo em razão da chegada dos investimentos chineses. Essa é a visão de Nick Allan, presidente da Control Risks, uma das maiores consultorias de risco do mundo, que tem como missão ajudar as empresas a navegar nas águas turbulentas das relações globais.

Em entrevista exclusiva a EXAME, o executivo falou sobre as perspectivas não só para a região, mas também para o Brasil, país que continua em destaque na mira dos investidores. Veja a entrevista na íntegra:

Transformações geopolíticas recentes causaram o aumento nos riscos de instabilidades econômicas e transformaram drasticamente o panorama político global. Quais as perspectivas para a América Latina?

Nick Allan: A América Latina sempre foi um continente de contrastes. Do ponto de vista de negócios, investidores enxergavam a ascensão de governos populistas e políticas econômicas convencionais. Uma região de oportunidades, rica em recursos naturais e com uma população jovem. Alguns países crescendo rapidamente, outros nem tanto, como o Brasil.

Agora, vejo que as coisas mudaram um pouco, mas no sentido de que observamos a rejeição aos governos populistas de esquerda. Há, no entanto, otimismo em torno de vários países, como o Brasil, Chile, Colômbia e Peru, por exemplo, assim como o México.

Como está o clima entre os investidores internacionais para o Brasil?

Nick Allan: O Brasil continua apresentando a maior oportunidade, por causa do tamanho da economia e a população jovem. Os investidores estão atentos aos desdobramentos da aprovação da reforma da Previdência, uma questão importante para o país.

Vemos que os políticos chegam ao mandato com grandes planos, mas esses planos mudam no momento em que encaram a realidade política do país. E esse certamente será o maior desafio do governo de Jair Bolsonaro: como fazer com que o Congresso aprove as medidas que ele deseja.

Ainda assim, os investidores estão otimistas e particularmente aliviados por causa de algumas indicações feitas pelo novo presidente, consideradas escolhas ortodoxas do ponto de vista da economia e competentes tecnicamente.

Quais as questões-chave na região hoje?

Nick Allan: Do ponto de vista dos investidores internacionais, as questões-chave são o Estado de Direito, corrupção, regulação e estabilidade política.

Mas há também uma dinâmica interessante, com o panorama dos investimentos mudando em razão dos chineses que buscam entrar na América Latina: estão interessados nas riquezas naturais de uma região que precisa de investimentos em infraestrutura, algo em que eles são bons.

Além disso, as mesmas transformações que estão impactando o mundo também estão impactando a América Latina. Por isso, acredito que a guerra comercial entre China e Estados Unidos também será sentida por aqui.

Em que sentido? Na sua visão, a guerra comercial é uma oportunidade ou uma ameaça para a América Latina?

Nick Allan: A América Latina não está no meio dessa disputa, que é sobre equilíbrio comercial. Os Estados Unidos estão conscientes dos avanços dos chineses em áreas consideradas chave para a sua dominância cultural, econômica e tecnológica norte-americana. Creio, contudo, que a guerra comercial pode representar oportunidades e ameaças para a região.

Uma oportunidade justamente no sentido de que a região não está envolvida diretamente e seus países hoje se beneficiam de uma relação mais próxima com a China, buscando investimentos particularmente em infraestrutura. A questão é como fazer um bom uso desses investimentos sem transformar a relação em dependência.

Agora, pode ser uma ameaça se os Estados Unidos enxergarem os investimentos da China na região como competitivos. Isso pode fazer com que os norte-americanos pressionem os países da América Latina a favorecer seus investidores em detrimento dos chineses.

Se a política não atrapalhar, é provavelmente uma boa oportunidade. Mas, se a política atrapalhar, isso pode complicar a situação, já que a China tem muito a oferecer à América Latina.

As crises na Venezuela e na Argentina podem contaminar o clima dos investidores para a região?

Nick Allan: Na América Latina, temos exemplos de tudo o que esses investidores não querem. E isso provavelmente não é uma propaganda atraente para quem pensa em investir na região e faz com que os investidores questionem até que ponto outros países podem seguir pelo mesmo caminho.

A situação na Venezuela, um país que sempre foi muito importante para os negócios internacionais, se agravou e os riscos mais temidos se concretizaram em termos de apreensão de bens e nacionalização de operações.

Na Argentina, o clima é de desespero, especialmente por conta do risco da volta do kirchnerismo, que muitos pensavam ter ficado no passado. Quando o atual presidente, Mauricio Macri, anunciou o pacote econômico de controle de preços, a decepção dos investidores era visível, já que esperavam medidas diferentes. No fim, algumas de suas políticas não eram tão diferentes da era Kirchner.

Qual é a sua avaliação sobre o papel do Brasil na América Latina atualmente?

Nick Allan: Está muito claro que veremos uma política externa cada vez mais vocal. O Brasil sempre foi uma voz importante na comunidade internacional e as pessoas querem ouvi-lo quando pensam em América Latina. Veremos um presidente mais ativo nesse sentido e um exemplo disso está no reconhecimento de Juan Guaidó como presidente da Venezuela. Isso mostra que o país quer ter alguma influência na região.

Na política doméstica, as indicações aos ministérios, como Paulo Guedes à frente da equipe econômica, e Sergio Moro na Justiça, foram bem recebidas por governos como Chile e Colômbia. Então, acredito que vamos ver mais do Brasil e isso é importante, já que é um parceiro comercial fundamental para os países da região.

O Mercosul foi severamente criticado pelo presidente Bolsonaro durante a campanha presidencial. Como os investidores estão olhando para o futuro da integração econômica na América Latina?

Nick Allan: Políticas de integração econômica em todo o mundo podem se beneficiar de um novo olhar. É o que vimos com os Estados Unidos e o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio): o presidente Trump fez muito barulho, negociou apenas alguns termos e mudou o nome da tratativa para Acordo Estados Unidos-México-Canadá. No fim, o acordo sobreviveu.

Isso mostra que políticos falam muito durante a campanha, mas os desafios de remodelar um acordo como o Mercosul são enormes, especialmente quando lembramos que um parceiro fundamental nisso, a Argentina, vive uma severa crise.

Eu não acredito em um grande movimento e não acho que os investidores estão preocupados com isso. O foco está nas reformas políticas no Brasil e, vamos ser honestos, a ação está toda aqui.

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