Mundo

A saída à francesa de Donald Trump ao lado de Macron

Trump era simpatizante da ultra-nacionalista Marine Le Pen, que disputou o segundo turno com Macron

TRUMP E MACRON, EM PARIS: cada vez mais pressionado pela Rússia, o presidente americano se aproximou do jovem líder francês  / Yves Herman/ Reuters

TRUMP E MACRON, EM PARIS: cada vez mais pressionado pela Rússia, o presidente americano se aproximou do jovem líder francês / Yves Herman/ Reuters

DR

Da Redação

Publicado em 15 de julho de 2017 às 09h32.

Última atualização em 15 de julho de 2017 às 17h21.

Talvez nenhum governante e nenhuma cidade simbolizem o oposto de Donald Trump tanto quanto Emmanuel Macron e Paris.

Simpatizante da ultra-nacionalista Marine Le Pen, que disputou o segundo turno com Macron, Trump atribuiu a onda de terrorismo em Paris à imigração, defendida pelo novo presidente francês.

E apesar das tentativas de Macron de dissuadi-lo disso, ainda retirou os EUA do Acordo do Clima que leva o nome da capital francesa, explicando que foi eleito para representar os cidadãos de Pittsburgh, não de Paris.

Daí o significado da recepção amistosa que o presidente americano teve na quinta e na sexta-feira em Paris, durante a celebração da Queda da Bastilha, um ano depois do atentado do Estado Islâmico em Nice que deixou 84 mortos, e do centésimo aniversário da entrada dos Estados Unidos na 1.ª Guerra Mundial, ao lado da França e da Inglaterra: Trump e os líderes europeus constroem um modus vivendi, no qual o fato de não concordar em tudo não significa que não se pode cooperar em alguns temas importantes.

O presidente americano acenou com a possibilidade de os EUA voltarem ao Acordo de Paris, se houvesse mudanças nas exigências relacionadas com a redução da emissão de poluentes: “Se acontecer, será maravilhoso e se não, será OK também”. E acrescentou, em entrevista coletiva ao lado de Macron, que “discordâncias ocasionais” não romperiam uma amizade que remete às revoluções americana e francesa do final do século 18.

Na primeira reunião de ambos, no final de maio na cúpula do G-7 na Itália, Macron tentou em vão convencer Trump a não sair do acordo. No fim de semana passado, Macron e a chanceler alemã, Angela Merkel, voltaram a pressionar Trump sobre o tema na cúpula do G-20 na Alemanha. Os dois se reuniram na quinta-feira antes de Macron receber Trump, e Merkel declarou que os líderes europeus deviam manter aberto o diálogo com o presidente americano.

“Isso deveria ter um impacto nas discussões que estamos tendo sobre outros tópicos?”, perguntou Macron na coletiva ao lado de Trump. “Absolutamente não”. Esses outros tópicos são a Síria, a Líbia, a Ucrânia e o combate ao terrorismo. Trump elogiou o cessar-fogo no sudoeste da Síria que ele próprio firmou com o presidente russo, Vladimir Putin, e anunciou que um segundo acordo poderá cobrir outra região do país.

Macron defende uma intervenção na Síria para derrubar o ditador Bashar Assad e dizimar o Estado Islâmico, que ocupa partes do país. Ele disse que discutiu com Trump um plano para estabilizar o país depois do fim da guerra civil, que já deixou 465.000 mortos nos últimos seis anos.

No vôo de Washington para Paris, o presidente americano conversou com os repórteres sobre o recém-revelado encontro que seu filho Donald Trump Jr. teve em junho do ano passado com uma advogada russa que oferecia informações supostamente comprometedoras sobre a sua adversária democrata, Hillary Clinton.

“A maioria das pessoas teria aceitado ter aquela reunião”, defendeu Trump, acrescentando que foi uma questão de gentileza. Ele chamou o filho de “um jovem maravilhoso” e assegurou que “nada aconteceu” a partir da reunião.

Reportagem publicada na quarta-feira 12 pelo jornal The Washington Post lembra que, no discurso da vitória das primárias republicanas, em seu clube de golfe no Condado de Westchester (Estado de Nova York), Trump prometeu: “Vou fazer um pronunciamento importante, provavelmente na segunda-feira da próxima semana. E vamos discutir todas as coisas que aconteceram com os Clintons. Acho que vocês vão achá-lo muito informativo, e muito, muito interessante”.

Era a noite de 7 de junho do ano passado, uma terça-feira. Horas antes, Donald Trump Jr. enviara um email à advogada russa Natalia Veselnitskaya, marcando o encontro. Dois dias depois, a advogada foi recebida na Trump Tower, em Nova York, pelo então estrategista-chefe da campanha, Paul Manafort, e por Jared Kushner, genro e assessor de Trump. Mas o encontro foi uma decepção, segundo o filho do presidente. Os russos não entregaram o que prometeram e o importante discurso de Trump nunca se materializou.

De acordo com o jornal The New York Times, Veselnitskaya fez lobby no Congresso contra as sanções impostas pelos EUA contra a Rússia em 2014 por causa da anexação da Crimeia e do apoio a separatistas étnicos russos no leste da Ucrânia. Ela trabalhou também durante anos como advogada da família Katsyv, cujo patriarca, Pyotr Katsyv, foi secretário dos Transportes da região de Moscou por mais de uma década. Seu filho, Denis Katsyv, foi defendido por Veselnitskaya da acusação de promotores americanos de ter lavado 14 milhões de dólares em Nova York, com a compra de imóveis e outros bens. Ela atuou ainda um um processo do governo regional de Moscou contra a varejista sueca de móveis e decoração Ikea. Embora seja considerada próxima do governo russo, Veselnitskaya nega.

Na conversa com os jornalistas americanos, Trump também colocou em dúvida a conclusão da CIA e do FBI de que Putin tenha interferido na campanha presidencial contra Hillary. “Da próxima vez que eu estiver com Putin, vou perguntar-lhe: ‘Você estava a favor de quem realmente?’ Porque não posso acreditar que ele fosse a meu favor”, negou Trump, que se reuniu pela primeira vez com o presidente russo na sexta 6 em Hamburgo, durante a cúpula do G-20.

As intrincadas conexões 

Putin passou a detestar Hillary principalmente depois que ela, quando era secretária de Estado, em 2011, apoiou manifestações contra o governo na Rússia. Além da invasão e vazamento dos emails da campanha de Hillary, que as agências americanas de inteligência atribuem a hackers que costumam trabalhar para o Kremlin, também há uma série de vinculações entre a Rússia e assessores muito próximos de Trump.

A começar por seu genro e conselheiro, Jared Kushner. Ele participou de uma reunião em dezembro na Trump Tower com o embaixador russo em Washington, Serguei Kislyak. Kushner propôs usarem um canal de comunicações da embaixada, para evitar a escuta de agências americanas.

Entretanto uma mensagem do embaixador relatando isso a seus superiores em Moscou foi interceptada pelo FBI.

Por sugestão do embaixador russo, Kushner se reuniu também com Serguei Gorkov, presidente do banco estatal Vnesheconombank, que está sob sanções americanas. Esse parecia ser o tema central das conversas: a possibilidade de Trump retirar as sanções impostas por seu antecessor, Barack Obama, em 2014. Kushner não mencionou esses encontros no questionário do FBI que todo funcionário de alto escalão nomeado pelo presidente tem de preencher.

O secretário da Justiça, Jeff Sessions, encontrou-se duas vezes com o embaixador russo, quando era assessor de segurança nacional da campanha de Trump, uma delas em seu gabinete no Senado. Em sua sabatina no Senado, Sessions afirmou sob juramento não ter tido contatos com representantes do governo russo.

O secretário, que nos EUA acumula as funções equivalentes às de procurador-geral da República e advogado-geral da União, e tem o FBI em sua pasta, declarou-se afastado de todas as investigações envolvendo a Rússia.

A primeira baixa do governo ocorreu por causa de contatos com Kislyak. O general Michael Flynn, nomeado chefe do Conselho de Segurança Nacional, garantiu ao vice-presidente Mike Pence que em suas conversas por telefone com o embaixador russo não tocou no tema das sanções. Interceptações dos telefonemas feitas pelo FBI, no entanto, provaram o contrário, e Flynn teve de pedir demissão no dia 14 de fevereiro, depois de apenas 24 dias no cargo — um recorde.

O general da reserva recebeu US$ 45 mil dólares da rede de televisão estatal russa RT para fazer um discurso em um evento em Moscou em 2015, e outros US$ 22.500 de dois empresários russos no mesmo ano. Entretanto, não incluiu esses pagamentos em um formulário sobre transações financeiras que os funcionários nomeados também têm de preencher.

No dia seguinte à renúncia de Flynn, Trump pediu ao então diretor do FBI, James Comey, que não seguisse adiante com as investigações sobre o caso. Comey não aceitou o pedido e acabou demitido em maio.

O advogado pessoal de Trump, Michael Cohen, está sob investigação do FBI por supostamente ter conversado com um representante do governo russo em Praga a respeito da invasão dos computadores da campanha de Hillary. Casado com uma ucraniana, Cohen propôs um plano de paz entre a Rússia e a Ucrânia, que permitiria a Trump retirar as sanções. Ele também mediou negócios da Organização Trump com russos.

Manafort, o ex-estrategista da campanha de Trump que participou da reunião com a advogada russa, trabalhou entre 2012 e 2014 como marqueteiro do Partido das Regiões, do ex-presidente ucraniano Viktor Yanukovych, aliado de Putin, que acabou destituído em meio a manifestações populares por ter interrompido o processo de inclusão do país na União Europeia.

O marqueteiro de Trump também fez lobby em Washington para o empresário russo do alumínio Oleg Deripaska, próximo de Putin, entre 2006 e 2009, entre outros trabalhos relacionados com a Rússia e a Ucrânia.

Desde que assumiu a presidência, dia 20 de janeiro, Trump tem tido de se acostumar com cidades hostis. Durante a campanha, e mesmo depois de eleito, ele usou o hashtag “drain the swamp” (drenar o pântano), para se referir à “sujeira” da política em Washington. Apenas 4% dos eleitores de Washington votaram nele.

Em suas críticas à imigração e ao terrorismo, Trump declarou em fevereiro que “Paris não é mais Paris”. Durante a visita, ele tentou se reconciliar com a cidade, chamando-a de “uma das maiores e mais bonitas do mundo”.

Também não poupou elogios a Macron, a seu lado na coletiva: “Vocês têm um grande líder agora, um grande presidente. Vocês terão uma Paris muito pacífica e bonita, e eu voltarei”. Daí brincou com o presidente francês: “É melhor você fazer um bom trabalho. Se não vai me deixar em maus lençóis”. Macron, com sua elegância, respondeu: “Você é sempre bem-vindo”.

Em seu esforço para agradar, Trump, que já se casou três vezes, sempre em busca de mulheres mais jovens e bonitas, elogiou a mulher de Macron, Brigitte, de 64 anos, 25 a mais do que o marido: “Você está em tão boa forma! Bonita!”

Reescrever a história não deve ser tarefa simples. Boa parte da energia do presidente americano vem sendo consumida nisso.

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpEmmanuel MacronEstados Unidos (EUA)Exame HojeFrança

Mais de Mundo

Israel deixa 19 mortos em novo bombardeio no centro de Beirute

Chefe da Otan se reuniu com Donald Trump nos EUA

Eleições no Uruguai: 5 curiosidades sobre o país que vai às urnas no domingo

Quais países têm salário mínimo? Veja quanto cada país paga