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A crise fez bem

As vinícolas argentinas tiveram de buscar novos mercados para sobreviver. O resultado: o vinho melhorou e os lucros aumentaram

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 14h56.

O vinho argentino Noemía 2001, feito exclusivamente com a uva Malbec, aparece na carta do restaurante londrino Le Gavroche com a cotação máxima de três estrelas conferidas pelo prestigiado guia Michelin. Um outro vinho feito no país, o Lindaflor, pode ser encontrado no restaurante do chef Alain Ducasse no Hotel Plaza Athénée, em Paris, uma referência mundial em hotelaria de luxo. E o Nicolás Catena Zapata, feito com as cepas Cabernet Sauvignon e Malbec, é um dos destaques do menu do restaurante Daniel, do chef Daniel Boulud, em Nova York. Recentemente, muitos dos vinhos argentinos conquistaram notas acima de 90 pontos nas publicações especializadas. O Val de Flores 2002, elaborado por Michel Rolland e que envelhece 14 meses em barril de carvalho francês, recebeu 95 pontos do crítico Robert Parker, o mais influente do mundo. O Altamira 2002, da bodega Achaval-Ferrer, uma associação de capital italiano e argentino, ganhou 94 pontos da revista americana Wine Spectator, outra referência importante no mundo do vinho. A nota o coloca no patamar dos grandes vinhos europeus. A mesma revista avaliou o Chatêau Margaux 2001, de Bordeaux, entre 92 e 94 pontos. A melhor notícia para os produtores é que a badalação já interfere nos preços. No Brasil, onde o produto entra livre do imposto de importação, o valor chega a 500 reais. Ainda está longe do padrão de preço dos mais caros vinhos europeus, que chegam a custar 2 000 dólares a garrafa. Porém, são cifras impressionantes para um produto que até pouco tempo atrás era comercializado praticamente como uma commoditie no mercado internacional.

Essa nova realidade tem suas raízes na crise econômica que atingiu a Argentina no início desta década e abalou muitas empresas no país. Primeiro, da noite para o dia, a produção de Mendoza (província responsável por mais de 70% dos vinhos do país) ficou bem mais competitiva na comparação com os demais exportadores da bebida. Uma das maiores produtoras do país, a vinícola Catena Zapata, viu suas exportações aumentarem de 45% da produção em 2001 para 85% do total no ano passado. A expansão externa continua firme. Na média do setor, as vendas de vinhos argentinos para o mercado internacional cresceram 37% em dólar em 2004, na comparação com o ano anterior.

A exportação também é vista como a válvula de escape das vinícolas para compensar a queda do consumo interno. Em 1977, o argentino consumia o equivalente a 88 litros de vinho por ano. No ano passado, a média per capita foi de quase 30 litros. "Produtores voltados para o mercado doméstico viram seus lucros despencarem e seus consumidores evaporarem. A crise os forçou a procurar mercados mais rentáveis", afirma o enólogo americano Paul Hobbs, sócio da vinícola Argentina Cobbos. O segundo ponto importante nessa história é o fator qualidade. Na Argentina, o ganho de competitividade pelo câmbio favorável coincidiu com o processo de melhora da qualidade do vinho.

Eduardo Pulenta, da vinícola Pulenta Estates, ainda se recorda quando a quantidade ditava as regras nas vinícolas e a empresa investia na produção de cepas como Pedro Ximénez e Criolla. Um hectare produzia 30 000 quilos de uva comum. Hoje, a produtividade passou para 10 000 quilos por hectare. No mundo do vinho, a quantidade de produção por hectare é inversamente proporcional à qualidade do produto final. Em 1998, os Pulenta venderam suas duas bodegas, Peñaflor e Trapiche, e passaram a apostar na qualidade. "Agora trabalhamos com controle de produção e fermentação em tanques pequenos, de 10 000 litros, em que é possível controlar melhor a produção", afirma.

Outro desdobramento importante da história é o aumento do interesse dos investidores estrangeiros pelas vinícolas argentinas. Durante toda a década de 90, espanhóis, italianos, chilenos e franceses investiram o equivalente a 1,3 bilhão de dólares nos vinhedos e nas vinícolas do país. "Depois da megadesvalorização, decidi dar o sinal verde para construir nossa vinícola no Valle de Uco, em Mendoza", diz José Manuel Ortega, presidente da O. Fournier, empresa de capital espanhol. "E tenho de admitir que não teria construído uma bodega com capacidade para 1 milhão de litros se não fosse a oportunidade da desvalorização." De acordo com Juan Carlos Pina, gerente da associação Bodegas de Argentina, o país soube tirar partido da crise econômica. "Na balança, podemos afirmar que no final a desvalorização foi mais positiva do que negativa", afirma Pulenta.

As vinícolas brasileiras estão entre as que mais reclamam do avanço do país vizinho. O crescimento exponencial da exportação já motiva pleitos de taxação da importação no âmbito do Mercosul. Em 2001, antes da desvalorização da moeda argentina, os vinhos ocupavam a quinta posição entre os importados mais consumidos no Brasil, com embarques de 6 milhões de dólares. Desde então, a cada ano, a Argentina conquistou uma posição no ranking e fechou 2004 em segundo lugar, com o equivalente a 17 milhões de dólares, atrás apenas do Chile. Os produtores europeus também perderam espaço. A Itália, primeira no ranking em 2001, está na terceira posição, e o ex-vice-líder Portugal passou para a quarta colocação. "A baixa importação dos europeus também ajudou o aumento do consumo dos vinhos argentinos", afirma Alejandro Panighini, diretor comercial da Bodega Salentein, um dos maiores produtores argentinos.
 

O melhor da safra argentina
O quadro mostra alguns dos vinho s mais caros produzidos no país
Altamira 2002
490 reais
Noemia 2002
480 reais
Nicolas Catena Zapata 2001
430 reais

 

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