Bitcoin: transações com a criptomoeda totalizaram mais de 170 bilhões de dólares no mundo nos últimos seis meses (Dado Ruvic/Illustration/File Photo/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 1 de agosto de 2019 às 06h39.
Última atualização em 1 de agosto de 2019 às 20h21.
Uma nova fase começa para as criptomoedas no Brasil a partir desta quinta-feira. A Receita Federal instituiu que todos que operam com esse tipo de moeda virtual deverão começar a reportar ao governo todas as transações que fizeram no mês anterior.
A primeira prestação de contas vai acontecer em setembro, de modo que, começando neste 1º de agosto, as corretoras deverão registrar meticulosamente cada centavo transacionado.
É a primeira regulação governamental para criptomoedas já feita no Brasil. A nova regra foi anunciada em maio, por meio da instrução normativa 1.888 da Receita.
Com a norma, as corretoras precisarão informar à Receita informações de todas as transações de seus clientes, como nome dos envolvidos, valores, data e taxas. A obrigatoriedade também vale para pessoas físicas que investem neste mercado de forma independente, sem as corretoras, e cujas transações com as moedas ultrapassarem 30.000 reais em um determinado mês.
Empresas do setor afirmaram a EXAME que a regulação é positiva e que muitas empresas já operavam registrando suas transações. Para o presidente da corretora Mercado Bitcoin, Marcos Alves, a instrução normativa “ajuda a combater o mau uso dos criptoativos” e “é natural que a regulação também evolua” à medida que mais pessoas usam as moedas.
A fintech de pagamentos Z.Ro, que vem fazendo parcerias com o varejo e lojistas para que aceitem pagamentos em bitcoin, afirmou que este é um passo importante na “profissionalização do mercado” e que pode dar às pessoas segurança para investir e confiar nas empresas do setor, segundo o presidente da Z.Ro, Edisio Pereira Neto.
Há dezenas de corretoras que atuam com criptomoedas no Brasil, e as transações no país giraram na casa dos 5 bilhões de reais no primeiro semestre de 2019, de acordo com estimativas da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto). No mundo, só em bitcoin, mais de 170 bilhões de dólares já foram transacionados nos últimos seis meses.
Valendo na casa dos 10.000 dólares a unidade, o bitcoin é a criptomoeda mais conhecida, mas há centenas delas, como Ethereum, Litecoin e XRP.
A nova norma sobre as criptomoedas, contudo, não significa que as operações de corretoras e pessoas físicas que investem nesses ativos passarão a ter novos tributos.
"A Receita Federal considera os criptoativos como um ativo, ainda que virtual", explica Rafael Santiago, auditor fiscal da Receita Federal e coordenador de estudos e atividades fiscais da Subsecretaria de Fiscalização. "Mas não é um novo imposto que estamos criando, as empresas e pessoas físicas continuam pagando os mesmos impostos que já pagavam."
As corretoras de criptomoedas, como qualquer pessoa jurídica, já entregavam obrigações fiscais, como lucros, à Receita. O que muda agora é que precisarão entregar informações sobre as transações feitas por seus clientes pessoas físicas, o que não era informado anteriormente.
Já as pessoas físicas, até então, só autodeclaravam suas criptomoedas no Imposto de Renda. Agora, sua corretora também vai declarar suas informações mensais, ou, se for um investidor independente, a própria pessoa física precisa declarar valores ganhos com criptoativos acima de 30.000 reais.
Os ganhos com criptomoedas se encaixam como ganhos de capital, e, nesse caso, pessoas físicas precisam pagar 15% do faturamento, estando isentas as alienações de até 35.000 reais.
"Quando alguém declarar em seu imposto de pessoa física que tem determinado número de bitcoins, poderemos cruzar esses dados com o que foi declarado pela corretora com a qual essa pessoa trabalha", diz Santiago, que liderou na Receita a criação da normativa sobre os criptoativos.
Com mais de 1 milhão de pessoas registradas em corretoras para investir em criptoativos no Brasil, os investidores já até mesmo superaram em número os que investem na Bolsa de Valores. E a tendência é que o mercado continue crescendo.
Um impulso recente à pauta das criptomoedas veio do anúncio do Facebook de que lançaria sua própria criptomoeda, a Libra, em parceria com mais de 20 organizações — o que fez o bitcoin subir 50% na semana seguinte.
A Libra é diferente de moedas como o bitcoin porque é lastreada em uma carteira de ativos seguros (como dólar, euro e títulos públicos) e tem dono, ainda que também use a tecnologia descentralizada do blockchain, em que cada servidor contém uma parte da transação e a torna transparente e inviolável.
A previsão é que a Libra comece a circular em 2020, mas a moeda vem sendo questionada por governos mundo afora, do Japão aos Estados Unidos, e também pela comunidade de criptomoedas, com parte afirmando que ter como donos grandes empresas faz a moeda não ser descentralizada com os demais criptoativos.
No Brasil, a associação que comanda a Libra já pediu registro da marca, embora, assim como no resto do mundo, não haja previsão de sua estreia por aqui. Apesar das críticas à Libra, empresas que atuam no mercado de bitcoins afirmaram a EXAME que consideram o advento da Libra positivo, já que, com grandes empresas liderando a iniciativa, o empreendimento pode popularizar as criptomoedas e impulsionar o mercado.
Neste cenário fervilhante, até o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, chamou o bitcoin de “uma coisa espetacular” e disse que é impossível parar o curso dessas mudanças.
Um dos lados ruins — e que regulações mundo afora vão tentar combater — é que fraudes com as moedas totalizaram mais de 1 bilhão de dólares só nos primeiros três meses do ano, segundo a empresa de segurança CipherTrace. Mais transparência, neste contexto, parece muito bem-vinda para quem investe em criptomoedas.