Com alta dos juros e mudança na TR, como fica o financiamento imobiliário
Em janeiro, a Taxa Referencial ficou em 0,1%. Acréscimo pode parecer baixo, mas décimos representam milhares de reais no financiamento habitacional. Veja simulações
Redação Exame
Publicado em 21 de janeiro de 2022 às 06h40.
Última atualização em 31 de agosto de 2023 às 15h26.
O ciclo de quatro anos de queda e patamares mais baixos da taxa básica de juros deixou para trás pontos importantes que fazem parte do dia-a-dia do sistema financeiro quando a Selic está mais alta, como acontece agora, com o juro em 9,25% ao ano. É o caso da Taxa Referencial, a chamada TR, para quem tem crédito contratado.
Grande parte das linhas de financiamento estabelece como fórmula uma taxa de juros fixa somada à TR. No caso do crédito imobiliário, a proporção de contratos em relação ao volume total que usam esse modelo é de 94% (os outros 6% referem-se às linhas que usam o IPCA, a poupança ou um valor fixo para determinar os juros).
Pela regra do Banco Central, quando a taxa Selic está abaixo ou igual a 8,5%, a TR fica "hibernando" e zerada. Acima de 8,5%, patamar em que se encontra desde dezembro passado, a TR volta a ter um valor calculado mensalmente. Como os juros básicos ficaram abaixo desse patamar entre 2017 e 2021, muitos brasileiros acabaram não levando em conta a TR ao entrar em um financiamento, mas terão que enfrentar a cobrança da taxa a partir de agora.
"Como a Selic ficou baixa durante um longo tempo, o mutuário achou que pagava só os juros, mas, na medida em que a TR não é mais zero, a prestação vai subir e só voltará a ficar estável quando a Selic cair abaixo desse patamar", explica Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper.
O ponteiro da TR saiu do zero no mês passado, a partir do momento em que o Comitê de Política Monetária (Copom) determinou um aumento da Selic de 7,75% para 9,25% ao ano.
Em dezembro, a taxa ficou em 0,04%. Nos primeiros 18 dias de janeiro, o valor da TR ficou em torno de 0,13%, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Veja abaixo o histórico mensal da Taxa Referencial:
O que a volta da TR significa para quem tem um imóvel financiado?
Na prática, se tomarmos a TR de janeiro como base para calcular quanto teríamos de taxa, em termos anualizados, o resultado será de mais de 1%. Esse é o valor que deve ser somado ao Custo Efetivo Total (CET) de um financiamento imobiliário.
Por exemplo: se o mutuário contratou um financiamento com taxa de juros de 8% ao ano, ele deverá somar a esses 8% o valor da TR estimada neste exercício, de 1%, para chegar ao seu custo final. Essa soma extra deve durar enquanto a Selic permanecer acima de 8,5%.
De acordo com as projeções de economistas compiladas no relatório Focus, do Banco Central, a taxa básica de juros só deve ficar abaixo desse patamar no fim de 2023. Isso indica que o custo extra da TR deve pesar no bolso dos brasileiros por quase dois anos.
"Considerando uma TR mensal de 0,1%, quem paga uma prestação de 1.000 reais já pode imaginar que vai passar a pagar 1.001,10 reais no primeiro mês, e assim por diante", pontua Rocha, do Insper.
Ele esclarece que a TR muda mensalmente e que é cobrada na forma de juros compostos. Ou seja: o impacto é cumulativo e incide tanto sobre a parcela quanto sobre o saldo devedor.
Impacto da TR na parcela
Em uma simulação do impacto da TR a 1% ao ano nas prestações de um financiamento de 500.000 reais no sistema SAC, fica evidente o quanto, aos poucos, a taxa vai pesando no bolso de quem contratou financiamento imobiliário. Caso a cobrança siga vigente por dois anos, ao final de 24 meses, a diferença nas prestações chegará a 100 reais.
No sistema SAC, as parcelas caem de valor pouco a pouco ao longo dos anos do financiamento, até que, na última prestação prevista em contrato, o mutuário pague apenas o principal, sem o acréscimo de juros e outras taxas. Por essa razão, qualquer acréscimo representa, de certa forma, um atraso na evolução do pagamento.
Olhando para o nível das prestações no exemplo mencionado, é como se o mutuário voltasse oito meses para trás. Ou seja: o valor da prestação com a TR no mês 24 é praticamente o mesmo valor da prestação sem a TR no mês 16.
Veja abaixo:
O exemplo acima é apenas ilustrativo. Para entender quanto, de fato, cada mutuário deverá pagar a mais em razão da volta da TR, é preciso acompanhar mensalmente o seu valor e somar esse adicional de juros ao valor da parcela e do saldo devedor.
Vale lembrar que, por causa do modelo dos juros compostos, quanto mais longe o devedor estiver do fim do contrato, maior tende a ser o impacto da volta da TR.
Impacto da TR no saldo devedor
À primeira vista, um acréscimo mensal nos juros na casa dos décimos, como acontece com a TR, pode parecer insignificante. No entanto, como o financiamento da casa própria costuma envolver milhares de reais, qualquer décimo pode representar uma diferença importante para o bolso do consumidor, especialmente na soma total.
Vamos voltar ao mesmo exemplo de um financiamento recém-contratado de 500.000 reais, com pagamento em 20 anos e com juros de 8% ao ano. Se a TR ficar próxima do atual patamar ao longo dos próximos 24 meses, ao final desse período, o mutuário terá um acréscimo de cerca de 9.000 reais ao seu saldo devedor.
Rocha, do Insper, explica que mesmo que a TR volte a ser zero em um futuro próximo, esse aumento da dívida seguirá o mutuário até o fim do contrato, e a diferença não poderá ser amortizada com desconto antecipadamente, porque não é tratada como juros.
Veja abaixo a simulação do impacto da TR no saldo devedor de um financiamento imobiliário:
Como a TR é calculada?
Criada durante o governo de Fernando Collor, em 1991, a Taxa Referencial foi formulada para ser um índice de correção sem relação com a inflação. O objetivo era desindexar o crédito e tentar evitar que a correção de preços, que àquela altura estava fora de controle, contaminasse as prestações futuras.
Embora o Brasil tenha deixado esse passado hiperinflacionário para trás, a TR continua vigente e, em razão do histórico de juros altos do país, vez ou outra volta a pesar no bolso. Além de representar um custo extra, essa taxa preocupa os mutuários, pois não é possível calcular o seu valor futuro.
"Explicando de maneira simples, a TR nada mais é do que o rendimento das LTN (como são chamados os títulos prefixados do Tesouro Direto) ponderado por um deflator estabelecido pelo Banco Central. Aqui são duas variáveis difíceis de prever, pois, primeiro, o desempenho da LTN depende dos juros futuros; e, segundo, o valor do deflator é estabelecido pelo Banco Central", pondera Rocha, do Insper.
Ele diz que a única certeza guardada para os brasileiros que possuem dívidas corrigidas pela TR é que, enquanto a Selic estiver acima de 8,5%, a prestação vai continuar subindo.