Personalização adequa produto ao consumidor mas gera riscos
Leia entrevista com Frank Piller, especialistas na personalização de produtos para as massas
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h56.
Frank Piller especializou-se na personalização de produtos vendidos para grandes públicos. Pesquisador do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, e da Technische Universitaet Muenchen, na Alemanha, Piller já escreveu uma série de livros sobre o assunto e sobre inovação e atua como consultor de mais de 50 empresas. Leia a entrevista sobre customização, jargão usado para customização em massa.
Revista EXAME Nos últimos anos, um número crescente de empresas tem se aventurado na personalização em massa de seus produtos. Por que é tão importante diferenciar a produção?
Frank Piller A idéia por trás da personalização em massa é adequar as características do produto às preferências do consumidor. Antigamente, o fabricante dividia seus clientes em grupos e produzia em massa para atendê-los. Hoje, esses grupos estão ficando cada vez menores, com características bastante específicas. Além disso, os consumidores estão mais exigentes, e querem bens que satisfaçam suas necessidades. A personalização em massa foi a maneira que as empresas encontraram para oferecer melhores produtos a esse consumidor. Com a produção em massa, não dá para ter certeza de que seu produto satisfazia plenamente seu cliente. Com a personalização, ao contrário, você produz exatamente o que ele quer.
EXAME Antes de personalizar seus produtos, as empresas normalmente recorrem a pesquisas de mercado na esperança de saber, de antemão, o que seus consumidores poderão exigir. Esse método tem funcionado?
Piller Nem sempre. Em mercados saturados, como acontece nos países desenvolvidos, há uma enxurrada de produtos novos que quase sempre não dão certo. Em alguns setores, como o de cosméticos, mais da metade dos produtos lançados fracassa, mesmo que a companhia tenha feito uma pesquisa detalhada do mercado. Prever o que o consumidor quer é muito difícil. É por isso que a personalização em massa ficou tão atraente. Produzir exatamente o que o consumidor quer reduz o risco de o fabricante ter de arcar com mercadoria encalhada.
EXAME Quais empresas se deram bem nesse novo processo produtivo?
Piller Muitas conseguiram tirar vantagens da personalização em massa, sobretudo as indústrias de roupas e calçados. Essas empresas tiram as medidas dos clientes na loja, e só utilizam a internet para compras posteriores. Nos Estados Unidos, a Adidas oferece desde 2001 um serviço de personalização de calçados. Você vai até a loja, eles passam um scanner digital no seu pé e indicam qual o modelo que melhor se adequa a ele. O próximo passo é a personalização de itens como tecido, cor, amortecimento. É como o antigo sapateiro, que produzia um sapato exclusivamente para você. Só que, agora, a Adidas já tem fôrmas pré-definidas. Basta encontrar a que se encaixa melhor.
EXAME E quanto custa esse tênis personalizado?
Piller Cerca de 150 dólares, entre 20% e 30% mais caro que o tênis comum.
EXAME Por que os consumidores têm se interessado tanto pela personalização?
Piller A personalização faz sucesso sobretudo em mercados maduros, em que eles possuem tudo o que querem. Nesse sentido, ter um produto diferenciado é um sinal de status, pois agrega valor ao produto. Para a empresa, é a chance de encontrar nichos ainda não explorados, ou que não satisfazem plenamente as necessidades do cliente. Foi o que aconteceu com a Levis nos anos 1990. Por meio de pesquisas de mercado, eles descobriram que apenas 30% das mulheres americanas estavam satisfeitas com o caimento de suas calças jeans. Então eles introduziram a personalização: as vendedoras tiravam medidas das clientes nas lojas e produziam um jeans sob medida.
EXAME Mas o sistema acabou não dando certo e a Levis encerrou as operações de personalização.
Piller A personalização em si fez sucesso, mas era uma operação muito pequena dentro da Levis. Por problemas administrativos, a empresa foi obrigada a fechar uma de suas plantas nos Estados Unidos justamente a que produzia os jeans sob medida.
[A Levis voltou a personalizar calças jeans em agosto desse ano. Em vez de vendedoras tirando medidas, foram instalados scanners digitais em algumas lojas.]
EXAME Qualquer personalização agrega valor ao produto?
Piller Nem sempre. Em alguns casos, ela só serve como chamariz, fruto de uma estratégia de marketing. É o caso do Nike Id, o sistema de produção de tênis personalizados na Nike. A produção desses calçados é uma parte muito pequena das operações da empresa, mas faz com que a marca fique conhecida. No fim, a personalização acaba servindo para vender mais tênis comuns. Por outro lado, há casos de empresas que realmente agregam valor ao produto por meio da personalização. É o caso da loja Brooks Brothers nos Estados Unidos. Você paga um prêmio por um terno personalizado. A loja cobra mais e, de quebra, tem um custo menor, pois se livrou do estoque.
EXAME A personalização também faz sucesso na Europa?
Piller Na realidade, esse processo está mais adiantado na Europa, sobretudo na indústria de calçados. Na Finlândia, é possível adquirir sapatos personalizados por 200 dólares. Em Londres, essa tendência virou febre com relação a calçados femininos. As inglesas agora costumam dizer que finalmente conseguiram conciliar conforto e design, graças à personalização. A indústria automobilística também oferece um caso interessante. Na Europa, com exceção da Inglaterra, todos os carros são personalizados, seja pela internet ou via concessionárias. Os veículos só vão para a linha de montagem depois de solicitados. Nos Estados Unidos, ao contrário, 90% dos carros são produzidos para estoque. O consumidor só tem de escolher entre os que já foram produzidos. Na Europa, não há estoque. O cliente está acostumado a esperar até 6 meses para ter o carro com o seu jeito.
EXAME O que é mais vantajoso: manter o estoque ou produzir on demand?
Piller Depende. Se você produz muitas unidades do mesmo produto (produção em massa), no fim, acaba ficando mais barato, mesmo que você tenha custos com estoque. O problema é que, nos últimos anos, a indústria automobilística têm oferecido uma número muito grande de modelos, o que dificulta a massificação da produção. Se você tem um estoque imenso, vai acabar tendo de oferecer descontos enormes para escoar a produção, reduzindo seus lucros. Na Europa, os carros são mais caros que nos Estados Unidos. Os europeus perceberam que o consumidor normalmente está disposto a pagar mais para ter um carro com a sua cara. Para se ter uma idéia, uma BMW montada pela internet, com a personalização de uma centena de itens, sai cerca de 25% mais cara que a BMW na concessionária, comum, de fábrica.
EXAME Os consumidores não se incomodam em pagar mais?
Piller Não, contanto que esse prêmio se reverta em algum tipo de benefício. Veja o caso da Dell. A empresa se orgulha em oferecer computadores baratos. Você abre o jornal, e eles oferecem os menores preços do mercado. Mas, na hora de comprar, seja via internet ou pelo call center, você quase nunca compra aquela computador anunciado. O cliente acaba pagando mais por um software mais avançado ou uma placa de rede que satisfaça melhor suas necessidades. Essa é a mágica da Dell. O consumidor não se sente enganado, pois ele sabe que, se quisesse, poderia comprar o modelo básico, mais barato. O que acontece é que, geralmente, ele quer pagar mais para ter um produto melhor.
EXAME Qual o papel que a tecnologia desempenha na personalização em massa?
Piller A tecnologia tornou possível a flexibilização da produção. Hoje, a mesma máquina pode produzir itens diferentes a um custo bem menor que há 20 anos. Outro ponto importante está no que tange à informação. A personalização depende da interação com cada cliente. Isso só foi possível com o advento de tecnologias como a itnernet. Uma empresa como a Adidas produz cerca de 100 milhões de pares de tênis por ano. No passado, seria impossível par a empresa se comunicar com tantos clientes. Hoje, isso deixou de ser uma barreira.