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Classe média: eles querem (e compram) o luxo

Integrantes das classe B e C, com poder aquisitivo em alta, multiplicam as vendas das empresas de luxo no Brasil

Nike é uma das marcas mais apreciadas pela classe média (Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 5 de junho de 2011 às 07h45.

Thiago Pereira tem 25 anos e trabalha como porteiro em um prédio comercial do Ipiranga, bairro de classe média em São Paulo. Quando sai às compras, faz questão de fugir das marcas mais populares. Armani Exchange, Sergio K e Colcci, para roupas, e Nike e Puma para tênis estão entre suas preferidas. Outra exigência pessoal é comprar só produtos originais.

O salário, na faixa de mil a dois mil reais, parece não ser impeditivo. “Camelô nunca! Compro só produtos de qualidade, que podem até ser mais caros, mas duram a vida inteira”, conta. Sua última ida ao shopping contabilizou 1,3 mil reais em vestuário e outras coisinhas mais. Tal como Thiago, há milhares de outros integrantes da classe média que se tornaram consumidores de produtos que antes eram privilégio apenas dos mais abastados.

A transformação dos hábitos de compra no país guarda relação direta com o fenômeno da ascensão social. Segundo informações da consultoria Data Popular, especializada em mercados populares, as classes mais altas representam hoje 16% da população brasileira, enquanto a classe média – que tem renda domiciliar mensal entre 1.015 e 3.384 reais – já responde por mais da metade.

Somente este segmento da sociedade, também chamada de classe C, cresceu 10% entre 2002 e 2010. Junto com a elevação do poder aquisitivo, veio o desejo de consumir mais e melhor. É importante lembrar também que, no topo da pirâmide, existem famílias com perfis muito diferenciados e a maioria de seus integrantes pertence à classe B, com renda domiciliar de 3.385 a 6.787 reais ao mês.

Muitos deles são egressos da própria classe C e ajudam a compor o novo público consumidor do luxo. “A classe média tem um potencial de compra gigantesco. E a tendência é só aumentar”, diz Renato Meirelles, diretor da Data Popular.

Prova de que o flerte entre o mundo do luxo e as classes populares existe, e veio para ficar, é o fato de que Meirelles participou como palestrante, na semana passada, da última edição do Atualuxo – o principal evento do setor que acontece anualmente em São Paulo. “Nós, que estudamos as classes mais populares, fizemos até uma parceria com a MCF (consultoria especializada no mercado de luxo), para atender marcas que precisam falar com diversos públicos”, acrescenta.


O alvo da parceria é a prestação de serviços a bancos, companhias áreas, agências de turismo e outras grandes empresas que vendem tanto aos endinheirados quanto aos que ainda precisam economizar. Afinal, em números, o poder de compra da nova classe média é treze vezes maior que o da elite.

Lucro em artigos de menor valor – Neste gigantesco mercado da nova classe C, até pouco tempo atrás conhecida pelo desejo reprimido de comprar, os produtos de luxo exercem grande poder de sedução. Estas pessoas não podem pagar por um super carro, mas nada as impede de adquirir bonés, perfumes e peças de vestuário com a marca da montadora.

Esta é uma das explicações para que o faturamento da badalada Ferrari seja composto em mais de 60 % por produtos secundários ao carro. Esta fórmula, aliás, consagrou-se no setor, dizem os especialistas. Nos produtos com preços um pouco menores, longe de serem baratos, residem as maiores margens de lucro. Os artigos caríssimos, como os da alta costura, por exemplo, possuem margens reduzidas, mas cumprem o papel fundamental de despertar o anseio consumista das pessoas.

“Adoro comprar roupas de marca. Tudo o que eu ganho é para torrar”, diz Fabio Cardamone, de 21 anos, que ganha um salário razoável em uma gráfica. “Em agosto irei à Europa pela primeira vez”, conta ele. Entre suas preferências estão Abercrombie & Fitch e Hugo Boss, além de tentações não resistidas como óculos da Prada e joias da Vivara.

Novo mercado – Para as marcas, alguém como Fabio, que consome no mercado nacional, é motivo de celebração. É que as classes B e C substituem hoje o público de alta renda que deixa para comprar quase tudo na Europa e nos Estados Unidos.

O fenômeno fica evidente no mercado de óculos. No ano passado, o setor movimentou 16 bilhões de reais, com um crescimento de 22% em relação ao ano interior, segundo a Associação Brasileira da Indústria Óptica (Abióptica). Essa elevação expressiva ocorreu a despeito do fato de óculos escuros de grife serem facilmente encontrados em free shops e lojas fora no exterior com preços mais amigáveis.

Por outro lado, aumentou o número de pessoas que traz armações do exterior e deixa para comprar lentes de grau no país. A interpretação dos profissionais do ramo para esse fenômeno é a seguinte: os ricos e super ricos continuam viajando e comprando volumes crescentes lá fora, o que se reflete na comercialização de lentes no Brasil; e que está puxando as vendas dos óculos propriamente ditos são as classes mais populares.


“Há um grande volume de consumidores, que antes se limitavam a comprar itens básicos, e que agora ampliaram os seus desejos. O mercado se aqueceu”, explica Bento Alcoforado, presidente da Abióptica.

Um fenômeno parecido acontece no segmento de relógios. O Grupo Dummont Saab, por exemplo, que antes se limitava a marcas mais populares, investiu no segmento luxo em vista da demanda pujante. Em 2007, começou a importar relógios Armani, Fossil, DKNY, Diesel e Burberry.

Desde então, o portfólio não parou de crescer, adicionando marcas como Michael Kors e Marc Jacobs. Além de expandir as vendas destes produtos para a Classe C, a companhia também decidiu incorporar elementos de relógios de grife às marcas com preço mais em conta. “A Condor é uma das marcas que pega carona. Embora um consumidor deseje um produto destas marcas premium, e muitas vezes não consiga pagar o preço, encontra nas versões nacionais algo próximo em termos de visual e qualidade”, comenta Ricardo Brown, diretor de marcas internacionais do Grupo Dummont.

Crédito farto – Um dos grandes responsáveis por esta democratização do consumo de luxo é a possibilidade de pagar em várias vezes e a facilidade de conseguir crédito na praça. “Tenho cinco cartões de crédito”, conta Beatriz de Fátima, de 26 anos, casada, mãe de uma menina, e vendedora em um shopping de São Paulo. Sua renda mensal gira em torno de 1 mil a 2 mil reais. “Acabo de comprar uma televisão nova e parcelei em seis vezes. Se pudesse, pagava a vista, mas é o jeito”.

“Para a classe C, usar artigos de marca implica aumento de status. Muitas vezes está associado a fazer sacrifícios, ou até mesmo poupar na cesta básica para se dar o prazer de ter um item de luxo”, explica Adriana Seixas, antropóloga e professora do Ibmec de Minas Gerais. Ela, aliás, conta que, enquanto estudava o tema, lhe aconteceu um caso engraçado

Adriana foi a um churrasco com piscina e notou que um dos presentes não molhava o cabelo de jeito nenhum. Motivo: ele tinha acabado de ir ao mesmo cabeleireiro da presidente Dilma e queria prolongar a sensação de ter cortado o cabelo lá ao máximo. Quem pode julgar?

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Thiago Pereira tem 25 anos e trabalha como porteiro em um prédio comercial do Ipiranga, bairro de classe média em São Paulo. Quando sai às compras, faz questão de fugir das marcas mais populares. Armani Exchange, Sergio K e Colcci, para roupas, e Nike e Puma para tênis estão entre suas preferidas. Outra exigência pessoal é comprar só produtos originais.

O salário, na faixa de mil a dois mil reais, parece não ser impeditivo. “Camelô nunca! Compro só produtos de qualidade, que podem até ser mais caros, mas duram a vida inteira”, conta. Sua última ida ao shopping contabilizou 1,3 mil reais em vestuário e outras coisinhas mais. Tal como Thiago, há milhares de outros integrantes da classe média que se tornaram consumidores de produtos que antes eram privilégio apenas dos mais abastados.

A transformação dos hábitos de compra no país guarda relação direta com o fenômeno da ascensão social. Segundo informações da consultoria Data Popular, especializada em mercados populares, as classes mais altas representam hoje 16% da população brasileira, enquanto a classe média – que tem renda domiciliar mensal entre 1.015 e 3.384 reais – já responde por mais da metade.

Somente este segmento da sociedade, também chamada de classe C, cresceu 10% entre 2002 e 2010. Junto com a elevação do poder aquisitivo, veio o desejo de consumir mais e melhor. É importante lembrar também que, no topo da pirâmide, existem famílias com perfis muito diferenciados e a maioria de seus integrantes pertence à classe B, com renda domiciliar de 3.385 a 6.787 reais ao mês.

Muitos deles são egressos da própria classe C e ajudam a compor o novo público consumidor do luxo. “A classe média tem um potencial de compra gigantesco. E a tendência é só aumentar”, diz Renato Meirelles, diretor da Data Popular.

Prova de que o flerte entre o mundo do luxo e as classes populares existe, e veio para ficar, é o fato de que Meirelles participou como palestrante, na semana passada, da última edição do Atualuxo – o principal evento do setor que acontece anualmente em São Paulo. “Nós, que estudamos as classes mais populares, fizemos até uma parceria com a MCF (consultoria especializada no mercado de luxo), para atender marcas que precisam falar com diversos públicos”, acrescenta.


O alvo da parceria é a prestação de serviços a bancos, companhias áreas, agências de turismo e outras grandes empresas que vendem tanto aos endinheirados quanto aos que ainda precisam economizar. Afinal, em números, o poder de compra da nova classe média é treze vezes maior que o da elite.

Lucro em artigos de menor valor – Neste gigantesco mercado da nova classe C, até pouco tempo atrás conhecida pelo desejo reprimido de comprar, os produtos de luxo exercem grande poder de sedução. Estas pessoas não podem pagar por um super carro, mas nada as impede de adquirir bonés, perfumes e peças de vestuário com a marca da montadora.

Esta é uma das explicações para que o faturamento da badalada Ferrari seja composto em mais de 60 % por produtos secundários ao carro. Esta fórmula, aliás, consagrou-se no setor, dizem os especialistas. Nos produtos com preços um pouco menores, longe de serem baratos, residem as maiores margens de lucro. Os artigos caríssimos, como os da alta costura, por exemplo, possuem margens reduzidas, mas cumprem o papel fundamental de despertar o anseio consumista das pessoas.

“Adoro comprar roupas de marca. Tudo o que eu ganho é para torrar”, diz Fabio Cardamone, de 21 anos, que ganha um salário razoável em uma gráfica. “Em agosto irei à Europa pela primeira vez”, conta ele. Entre suas preferências estão Abercrombie & Fitch e Hugo Boss, além de tentações não resistidas como óculos da Prada e joias da Vivara.

Novo mercado – Para as marcas, alguém como Fabio, que consome no mercado nacional, é motivo de celebração. É que as classes B e C substituem hoje o público de alta renda que deixa para comprar quase tudo na Europa e nos Estados Unidos.

O fenômeno fica evidente no mercado de óculos. No ano passado, o setor movimentou 16 bilhões de reais, com um crescimento de 22% em relação ao ano interior, segundo a Associação Brasileira da Indústria Óptica (Abióptica). Essa elevação expressiva ocorreu a despeito do fato de óculos escuros de grife serem facilmente encontrados em free shops e lojas fora no exterior com preços mais amigáveis.

Por outro lado, aumentou o número de pessoas que traz armações do exterior e deixa para comprar lentes de grau no país. A interpretação dos profissionais do ramo para esse fenômeno é a seguinte: os ricos e super ricos continuam viajando e comprando volumes crescentes lá fora, o que se reflete na comercialização de lentes no Brasil; e que está puxando as vendas dos óculos propriamente ditos são as classes mais populares.


“Há um grande volume de consumidores, que antes se limitavam a comprar itens básicos, e que agora ampliaram os seus desejos. O mercado se aqueceu”, explica Bento Alcoforado, presidente da Abióptica.

Um fenômeno parecido acontece no segmento de relógios. O Grupo Dummont Saab, por exemplo, que antes se limitava a marcas mais populares, investiu no segmento luxo em vista da demanda pujante. Em 2007, começou a importar relógios Armani, Fossil, DKNY, Diesel e Burberry.

Desde então, o portfólio não parou de crescer, adicionando marcas como Michael Kors e Marc Jacobs. Além de expandir as vendas destes produtos para a Classe C, a companhia também decidiu incorporar elementos de relógios de grife às marcas com preço mais em conta. “A Condor é uma das marcas que pega carona. Embora um consumidor deseje um produto destas marcas premium, e muitas vezes não consiga pagar o preço, encontra nas versões nacionais algo próximo em termos de visual e qualidade”, comenta Ricardo Brown, diretor de marcas internacionais do Grupo Dummont.

Crédito farto – Um dos grandes responsáveis por esta democratização do consumo de luxo é a possibilidade de pagar em várias vezes e a facilidade de conseguir crédito na praça. “Tenho cinco cartões de crédito”, conta Beatriz de Fátima, de 26 anos, casada, mãe de uma menina, e vendedora em um shopping de São Paulo. Sua renda mensal gira em torno de 1 mil a 2 mil reais. “Acabo de comprar uma televisão nova e parcelei em seis vezes. Se pudesse, pagava a vista, mas é o jeito”.

“Para a classe C, usar artigos de marca implica aumento de status. Muitas vezes está associado a fazer sacrifícios, ou até mesmo poupar na cesta básica para se dar o prazer de ter um item de luxo”, explica Adriana Seixas, antropóloga e professora do Ibmec de Minas Gerais. Ela, aliás, conta que, enquanto estudava o tema, lhe aconteceu um caso engraçado

Adriana foi a um churrasco com piscina e notou que um dos presentes não molhava o cabelo de jeito nenhum. Motivo: ele tinha acabado de ir ao mesmo cabeleireiro da presidente Dilma e queria prolongar a sensação de ter cortado o cabelo lá ao máximo. Quem pode julgar?

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