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Gustavo Franco: Reta final

A inflação cedeu, o mercado de trabalho está forte e as projeções para o PIB têm melhorado

Franco: como o Banco Central do Brasil fez bem o seu trabalho no combate à inflação, ainda que no contexto de uma eleição difícil, o conceito de “independência” da Autoridade Monetária ficou mais forte (Reprodução/Exame)

Franco: como o Banco Central do Brasil fez bem o seu trabalho no combate à inflação, ainda que no contexto de uma eleição difícil, o conceito de “independência” da Autoridade Monetária ficou mais forte (Reprodução/Exame)

Karla Mamona

Karla Mamona

Publicado em 6 de outubro de 2022 às 15h38.

*Gustavo Franco

Esperava-se muito mais tumulto, ao menos nos mercados financeiros, como resultado das dúvidas e divisões que têm sido características dessas contenciosas eleições de 2022.

Com efeito, há gritos e mentiras por toda parte, mentiras escrachadas (denominadas “fake news”) e mentiras sinceras, expressão feliz cunhada pelo poeta Afonso Romano de Santana para descrever as conclusões do inquérito do Riocentro, em 1981, que inocentou dois militares terroristas que explodiram com as bombas que carregavam.

Talvez o Brasil jamais tenha visto uma eleição tão encharcada de mentiras, mas, felizmente, as instituições aguentam e a vida segue.

Com efeito, o fato é que a inflação cedeu, o mercado de trabalho está forte e as projeções para o PIB têm melhorado.

Como o Banco Central do Brasil (BCB) fez bem o seu trabalho no combate à inflação, ainda que no contexto de uma eleição difícil, o conceito de “independência” da Autoridade Monetária ficou mais forte do que nunca.

Sim, os juros estão muito altos, conforme a Autoridade julgou necessário para interromper a escalada da inflação, e o fez com competência. Na reunião de 20-21 de setembro, o COPOM decidiu manter a taxa Selic em 13,75%, um nível já elevado, mas, conforme explica a ata da reunião, um número “compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante”. Se esse “horizonte” for o ano calendário de 2023, não há dúvida de que está havendo essa convergência, o que atesta o sucesso da estratégia de política monetária.

É claro que sempre se pode reclamar do sucesso, sendo tipicamente brasileiro o argumento segundo o qual o mesmo resultado poderia ser obtido de outro jeito mais fácil.

De toda maneira, do juro alto resulta que o prognóstico é o de um longo período à frente de redução. Um gerúndio prolongado de boas notícias, o ideal para o primeiro presidente do BCB com mandato e que se prepara para o período mais crítico de sua existência, quando terá (talvez) que conviver com um presidente diferente daquele que o nomeou (o que ocorrerá apenas se não houver reeleição).

Seguindo a boa doutrina maquiavélica, o BCB deverá demorar o máximo possível com a redução de juros, sendo provável, todavia, que a redução tenha sua primeira prestação ainda no primeiro semestre de 2023, dando início oficial ao ciclo de baixa. Os mercados se encarregarão de calcular uma nova “curva”, com isso antecipando parte dos efeitos dos juros baixos do futuro: a especulação migra para a primeira derivada, ou seja, para a velocidade da queda.

Como a tendência nos indicadores de atividade é positiva – especialmente mercado de trabalho e expectativas de PIB –, a indicação é de uma aterrissagem boa para o próximo presidente, seja quem for. Como de praxe, vai surgir o tema da “herança maldita”, que só não é suscitado no evento de reeleição (os presidentes reeleitos não são dados à autocrítica), mas o tema terá que ser desenvolvido através dos riscos fiscais.

Sempre é possível aterrorizar as pessoas com os riscos fiscais no Brasil, país onde os sonhos são cronicamente maiores que as possibilidades, imensas as tentações no terreno dos gastos e o passado tão incerto quanto o futuro.

Todavia, os impedimentos à irresponsabilidade, sobretudo no ano eleitoral, foram se acumulando e se tornando mais efetivos. Os números fiscais melhoraram, ou foram muito melhores do que se esperava.

É claro que sempre pode haver uma surpresa, ou duas. Na verdade, exatamente duas foram especialmente relevantes. A inflação do primeiro semestre ajudou as contas públicas, especialmente a receita; e, de outro lado, o país testemunhou a chamada “PEC Kamikaze”, uma violação consentida das restrições fiscais habitualmente adotadas no último ano de governo. A violação foi consentida pois a PEC passou quase que por unanimidade, e sem “filibustering”[1]: só no Brasil se discute se uma emenda constitucional é constitucional.

O fato é que seja pelo resultado primário ou pela razão dívida PIB, o ano eleitoral não foi o desastre fiscal que se previa. Se existe alguma queixa, é do bolsonarismo mais radical que se ressente de o ministro da Economia não ter sido mais irresponsável. Desempenho passado não é garantia de resultados futuros como bem sabem os gestores e os clientes, e sobretudo os reguladores da indústria financeira. De modo que não se pode afastar os riscos fiscais para 2023.

Na verdade, há uma agenda interessante de redefinição da “âncora fiscal”, em substituição ao “Teto de Gastos” tal como definido na própria Constituição. Os candidatos têm sido receptivos a esta agenda, no âmbito da qual a expressão “responsabilidade fiscal” aparece com frequência.

Não são maus desígnios para o país que emerge das eleições.

Talvez o maior risco, e o que mais preocupe o mundo financeiro, seja, na verdade, o de perturbações ao fluxo normal das eleições. O placar e o vencedor parecem menos importantes que a realização completa do jogo.

[1] Prática legislativa comum no ambiente parlamentar estadunidense, aproximadamente equivalente ao que se conhece no Brasil como “obstrução”.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de setembro relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.

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