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Gustavo Franco: Indefinição

No próximo ano, teremos novos presidentes no Banco Central do Brasil, nos Estados Unidos da América do Norte, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal

Gustavo Franco: estímulos fiscais que só fazem crescer e a política monetária trabalhando dobrado para manter a inflação na meta (Leandro Fonseca/Exame)

Gustavo Franco: estímulos fiscais que só fazem crescer e a política monetária trabalhando dobrado para manter a inflação na meta (Leandro Fonseca/Exame)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 11 de novembro de 2024 às 10h22.

*Gustavo Franco 

Há boas e más resenhas, afinal os indicadores permitem as mais diversas interpretações. Como é possível haver pleno emprego (ou 6,4% de taxa de desemprego, a menor em muitos anos, segundo o IBGE) com os juros reais nesses níveis tão elevados? Que atividades conseguem ganhar dessas taxas de juros?

A resposta para a primeira pergunta tem a ver com o nível de gasto público, ou de estímulos fiscais, que está muito alto. Há consenso sobre isso. A segunda pergunta é mais difícil. De muitas maneiras as empresas já se habituaram a juros muito altos, mas seria ingênuo deixar de reconhecer que o crescimento nessas condições é meio torto e travado.

O tema é repetitivo, o Brasil vive há anos num crowding out de livro texto: estímulos fiscais que só fazem crescer e a política monetária trabalhando dobrado para manter a inflação na meta. O Palácio hesita diante de diversas alternativas de pacote fiscal, há muita indefinição sobre isso e para piorara as coisas, no próximo ano, teremos novos presidentes no Banco Central do Brasil, nos Estados Unidos da América do Norte, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

São muitas incertezas. Compreensivelmente, na ausência de muita personalidade na política econômica, as expectativas desancoraram. O relatório FOCUS começou a exibir expectativas para o IPCA de 2024 um tanto além do intervalo superior de tolerância. A meta fixada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) é de 3% com mais 1,5% de intervalo; e as expectativas já ultrapassaram o limite de 4,50% e continuam subindo.

O PIB está forte, a inflação está pressionada e os gastos públicos, bem como os juros, estão muito altos. Como poderá o governo afrouxar essa já clássica inconsistência entre a política fiscal e a meta de inflação?

É claro que a solução passa pela política, e o mês de outubro não foi nada bom para o governo nesse terreno, em razão do péssimo resultado obtido nas eleições para prefeitos.

Prévia de 2026

O presidente Lula deliberadamente se afastou do assunto, talvez antevendo as dificuldades de seu partido. Mas preservou algumas exceções importantes para determinadas disputas locais em que se envolveu diretamente.

Bolsonaro adotou postura semelhante, também tentando ficar à margem do processo, mas com ressalvas.

Mas não foi bom para nenhum dos dois.

O desempenho do partido do governo, em particular, foi muito ruim. Mesmo em redutos lulistas, no Nordeste ou em São Paulo, não houve vitórias expressivas. O maior troféu, a prefeitura de Fortaleza, foi descrito como “o gol de honra”, o que apenas assinala com clareza a derrota por goleada. A derrota mais dolorida foi a de Guilherme Boulos em São Paulo, disputa em que Lula mergulhou muito diretamente.

Também significativa foi a derrota de Maria do Rosário em Porto Alegre, de onde se retirou a tese pela qual o PT envelheceu mal, ou que não se renovou, ou que as pautas identitárias não são propriamente suas, nem grandes bandeiras eleitorais.

Não era mesmo possível fingir que o governo federal (bem como Jair Bolsonaro) não tinha nada com o assunto e que podia ficar isento e protegido dos resultados. É claro que as eleições foram uma prévia de 2026, além de ser muito relevante para a química interna do Legislativo.

No caso muito especial do pleito de São Paulo, no qual Lula e Bolsonaro se envolveram, o desfecho interessante é que ambos perderam. Lula porque esteve ao lado de Boulos todo o tempo e Bolsonaro por conta do desempenho de Pablo Marçal e suas dúvidas em apoiar Nunes.

A impressão geral dos comentaristas é que a direita moderada venceu no Brasil inteiro, que a esquerda precisa se reinventar e que a direita não precisa de Bolsonaro. O “Centrão” saiu abraçado com a moderação e com o pragmatismo, falando no ocaso da polarização política.

Será?

A economia vota com o bolso

Entretanto, esses ventos amenos mal afetaram a economia.

O reflexo mais imediato, e já visível mesmo antes do pleito, foi no terreno parlamentar, especificamente nas pautas de votação e nas conversas sobre a sucessão das lideranças nas duas casas. Uma coisa é a popularidade de Lula, outra bem diferente é a força do PT. O que se vislumbra para frente? Já se fala que Lula pode não disputar a reeleição em 2026, e as lideranças petistas declaram publicamente que seria um desastre para o partido.

O maior debate ao longo do mês esteve no terreno fiscal. As cobranças sobre o compromisso com as metas do arcabouço levaram o governo a se debater e espernear em visível desconforto.

Assim como envelheceu na política, o petismo parece também sem sintonia com os desafios econômicos desse novo tempo, sobretudo no terreno fiscal. O desenvolvimentismo inflacionista está esgotado e acabado, mas não clareza para o PT sobre o que virá em seu lugar. O PT não sabe, e Lula também não. Será preciso arrumar as contas e o sonho de fazê-lo através de aumento de impostos foi discretamente colocado de lado. E agora?

Há um ciclo de alta nos juros que pode mesmo ir além de três prestações se nada muito concreto sair das deliberações palacianas sobre redução de gasto. O Palácio hesita, o ministro fica sem chão, e o juro sobe e o câmbio também. Essa nova lógica, que não tem nada de nova, os políticos relutam em aceitar. É um enredo que se tornou mais claro com o Plano Real, pois a névoa da inflação elevada desapareceu, melhor revelando os trade-offs da macroeconomia. Todos enxergam, todos reagem, a economia vota com o bolso, todos os dia, todo o tempo, comprando e vendendo, e assim opinando nos mercados financeiros sobre a credibilidade das autoridades.

Não é possível se esconder. Não há como enganar esse coletivo que acompanha o dia a dia da economia. Não é apenas a Faria Lima, como é bem sabido, já era tempo para Brasília ter aprendido a lição.

O Banco Central fez o seu dever de alertar para a necessidade de melhoria fiscal a fim de aprimorar o consenso sobre juros e inflação revelado pela pesquisa FOCUS.  Descontando o que cada ator nesse enredo precisa dizer a seu cercadinho, o que temos não é muito complexo, na verdade uma incompatibilidade clássica entre política monetária e fiscal. O executivo quer gastar mais do que tem, e mesmo se endividar, e o Banco Central precisa defender a moeda. Loose fiscal, tight money.

O ministro Haddad afirmou que levou alternativas de ajuste fiscal, sobretudo no lado da despesa, para o presidente da República. É notável o esforço do ministro em buscar o déficit zero inscrito no chamado arcabouço. Notável porque a tradição petista é rejeitar a ideia de déficit zero, sendo esta a posição de muitos ministros e a posição da liderança do partido do governo. É duplamente notável que o ministro insista no assunto. Triplamente porque acomoda a hesitação do Palácio.

Como não existe solução simples para o problema fiscal brasileiro, o ministro esperneia. O governo todo esperneia, procurando soluções. A via parafiscal, os bancos públicos, a reforma tributária, dos impostos indiretos ou os de renda, e mesmo alguma “revisão de gastos” (spending review).

A própria ministra Simone Tebet, que não cria nenhum embaraço ao governo, afirmou publicamente que estava na hora de alguma revisão no lado dos gastos.

Tudo considerado, parece que o crowding out brasileiro sobe a novos patamares; mais estímulo fiscal e mais juros. Os maiores juros reais em muitos anos, produto de uma indefinição que hoje está alojada no Palácio do Planalto.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de outubro, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.

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