Montagem de fotos de Donald Trump e Kamala Harris (Brendan Smialowski e Patrick T. Fallon/AFP)
Colunista
Publicado em 26 de julho de 2024 às 14h21.
Os desdobramentos recentes das eleições dos EUA adicionaram mais tempero a um mercado que já tinha muitos ingredientes no caldo. Nas últimas semanas, especialmente após o primeiro debate entre os então pré-candidatos, vimos as bolsas de valores migrarem para um movimento conhecido como Trump Trade.
Para contexto, de maneira geral, o mercado espera que um segundo governo Trump seja mais protecionista, aumentando tarifas de importação e estimulando as indústrias americanas, inclusive com potencial flexibilização de regulações e diminuição de impostos corporativos. Tudo isso tenderia a pressionar a inflação e potencialmente manter as taxas de juros altas por mais tempo nos EUA.
Por um lado, esse movimento poderia estimular o crescimento de algumas categorias, como small caps e o setor financeiro; por outro, empresas de tecnologia, cujas operações são muito ligadas a players chineses, tendem a ser afetadas negativamente.O posicionamento do candidato a favor de combustíveis fósseis também pode trazer fluxo investidor a companhias ligadas a essas atividades, em detrimento de empresas mais focadas em energias renováveis.
Como antecipação e expectativas dão o nome do jogo na bolsa, tudo isso foi precificado no mercado por um período, especialmente na sequência do atentado que feriu a orelha de Trump em 14 de julho. Mas até quando seguiremos nessa toada?
Há alguns pontos de atenção em relação a uma aposta muito forte no Trump Trade. O primeiro questionamento essencial é o quanto de fato os discursos e futuras atitudes de Trump em um segundo mandato seriam semelhantes aos do primeiro: quanto é possível efetivamente cortar em impostos? Quais medidas serão tomadas em prol do protecionismo? Muitas vezes, o ruído é muito diferente do fato.
O segundo é Kamala Harris. As apostas e pesquisas de intenção de voto mudaram radicalmente desde o último domingo (21), quando Joe Biden desistiu da reeleição e passou a apoiar a candidatura de sua vice, Kamala Harris (que ainda não está oficializada). Há agora mais incerteza sobre quem será o futuro presidente do país.
Por fim, é essencial acompanhar os movimentos macro, como a própria trajetória da inflação, a atividade econômica e a taxa de juros. Paralelamente ao Trump Trade, os mercados vêm se apoiando na forte probabilidade de cortes de juros pelo Fed já em setembro, expectativa que contribuiu para a rotação já mencionada na bolsa. A pergunta agora é o quanto desse movimento já foi precificado e o que podemos esperar para frente.
O índice de preços ao consumidor (CPI) dos Estados Unidos de junho, divulgado na semana passada, é o principal indicador econômico de 2024 até agora. Com números mais benignos que o esperado e reforçando uma tendência em direção à meta de 2% do Federal Reserve (Fed, banco central americano), a divulgação estimulou um movimento forte de rotação no mercado. Será que uma nova fase começou?
Para contextualizar, na virada do ano, o mercado previa início do ciclo de cortes de juros nos EUA já no primeiro trimestre, com queda de 1 ou 1,25 ponto percentual para as Fed Funds em 2024. Em abril, o sentimento era radicalmente diferente, com pouca clareza do espaço para a flexibilização monetária e parte do mercado antecipando até mesmo novas altas. A partir do CPI de junho, a neblina se dissipou, e as projeções agora apontam fortemente para um início de cortes em setembro e entre 2 e 3 cortes ainda este ano.
Com isso, a curva de juros fechou, indicando taxas mais baixas no futuro. O mercado reagiu derrubando as ações que estavam “carregando o rali recente nas costas” (ou seja, as grandes responsáveis pelas altas da bolsa nos últimos 18 meses: big techs) e levando um enorme fluxo para papéis até então “esquecidos”, como small caps e setores muito sensíveis a juros, especialmente o imobiliário. O Russell 2000, principal índice de Small Caps, subiu mais de 6% na semana, e, entre os ETFs setoriais, os que acompanham o mercado imobiliário foram os de melhor desempenho, com altas próximas de 4,5%.
Então, as big techs deixaram de ser as únicas cartas do jogo? Ajustes em fundos de investimentos, se afastando das teses de “taxas altas por mais tempo” rumo a mercados descontados, podem manter a bolsa nesse mesmo caminho por algumas semanas. Na renda fixa, aumenta a atratividade de fixar ganhos nas taxas atuais, com chances de capturar valorização quando os cortes de juros se efetivarem.
Mas nada disso é certo. Por ora, seguimos de olho nos dados. Além da própria flexibilização monetária, a manutenção da atividade econômica em níveis saudáveis, fora de um contexto de recessão, é importante para manter o bom desempenho das ações que ficaram para trás nos últimos 18 meses. Os resultados corporativos, que já começaram a ser divulgados, serão um bom termômetro da saúde financeira no micro.