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Toma lá, dá cá

Por que o empréstimo com desconto em folha de pagamento é a modalidade de crédito que mais cresce no mercado

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Como um banco que tem cinco agências, 280 funcionários e capital de 93 milhões de reais consegue sobreviver? O Cruzeiro do Sul, sediado em São Paulo e controlado pelo empresário Luis Felippe Índio da Costa, tem exatamente esse tamanho -- e vem sobrevivendo há 14 anos. Só para comparar: seu tamanho equivale a uma agência de um grande banco, localizada numa cidade importante do país. A saída encontrada pelo Cruzeiro do Sul para se manter num mercado dominado por gigantes foi emprestar dinheiro e terceirizar o processo de cobrança, por meio do desconto em folha de pagamento do cliente. Assim como o banco de Índio da Costa, várias outras instituições financeiras estão lançando mão desse tipo de crédito. No último ano, a modalidade cresceu 33% em média (veja tabela na pág. seguinte).

A novidade nessa história é que, para competir, os bancos estão ampliando o tradicional nicho do mercado de servidores públicos e funcionários de empresas estatais. Um dos focos, hoje, são os trabalhadores da iniciativa privada, funcionários de empresas como a Embratel, a rede de supermercados carioca Sendas e a transportadora de valores Transbank. "Os negócios ainda são relativamente pequenos, mas crescem mais no setor privado do que no público", diz Roberto Rigotto de Gouvêa, vice-presidente executivo do Banco BMG, de Belo Horizonte. Além de nomes pouco conhecidos, mas especializados no negócio, como Bonsucesso, Luso Brasileiro, Cruzeiro do Sul, Banco VR e o próprio BMG, instituições grandes como Banco do Brasil, ABN Amro Real e Sudameris disputam espaço nos contracheques dos brasileiros empregados formalmente.

O negócio vem atraindo cada vez mais instituições por uma característica cara aos banqueiros: a baixa inadimplência. Após a liberação do empréstimo, o dinheiro começa a retornar em parcelas mensais -- antes mesmo de entrar no bolso do cliente. "O risco dessas operações é muito baixo", diz Rodrigo Indiani, analista da consultoria bancária Austin Asis, de São Paulo. No ABN Amro Real, que atende 300 000 funcionários públicos -- concentrados nas Forças Armadas e no Poder Judiciário --, a taxa de atrasos é 1,1%, cerca de um terço da inadimplência registrada nas demais linhas de crédito oferecidas. No Banco VR, controlado pelo mesmo grupo da empresa de vales-refeição com sede em São Paulo, a inadimplência das linhas com desconto em folha situa-se em torno de 3%. O VR trabalha somente com funcionários de empresas privadas que não têm estabilidade no emprego.

Além da segurança do empréstimo, a facilidade operacional do desconto em folha também serve de chamariz para os bancos, principalmente os de menor porte. Os clientes não precisam ser buscados um a um. A prospecção é feita por meio de convênios realizados com empresas ou órgãos públicos. "Mesmo com uma estrutura reduzida, é possível aumentar rapidamente a carteira de clientes", diz Indiani. O Cruzeiro do Sul, por exemplo, emprestou 40% mais nos últimos 12 meses. Após fazer um convênio com o governo do estado da Bahia no mês passado, o banco mineiro Bonsucesso ganhou 200 000 clientes potenciais de uma só vez.

Na hora da concessão do crédito, os bancos também contam com a mão-de-obra de terceiros. O próprio departamento de recursos humanos das empresas encarrega-se de recolher os documentos e fazer a primeira triagem dos candidatos aptos a tomar empréstimo. Em órgãos públicos federais, quem faz esse papel são associações de classe ou entidades de previdência complementar sem fins lucrativos. Se não houver convênio com uma associação ou com o departamento de RH da empresa, os bancos atuam por meio de promotores de venda terceirizados. O Cruzeiro do Sul trabalha com 6 000 promotores para cobrir 15 estados do país. O mineiro BMG utiliza 10 000 agentes autônomos para atender clientes localizados principalmente no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em São Paulo. "Nosso trabalho é conferir os dados que nos são enviados e fazer o depósito na conta do funcionário", diz Luis Octávio Índio da Costa, filho do controlador e diretor executivo do Cruzeiro do Sul. "Por isso a estrutura é enxuta." A operação é simples também para receber o dinheiro de volta. Em vez de lidar com cheques individuais, o banco recebe numa bolada só todo o montante dos devedores de cada empresa.

Diferentemente dos bancos menores, o Banco do Brasil e o ABN Amro Real não precisam da atuação de terceiros, já que contam com a força de sua rede de agências e postos de atendimento. "O cliente vem até nós porque estamos perto dele e oferecemos um ambiente seguro para transações", diz José Roberto Salvador, superintendente da área de empréstimos consignados do ABN Amro Real. "Mas ele não precisa abrir uma conta para receber esse tipo de empréstimo." O banco holandês tem 700 convênios com órgãos públicos e 1 000 com empresas privadas. A modalidade representa de 20% a 30% do total de suas linhas de crédito pessoal.

A dispensa da abertura de conta corrente é uma das facilidades para quem oferece seu precioso contracheque para quitar um empréstimo. Basta o tomador indicar seu número de conta em qualquer banco e o dinheiro será depositado por meio de DOC. O Banco do Brasil, tido como o mais atuante no segmento, embora não divulgue dados detalhados, é uma exceção. "Só concedemos esse tipo de linha de crédito a nossos clientes", diz Edson Machado Monteiro, vice-presidente de varejo e distribuição do banco. Atualmente, o BB trabalha somente com funcionários públicos e de empresas estatais, mas não descarta a entrada no setor privado. "Iremos aonde o mercado for", diz Monteiro.

Mais que a comodidade, porém, as maiores vantagens do cliente de empréstimos com desconto em folha são o custo, menor que o convencional, e o prazo, mais dilatado. Por isso, tanto o governo quanto as centrais sindicais se mostram interessados em disseminar esse tipo de crédito no setor privado. Hoje, as taxas de juro médias variam de 3% a 3,5% ao mês, e têm caído conforme o Banco Central baixa os juros básicos da economia. A segurança dos bancos em receber seu investimento de volta permite remunerações menores. No Banco do Brasil, a taxa vai de 2,6% a 3,65% ao mês. Para comparar, sem desconto em folha, o juro sobe para 5,3%. No cheque especial, então, é de 7,75% ao mês.

O prazo para pagar também leva em conta o risco minimizado da operação. Chega a 36 meses no ABN Amro Real, no Banco do Brasil e no Luso Brasileiro, um pequeno banco dedicado ao setor, com sede em São Paulo. Os maiores prazos são, porém, reservados aos estáveis funcionários públicos. Na iniciativa privada, os bancos não contam com a mesma garantia do setor público. A rotatividade de mão-de-obra é muito maior, e não existe, por enquanto, legislação que permita descontar o empréstimo das verbas indenizatórias em caso de demissão. É por questões assim que a maioria dos grandes bancos ainda se mantém afastada desse tipo de negócio. "Devido à falta de regulamentação, as grandes instituições temem que o desconto em folha em empresas privadas seja contestado na Justiça", diz Alberto Borges Matias, diretor da consultoria bancária ABM, de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.

Quem está no jogo toma certos cuidados. O ABN Amro Real baixa para 24 meses o prazo máximo de pagamento de empregados de companhias privadas. O Banco VR, que só trabalha com esse tipo de cliente, limita em 12 meses o prazo de seus empréstimos. "Precisamos administrar a rotatividade", diz Mauro Bologna, diretor-geral do VR. "Se o funcionário perde o emprego, temos de continuar recebendo fora da folha." O banco cobra juros em torno de 4% ao mês, ainda assim uma taxa atrativa em relação ao cheque especial ou ao cartão de crédito.

Outro cuidado para diminuir o risco do banco é a limitação do comprometimento da renda do empregado. Tanto no setor público quanto no privado, o teto de desconto costuma ser de 30% do salário. O Banco VR aconselha também a contratação de um seguro-desemprego, que cobre o pagamento das parcelas restantes em caso de demissão. O seguro custa de 4% a 7% do valor do empréstimo. "Nosso negócio é uma parceria com o RH das empresas", diz Bologna. "Eles nos trazem os clientes e nós viabilizamos um benefício a seus empregados."

Empresas de todos os tamanhos começam a permitir o desconto em folha de seus funcionários. Uma delas é a Transbank, com atuação em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre. Até quatro anos atrás, a empresa concedia empréstimos diretamente a seus 2 000 empregados sem nenhum custo para eles. Mas, como os recursos eram limitados, o benefício muitas vezes provocava efeito adverso. "Tínhamos de recusar vários pedidos, e as pessoas ficavam insatisfeitas", diz Antônio José Vasconcelos, gerente de RH da Transbank, que fatura 95 milhões de reais por ano. "Precisávamos de alguém que pudesse atender 100% dos funcionários." A Transbank fez um convênio com o Banco VR, pelo qual os empregados pagam juros de 3,14% ao mês.

Motivação semelhante levou a Embratel a permitir que um banco -- o BMG -- descontasse diretamente no contracheque de seus empregados. A empresa, que faturou 7,1 bilhões de reais em 2002, percebeu que o excesso de contas a pagar estava afetando o desempenho de alguns de seus 6 800 funcionários. "O brasileiro tem dificuldade para lidar com as finanças pessoais", diz Joaquim de Sousa Correia, diretor de RH da Embratel. A empresa montou, junto com o BMG, o programa Saúde Financeira, para ajudar os empregados a cuidar melhor de seu dinheiro. Fazem parte do programa cursos, palestras e consultoria pessoal. No final, o empregado pode retirar um empréstimo. "O objetivo é sanear sua vida financeira", diz Correia. Em dois meses de funcionamento, foram concedidos 30 empréstimos, com juros de 3,5% ao mês.

DIRETO DA FONTE
Os empréstimos com desconto em folha de pagamento são a
linha de crédito pessoal que mais cresce no mercado
Banco
Carteira de crédito (R$ milhões)
Usuários
Crescimento da carteira*
Taxa de juro mensal
Prazo máximo
Atuação
ABN Amro Real
1 000
300 000
30%
De 2,9% a 4,1%
36 meses
Empresas públicas e privadas
Banco do Brasil
N/D
N/D
N/D
De 2,6% a 3,65%
36 meses
Empresas públicas
BMG
900
700 000
35%
3,5%
23 meses
Empresas públicas e privadas
Bonsucesso
71
63 000
24%
4%
24 meses
Empresas públicas e privadas
Cruzeiro do Sul
237
350 000
40%
3,5%
24 meses
Empresas públicas
Luso Brasileiro
30
30 000
66%
3,5%
36 meses
Empresas públicas
VR
40
34 000
40%
4%
12 meses
Empresas privadas
*De junho/2002 a junho/2003 N/D = Não divulgado
Fonte: bancos
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