Auxílio de R$ 600: advogados afirmam que a lei pune quem recuperar a renda durante o ano (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Karla Mamona
Publicado em 3 de junho de 2020 às 19h53.
O presidente Jair Bolsonaro sancionou na segunda quinzena de maio a lei 13.998/2020 que faz alterações no programa de pagamento do auxílio emergencial no valor de 600 reais. Entre as mudanças está o pagamento do benefício para as mães menores de 18 anos. No último sábado, 30, a Caixa iniciou o pagamento da primeira parcela para este grupo.
Outra alteração é que os beneficiários do programa que receberam durante o ano-calendário de 2020 mais do que o limite de isenção do Imposto de Renda (R$ 28.559,70) terão que devolver o valor recebido pelo programa. Pela lei, o cidadão é obrigado a acrescentar ao imposto devido o valor do referido auxílio recebido por ele ou por seus dependentes.
Procurado pela Exame, a Receita Federal disse que assunto ainda será normatizado e somente quando as regras forem publicadas comentará. O Ministério da Cidadania também não deu detalhes de como será esta devolução no próximo ano quando o beneficiário for declarar o Imposto de Renda e nem explicou os motivos da alteração no programa.
Vale lembrar que no mês passado, o Ministério da Cidadania lançou um site para quem quiser devolver o auxílio emergencial. Para devolução do benefício basta inserir o CPF e emitir uma guia de recolhimento com código de barras que pode ser paga nos canais de atendimento do Banco do Brasil, como a internet, terminais de autoatendimento, além dos guichês de caixa das agências.
Especialistas ouvidos por Exame explicaram que a possível devolução do valor pelos beneficiários tira o caráter assistencial do programa e transforma o auxílio emergencial em um financiamento ou um empréstimo.
“Esta devolução é muito estranha. O programa foi anunciado para pessoas desassistidas. Quando as pessoas recuperam a renda e são obrigadas a devolver parece mais uma punição”, explica a advogada Ariane Byun, do escritório CSMV Advogados.
Já o advogado Paulo Vieira da Rocha, Sócio do escritório VRBF Advogados, explica que a lei é inconstitucional e existem argumentos jurídicos que podem ser usados para que o valor não seja devolvido. Um deles é que o dinheiro recebido é similar a verba alimentar não pode ser tributada. "Esta verba dos R$ 600 tem natureza alimentar. Parece muito com valor de vale alimentação. A pessoa usou o dinheiro para comer. Como pedir de volta?”, acrescenta.
Somado a isso, o advogado destaca que o dinheiro é uma transferência de renda similar ao programa Bolsa Família, ou seja, uma renda muito baixa que não pode ser tributada. “Me parece injusto que quem mais precisou seja penalizado.”
Irregularidades
O programa do auxílio emergencial tem sido fraudado. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que 8,1 milhões de brasileiros receberam indevidamente os 600 reais. Entre estes, 73.242 militares das Forças Armadas.
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O advogado Paulo Vieira da Rocha afirma que se a lei que obriga a devolução for uma forma de compensar as fraudes acaba penalizando novamente o cidadão não fraudador. “São situações diferentes. Quem recuperou renda não é igual quem fraudou. Não pode colocar como se a mesma situação.”