Minhas Finanças

Os limites da nova lei

Os efeitos positivos da mudança legal, como mais crédito e maiores chances de recuperação das empresas, vão demorar para aparecer

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

A nova lei de falências entrará em vigor no dia 9 de junho, após 12 anos de tumultuada tramitação no Legislativo. Foi anunciada por seus defensores como uma panacéia para a falta de soluções para empresas em dificuldades. Também teria o poder de baixar os juros e fazer a economia crescer. O fato é que, embora seja um avanço inegável em relação ao sexagenário texto anterior, a nova lei é insuficiente para criar, no curto prazo, maneiras de salvar da bancarrota negócios à beira do abismo. "Só daqui a cinco ou seis anos é que conseguiremos sentir um efeito positivo concreto sobre a economia", diz a advogada Flávia Andrade, sócia do escritório Tozzini, Freire. O impacto sobre os juros também será discreto. Manoel Horácio Francisco da Silva, presidente do Banco Fator, diz que a nova lei deve reduzir o spread bancário em apenas 3 pontos percentuais, dos atuais 21% para 18%. "Os bancos ainda terão de avaliar como a lei será aplicada pelo Judiciário."

Para entender os limites da nova lei é preciso recordar as imperfeições da antiga. O texto que será substituído em junho vigora desde 1945 e possui um mal de origem: procura defender o devedor dos excessos dos credores, colocando o problema da empresa nas mãos imparciais -- e lentas -- da Justiça. Eis a questão. Mesmo se fosse ágil e sem burocracia (não é) e imune a devedores mal-intencionados e bem assessorados por advogados (também não é), a Justiça não é eficaz para recuperar uma empresa. Por isso, uma companhia que opte por pedir concordata terá grandes probabilidades de fechar as portas. A concordata obriga unilateralmente os credores a conceder mais prazo para o devedor saldar suas obrigações. Essa condição é um péssimo negócio para os credores, que costumam reagir cortando o crédito e diminuindo o fornecimento. "A empresa concordatária recebe dinheiro e matéria-prima a conta-gotas, e vai definhando até quebrar", diz o advogado Jairo Saddi. "A concordata é só uma ante-sala da falência."

A nova lei transforma a concordata em recuperação judicial e troca a decisão unilateral por um plano negociado entre o devedor e os credores e apenas aprovado pela Justiça. O princípio é manter a empresa respirando enquanto os ajustes necessários são realizados. É possível, por exemplo, vender ativos sem ter de submeter cada decisão a um juiz. Um exemplo: no dia 24 de maio, foi realizado o leilão de computadores, móveis e televisores de plasma do Banco Santos. O banco ainda não faliu -- sua falência deverá sair no início de junho --, mas alguns de seus ativos já foram vendidos. O total arrecadado, pouco mais de 1 milhão de reais, é irrisório diante do rombo de mais de 2 bilhões de reais. Porém, a venda rápida beneficiou os credores. "O valor teria sido muito menor se o leilão ocorresse daqui a um ano", diz Saddi. Os televisores de plasma estariam desatualizados e não valeriam tanto. O princípio é o da lei americana. No caso da Enron, por exemplo, os ativos já estão sendo vendidos para pagar os credores.

Chega-se aqui ao maior problema da nova lei. Ela permite que a maioria dos credores decida o que é melhor. Porém, faltou colocar nesse acordo o mais inflexível deles: o Fisco. A forte pressão da Receita Federal durante a tramitação da lei fez com que o texto obrigasse a empresa a provar que está em dia com suas obrigações tributárias para poder iniciar um processo de recuperação. Advogados temem que essa exigência torne a recuperação inviável. Quando uma empresa está em dificuldades para obter dinheiro, o mais comum é sonegar impostos para pagar bancos e fornecedores e manter as portas abertas. "Exigir regularidade fiscal de uma empresa que vai entrar em recuperação é como obrigar uma pessoa a apresentar atestado de saúde para ser atendida pelo médico", diz um advogado especializado no assunto. "O problema é que alguns juízes que não entendem de economia podem levar esse artigo ao pé da letra e negar os pedidos de recuperação de empresas plenamente viáveis." A expectativa da maioria dos advogados é que os magistrados sejam tolerantes com as dívidas fiscais. "No entanto, enquanto não houver um consenso a esse respeito, a lei perde força", diz Saddi.

O Fisco não é o único entrave à aplicação da nova lei. Outro problema é o prazo de apenas 60 dias para a apresentação do plano de recuperação. Depois desse período, os credores podem pedir a execução judicial das dívidas, anulando as vantagens do plano. O próprio texto legal tem seus problemas. A lei é extensa, mais de 20 800 palavras tratam detalhadamente de cada aspecto de recuperações e falências. Tantos pormenores levaram a algumas incongruências. Um exemplo é a venda de um ativo de uma empresa com problemas. Uma indústria como a catarinense Chapecó, por exemplo, que faliu no dia 30 de abril e trouxe grandes perdas a seu controlador, o grupo argentino Macri -- poderia vender suas quatro unidades ar rendadas que estão funcionando para fazer caixa e pagar parte das dívidas. O comprador não teria de se preocupar com as obrigações trabalhistas e fiscais dessas empresas, que continuariam a cargo do antigo controlador. "Isso está bem explicado no caso da falência, mas não está claro no caso da concordata", diz Flávia, do Tozzini. A imprecisão no texto legal permite que o juiz obrigue o comprador de uma fábrica a arcar com as dívidas, o que reduzirá bastante o número de candidatos. "Enquanto não houver um histórico de decisões favoráveis ao comprador, será mais difícil encontrar interessados", diz. Os advogados da Chapecó pediram a reversão da falência no dia 27 de maio, e a situação ainda está indefinida.

Além de conferir mais segurança ao processo -- cada credor sabe o quanto mais quer arriscar --, a mudança impedirá a repetição de casos como o da rede de lojas Arapuã, que pediu concordata em julho de 1998. Quase todos os credores concordaram em perdoar parte da dívida e alongar os prazos. Um deles, a Evadin, não aceitou e bloqueou o processo. Como resultado, a Arapuã até hoje definha, esperando uma solução para seu caso. "Se a nova lei já estivesse em vigor, o acordo teria saído no ano seguinte", diz o advogado Ricardo Tepedino, que representa a Arapuã.

As imperfeições no texto
As mudanças legais visavam a aumentar a segurança dos credores,
mas esses efeitos devem demorar a aparecer
Na recuperação judicial (antiga concordata)
ObjetivoInstrumentoProblema na leiConseqüência
Tirar a empresa da criseTransformar a concordata em recuperação judicialA empresa tem de estar em dia com o FiscoComo empresas com problemas não pagam impostos, a exigência vai impedir
muitas recuperações
Facilitar acordos com os credoresNegociar um plano de recuperaçãoOs prazos são curtos: a empresa tem 60 dias para apresentar o planoDepois desse prazo, os credores podem executar a empresa na Justiça, anulando
os efeitos do plano
Captar recursos para a empresaPermitir a venda de ativos, como fábricasNão está claro que o comprador não herda dívidas fiscais e trabalhistasSerá mais difícil encontrar compradores para ativos de empresas em dificuldades
Na falência
ObjetivoInstrumentoProblema na leiConseqüência
Preservar o valor da empresaVenda rápida dos ativos da companhia falidaDeixa as decisões de venda nas mãos do juiz responsável pela falênciaA falta de treinamento econômico dos juízes pode levar a decisões incorretas
Fonte: advogados

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