Barsi: "A Bolsa é um monopólio extremamente confortável e os reguladores viraram as costas" (Germano Lüders/Exame)
Juliana Elias
Publicado em 10 de fevereiro de 2020 às 05h06.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2020 às 07h17.
São Paulo - O economista Luiz Barsi Filho assumiu no final do ano passado a presidência do Conselho de Economia Regional de São Paulo (Corecon-SP). Apesar das décadas de experiência em corretoras do mercado financeiro, Barsi, hoje com 80 anos, ficou mais conhecido por ter se tornado um dos maiores investidores individuais da Bolsa de Valores do país - posto que rendeu a alcunha de "rei da Bolsa".
Com patrimônio estimado em 2 bilhões de reais, tudo em ações, Barsi ostenta títulos como o de maior sócio minoritário do Banco do Brasil e, provavelmente, um dos mais longevos – começou a comprar papéis do banco em 1970 e nunca mais vendeu. Passou também pelo conselho de administração de algumas empresas de que tem um punhado de ações, como a Eternit e a Carbocloro.
Estimular o investimento em ações entre os brasileiros é, há décadas, uma de suas principais bandeiras. Agora, parece engajado em mais uma cruzada: expor e combater o que considera ser um monopólio da B3, o grupo que detém a última bolsa de valores que restou no país - "nos anos de 1950, eram mais de 15". Isso se soma, diz Barsi, a uma estrutura engessada e enviesada que demoniza a renda variável, desestimula o pensamento de longo prazo e afasta o investidor.
“O Brasil não tem a mentalidade do investimento como geração de riqueza e há três grandes responsáveis por isso: a CVM [Comissão de Valores Mobiliários], os banqueiros e a Bolsa”, disse, em entrevista a EXAME. A Bolsa, em suas palavras, por ser um monopólio interessado no alto giro de operações; os bancos por retumbarem o discurso de pânico à renda variável, e a CVM e outros reguladores, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por não moderarem o suficiente o poder desse monopólio.
Barsi conversou com o site de EXAME em seu escritório no Corecon-SP, no centro de São Paulo. Veja os principais trechos da conversa:
O senhor fez a sua fortuna aplicando em ações e é um grande defensor de investir nelas. Por que?
O segmento acionário é uma maneira de investir na geração de riqueza para o país. Investir em uma boa empresa é dar dinheiro na mão de um bom gestor. Eu posso montar um Banco do Brasil? Não posso. Mas posso comprar ações dele e, com isso, ajudar a montá-lo, como um pequeno investidor. É a postura de um pequeno dono, de um parceiro, um pensamento de médio e longo prazo, e é a cultura que falta ao brasileiro. O governo priorizou a mentalidade do agiota, dos juros – me empresta que eu te pago.
O que falta para que o brasileiro invista mais em ações?
Nos últimos anos, muita gente foi para a Bolsa, mas só porque os juros caíram, e não porque o mercado passou a ser uma opção por si. Não são pessoas que entraram na Bolsa para ser parceiras de empresas. Elas entraram para comprar e vender, comprar e vender. “Comprar na baixa e vender na alta”. É isso o que é dito para elas. É também o que interessa para a Bolsa. Ela ganha no giro – compra e vende, compra e vende. É uma estrutura de especuladores, de traders, mas não de investidores. O sentimento de longo prazo de um operador desses é 15 minutos. Compram e já querem vender. Não temos a mentalidade do investimento como gerador de riqueza, e há três grandes responsáveis por isso: a CVM, os banqueiros e a Bolsa.
Por que eles são responsáveis? Qual é a ‘culpa’ de cada um deles?
A Bolsa é um monopólio extremamente confortável e com privilégios odiosos. Agora, por exemplo, ela quer cobrar uma taxa sobre os dividendos que você recebe [no início de 2020, `a B3 reduziu algumas tarifas de administração, mas criou uma cobrança de 0,12% sobre os proventos para investidores com mais de 20 mil reais]. É uma CPMF do dividendo, um tributo, e ela não tem autoridade para criar tributos. Nos anos 50, o Brasil tinha mais de 15 bolsas de valores. Tinha a do Rio, de Belo Horizonte, Santos, Rio Grande do Sul... Isso acabou em um monopólio, a Bovespa, a Bolsa de Valores de São Paulo, ainda antes do surgimento da B3. Ela veio em um crescente de canibalização do mercado, dizimou as sociedades corretoras, foi alterando e criando taxas e mais taxas, taxa de custódia, de emolumentos, de 'clearing'...
E qual é a culpa da CVM?
Ela virou as costas para o mercado. Tanto a CVM quanto o Cade, que são os reguladores. É o papel da CVM voltar os olhos para a proteção do investidor, e, na minha opinião, não é o que acontece. O investidor minoritário tem pouca voz em vários processos, como o de fechamento de capital, que ficou muito mais fácil para a empresa dos anos 1990 para cá. O Cade, por sua vez, está lá para proibir monopólios, e ele os privilegiou, em vez de coibir. Criou a B3, a Fibria, a BRF. O Cade, que é o fiscal da concorrência, deixou o mercado ser reduzido a uma Bolsa só.
E qual é a culpa dos bancos?
Eles têm privilégios. Banco não paga imposto na compra e venda de ações por meio de fundos, como o investidor individual paga. E a CVM deixa. A pessoa física que vende uma ação e tem lucros irá pagar 15% de imposto. O banqueiro que compra e vende ação pelo seu fundo de investimento, não. Não só é um privilégio como vai contra à mentalidade de médio e longo prazo para os investimentos. São também os bancos que amplificam o medo sobre as ações. Vá ao banco e diga ao gerente que você tem 200 mil reais e quer aplicar tudo em ações a médio e longo prazo. Ele vai dizer: “não faça isso de jeito nenhum, a empresa pode falir, você vai perder tudo!” O cidadão é atemorizado pelo banqueiro e seus tentáculos por essa ideia de que vai ficar pobre de repente se investir em ação. E não é verdade.