Meu ex comprou uma casa. Minha filha tem direito sobre o bem?
Advogado Rodrigo Barcellos responde dúvida de leitora sobre herança. Envie você também suas perguntas
Anderson Figo
Publicado em 23 de maio de 2017 às 12h00.
Última atualização em 23 de maio de 2017 às 12h00.
Pergunta da leitora: O pai da minha filha faleceu em 2015 e nós estávamos separados desde 2008. Ele vivia emunião estávelcom uma mulher por três anos e, em 2014, eles compraram uma casa em nome dele. Minha filha tem direito a uma fatia doimóvel?
Resposta de Rodrigo Barcellos*:
Partindo da premissa de que o pai de sua filha mantinha união estável sem reconhecimento formal ou, se formalizado, tenha adotado o regime legal e supletivo da comunhão parcial de bens, todo o patrimônio amealhado a título oneroso na constância da união se comunica, pertencendo ao casal em mancomunhão, isto é, estado de indivisibilidade de bens em que o casal é titular de 100%, independentemente de quem constar nos registros.
Assim, a companheira terá direito à 50% dessa casa a título de meação. A outra metade constitui a herança , objeto da sucessão propriamente dita, no qual participam tanto a companheira, quanto os filhos do falecido.
Imaginando-se que o pai de sua filha tenha deixado apenas um descendente, aplica-se a regra prevista no artigo 1.790, inciso II, do Código Civil, que assim dispõe:
“A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas seguintes condições: II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um deles”.
Isso significa que, em relação à herança (metade do bem imóvel), a companheira terá direito à 1/3 (“metade do que couber ao filho”) e sua filha terá direito a 2/3.
Ao final, em relação à 100% do bem imóvel, sua filha terá participação de 33,333% e a companheira do pai dela terá direito à 66,666% (50% + 16,666%).
Importante mencionar, por fim, que o artigo 1.790 do Código Civil está sob análise pelo Supremo Tribunal Federal. Em recente julgamento analisando pela Suprema Corte, nos autos do Recurso Extraordinário nº 878.694-MG, sete ministros votaram pela inconstitucionalidade da norma, por entenderem que a Constituição Federal garante a equiparação entre os regimes da união estável e do casamento no tocante ao regime sucessório.
O Relator do caso, Ministro Luis Roberto Barroso, sugeriu a aplicação de tese segundo a qual deve ser aplicado o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil, que regula o casamento. O aludido Ministro Relator consignou, ainda, que a decisão terá eficácia em todos os inventários em curso, desde que não finalizados por sentença judicial transitada em julgado.
Em outras palavras, caso o julgamento se confirme antes da conclusão do inventário do pai de sua filha, poderá ser aplicada a regra do art. 1.829 do Código Civil, garantindo à companheira, no que se refere aos bens adquiridos onerosamente na constância da união (o bem imóvel, no seu caso), tão somente o direito à meação. Ou seja, sua filha participará da sucessão como única herdeira, recolhendo 100% da herança ou 50% do bem imóvel e a companheira terá direito apenas a 50% do bem imóvel, à título de meação.
*Rodrigo Barcellos é graduado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e mestre em direito comercial, pela Universidade de São Paulo (USP). É autor do livro “O Contrato de Shopping Center e os Contratos Atípicos Interempresariais”, publicado pela editora Atlas. Sócio do escritório Barcellos Tucunduva Advogados, atua nas áreas de Família, Sucessão, Contratos e Contencioso.
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