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Ex-diretor da Aracruz fala pela primeira vez das perdas com derivativos

Prestes a ser processado pelos acionistas, Isac Zagury diz que comitê financeiro da empresa sabia de todas as operações e que chegou a ser hospitalizado com crise hipertensiva

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

O ex-diretor financeiro da Aracruz Isac Zagury disse que “sofreu mais do que qualquer acionista” pela perda financeira de 2 bilhões de dólares que a empresa teve com operações de derivativos cambiais. O executivo decidiu quebrar o silêncio que se impôs desde a saída da empresa, no fim de setembro, ao saber que seria alvo de uma ação de responsabilidade por parte dos acionistas na empresa, como aprovado em assembléia realizada na última segunda-feira.

“Sinto falta de esclarecer que as operações eram operações que visavam proteger o fluxo de caixa da empresa da alta do real, apenas. Não havia objetivo de ganhar financeiramente com o hedge. Isso foi uma conseqüência natural. Se não recorrêssemos a esta operação, estaríamos colocando em risco o caixa de uma empresa líder mundial em produção de celulose e que exporta 98% do que produz”, diz. “Sofri pelo fato de a empresa da qual gosto muito ter tido uma perda tão grande. Passei noites em claro e fiquei internado no hospital com crise hipertensiva. Nenhum acionista sofreu mais do que eu”.

Zagury nega que tenha se exposto excessivamente com operações de derivativos. “A operação era do tamanho da exposição da empresa”, diz. O resultado financeiro obtido pela Aracruz com as operações de derivativo cambial chegou a 350 milhões de dólares desde 2003, quando o real começou a se valorizar frente ao dólar. Segundo Zagury, as operações eram claras e de conhecimento de todos.

“Tudo o que se passava na área financeira era informado mensalmente ao comitê financeiro, que tinha a incumbência de manter o conselho de administração a par”, diz. Não se viu nada anormal porque não era uma situação anormal. O conselho aprovava a política financeira da empresa. Não houve exposição excessiva a riscos”.

As apostas da Aracruz tinham como parâmetro o câmbio médio de R$ 1,80. Para o executivo, era praticamente impossível prever que o mercado fosse se deteriorar tão rapidamente. Para corroborar sua percepção, Zagury cita o Boletim Focus, emitido semanalmente pelo Banco Central, que traz as projeções do mercado para indicadores macroeconômicos, como a cotação do dólar. “Bastava olhar que nossas previsões iam na mesma linha que o mercado. A desvalorização brusca do câmbio foi uma fatalidade”.

Questionado sobre o fato de a crise do subprime ter começado há mais de um ano - e se isso não seria evidência suficiente de que algo pior estava para acontecer - Zagury argumentou que “ninguém no mercado imaginava que a crise tomaria proporções mundiais”.

“Até então, era uma crise dos Estados Unidos. O Brasil vinha de um cenário muito diferente. Tínhamos estabilidade monetária, reservas internacionais fortes, em valores líquidos deixamos de ser devedores em relação ao mundo para nos tornarmos credores. As contas externas estavam arrumadas. Havia um consenso no mercado de que não existia chance de o real desvalorizar 40% num espaço tão curto de tempo, e nós também acreditávamos nisso”.

O sinal amarelo acendeu para Zagury quando começaram a secar as linhas de crédito para exportadores, alguns dias antes da quebra do banco americano Lehman Brothers.

“Essas linhas, até então muito fartas, secaram de uma hora para outra. Ali comecei a ver que a situação piorou muito rapidamente, e não havia mais tempo para fazer qualquer coisa que reduzisse as perdas da Aracruz. Foi muito rápido, e foram dias muito sofridos para mim”.

À medida que a situação foi se deteriorando, Zagury conta ter entrado em contato com a diretoria da área internacional do Banco Central, além de Fábio Barbosa, presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). Foi a mesma movimentação feita por outras empresas. O objetivo era alertar o Banco Central para a necessidade de intervir mais incisivamente no mercado de câmbio, com a realização de leilões, para evitar que o problema se tornasse grande demais. O mercado estima que 300 empresas tenham recorrido aos derivativos cambiais. Para Zagury, foram três semanas de angústia. Até que, no dia 26 de setembro, as perdas da Aracruz se tornaram públicas. Nessa data, o então diiretor financeiro da Aracruz chegou para trabalhar normalmente. Ao longo do dia, porém, a piora da situação culminou com sua saída.

“A diretoria executiva era muito próxima. Fomos conversando ao longo do dia sobre a situação e, com todo o mal-estar gerado pela perda, concluímos que seria melhor eu me desligar da empresa”.

As operações de hedge na Aracruz eram contratadas em 12 bancos. Segundo Zagury, nenhum dos contratos previa alguma contrapartida em termos de redução de taxas de juros para empréstimo por parte dos bancos. Os bancos costumavam informar que os ganhos deles estavam garantidos por operações casadas, diz Zagury. Isto é, como a Aracruz queria se proteger contra a continuidade na queda do dólar, o banco tomava o risco contrário, ou seja, da queda do real. E, para equilibrar essas perdas, o banco fazia outras operações de câmbio em outros mercados, no sentido oposto, em que se protegiam contra a queda no dólar.

“Outras empresas não exportadoras contrataram derivativos atrelados a outros produtos, sim. Mas esse não era o nosso caso. Para a Aracruz, era uma operação de proteção, apenas, cabível a uma empresa exportadora, e não havia nada ilegal nisso”.

Zagury avalia como “previsível” a decisão de os acionistas entrarem na Justiça contra as perdas.

“Eles estão no direito deles. Agora vou me preparar para me defender, desde que eu saiba exatamente do que eles estão me acusando”. Os advogados dos acionistas estão tentando manter a ação sob segredo de Justiça.

E acredita que, diferentemente do que previram alguns analistas, a empresa terá condições de contornar o prejuízo sem chegar a uma situação dramática de ter de recorrer à recuperação judicial.

“Não podemos esquecer que, com o dólar alto, a empresa melhora seu caixa. Ela é competitiva o suficiente para superar essa situação. Além disso, será capaz de negociar com os bancos”.

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