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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.
Em 1992, o democrata Bill Clinton foi eleito presidente dos Estados Unidos com uma vitória emblemática. Depois de 12 anos de governo republicano, Clinton representava uma mudança expressiva no rumo político do país com a volta dos democratas ao poder. Sua eleição foi possível principalmente em função do foco da sua campanha, pautada pela questão econômica. Naquele ano, o temor de uma recessão era enorme entre os americanos, e surgiu então a figura carismática e crítica do democrata Bill Clinton, que percebeu logo que o melhor caminho para chegar à Casa Branca era atacar o desempenho medíocre do seu adversário, George Bush pai, candidato à reeleição, na economia. Bush pai, que começara sua campanha com uma taxa de aprovação de mais de 80%, foi surpreendido por uma população ansiosa por resultados econômicos melhores e com um Clinton que entrou na disputa oferecendo todo um discurso de propostas mais efetivas para a área. Com o mote que ficou famoso, "É a economia, estúpido!", cunhado por um de seus assessores de campanha, Clinton conseguiu virar o jogo e vencer.
Quase duas décadas depois, e após um período de eleições pautadas por outras questões que cresceram em importância, como segurança e imigração, especialmente com o ataque terrorista em setembro de 2001, as atuais eleições americanas assemelham-se com as que deram a vitória a Bill Clinton. A economia volta a ser hoje a principal preocupação dos americanos, relegando a segundo plano questões polêmicas como Guerra no Iraque, imigração e terrorismo. Em entrevista ao Portal EXAME, o economista Thomas Trebat, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Columbia, fala sobre a proposta econômica dos atuais candidatos à eleição nos Estados Unidos, o democrata Barack Obama e o republicano John McCain.
- Qual o principal tema da campanha presidencial americana hoje?
A economia é o principal assunto da campanha presidencial, e muito embora ao acompanhar as convenções dos dois partidos você chegue à conclusão de que pouco ou nada importava a parte econômica, a crise econômica americana está conosco para valer. A taxa de desemprego subiu, a crise financeira é cada vez mais assustadora, e estamos há dias de uma decisão histórica do governo dos Estados Unidos de intervir nas duas maiores agências hipotecárias do país, Fannie Mae e Freddie Mac. Tudo isso não bastasse, há sinais preocupantes na Europa e a China, que embora ainda não mostre sinais de preocupação, começa a ver as suas exportações crescerem com menor ritmo. Então, é a crise da economia, e não o aborto, a experiência dos dois candidatos, que vai pegar duro aqui nos Estados Unidos.
- Qual a sua avaliação sobre as propostas econômicas do republicano John McCain?
A plataforma econômica de McCain nada mais é do que dois pilares. Um é prorrogar a baixa das alíquotas de imposto de renda das classes mais abastadas, alíquotas que estão para expirar em 2010. Isso é um pilar. O outro é uma promessa, embora não muito concreta, de vigiar os gastos do governo, o que nada mais é do que uma velha retórica republicana, pouco ou nada colocada em prática pela administração Bush. Fora isso, custa você entender o que mais que o republicanos têm em mente, porque isso tudo que prega o McCain ajudou a levar o nosso país ao estado que estamos. Como ele vai poder se eleger com uma política econômica tão vaga e ao mesmo tempo tão oca, tão carente em qualquer análise mais profunda?
- O que se tem falado nos Estados Unidos sobre a campanha econômica dele?
Nas últimas semanas, fala-se muito do carisma da sua vice, fala-se dele como líder experiente, como um herói de guerra, uma pessoa disposta a enfrentar o seu próprio partido, mas do lado econômico pouco ou nada se fala. A conclusão que eu tiro é que seu governo na economia vai mais ou menos continuar os mesmos moldes que estamos vendo agora, um modelo de ações esporádicas, intervenções de emergência, mas sem sinais claros de uma nova estratégia.
- Qual seriam os efeitos da proposta de McCain no déficit do país?
O déficit aumentaria mais ainda. Sem dúvida, o socorro às duas agências hipotecárias expandirá mais ainda o déficit americano e eu acho que, com a promessa de McCain de não voltar a subir as alíquotas, o déficit tende a crescer. E com a economia em clara desaceleração, o déficit tende a aumentar por si só, porque a receita diminui e os gastos em áreas como seguro-desemprego aumentam.
- E as propostas econômicas do candidato Barack Obama? São economicamente consistentes?
Pelo lado democrata, no curto prazo você tem uma contradição, porque o déficit vai aumentar. Uma boa parte do discurso de Obama é um pacote de estímulo fiscal estimado em 300 bilhões de dólares, um número gigantesco. Trata-se de um pacote mais destinado ao bolso do consumidor, um pacote de extensão de benefícios como seguro desemprego, isso sem nem falar nas ajudas emergenciais a produtores de automóveis, linhas aéreas e mercado financeiro. Pelo lado democrata, no curto prazo agrava o déficit. Mas, no médio prazo, acho que o mercado deveria se basear no resultado da administração Clinton nessa área, porque vale bem lembrar que o Clinton foi o único dos 4 últimos presidentes a gerar superávit nas contas fiscais. E vemos pessoas de bom julgamento econômico como Robert Rubin prestando assessoria a Obama. Ou seja, de um governo democrata, após esse período de estímulo eu esperaria uma reforma tributária que visasse equilibrar o déficit.
- O que mais Obama promete, além disso, que vale destacar?
Obama promete reduzir garros no Iraque, uma guerra que ele considera desnecessária e que está custando 10 bilhões de dólares por mês. Acho que Obama tem mais em mente eliminar os gastos bélicos.
- E qual a importância dessas propostas dos candidatos para o resto do mundo?
Depende. Eu acho que é uma questão complicada, pois o que conta para o mundo não são apenas as políticas americanas, mas também a capacidade de liderança americana. E é nisso que mais tem pecado a administração Bush. Chegamos a uma posição na qual a credibilidade do governo americano, em um mundo no qual o dólar ainda é a âncora do sistema global, em que a maior parte das reservas internacionais estão em dólares, que perder confiança no futuro econômico dos Estados Unidos agora seria um desastre para o resto do mundo. Os problemas do mundo que estamos enfrentando, a inflação global, a alta da energia, a rodada de Doha, a assistência aos mais pobres, a colaboração entre Europa e Estados Unidos, e a absorção de China, Rússia e Brasil na economia global, tudo isso precisa de uma liderança sólida dos Estados Unidos.
- E qual dos dois candidatos atende melhor aos requisitos para essa ótica de liderança?
Nenhum dos dois. É claro que Obama é mais carismático, tem uma margem bem melhor, mas a verdade é que ele é inexperiente. E McCain, pelo contrário, apesar da idade avançada, não tem experiência nenhuma em matéria de economia global, liderança global e o pior, ele promete seguir nos moldes do Bush.
- E para o Brasil?
Para o Brasil nenhum dos dois é ideal, mas entre eles o que representa a possibilidade de uma mudança favorável é o Obama.
- Mas e o protecionismo?
No que se refere ao Brasil, muito do protecionismo que existe é o da área agrícola. Temos o caso do algodão e do etanol. E isso não é algo novo que vai aparecer com Obama, mas todos estão preocupados porque ele diz que quer rever o Nafta, o acordo comercial da América do Norte, sobretudo para fins eleitorais. E aí culpo muito o Obama porque ele exagerou muito no quanto os problemas de alguns Estados americanos, de desemprego e perda de vagas na indústria, tem a ver realmente com os problemas do Nafta. No que importa ao Brasil, Obama não vai ser nem mais nem muito menos que Bush. A proteção para o etanol americano vai continuar e os assuntos bilaterais vão ser determinados pelo mercado. Ele não merece o rótulo de protecionista ao meu modo de ver, mas eu preferiria um discurso dele mais aberto, muito mais globalizante.
- E o McCain?
Ele ofereceria uma continuidade não muito excitante das políticas de Bush. Mas eu faria mais uma observação: nenhum dos dois, infelizmente, nunca colocou fé na America Latina; O McCain, embora tenha nascido no Panamá e viajado recentemente para a Colômbia, ele entende pouco a América Latina.
- O Brasil tem um peso importante para os dois candidatos?
O Brasil especificamente está tendo grande sucesso economicamente. O PIB está crescendo a ritmos fortes, os investimentos vêm aumentando, há no país um setor privado vibrante, e você vê no Brasil um país muito mais pragmático na área externa. E pensando nisso, tanto Obama quanto McCain precisarão do Brasil como aliado. Mas cabe ressaltar que o Brasil nunca será um amigo muito próximo, e sim um simples aliado que compartilha muito dos valores econômicos e políticos dos Estados Unidos, e isso tem que ser reconhecido por um futuro presidente. O Brasil tem certo poder de barganha se souber usá-lo bem e estiver disposto a levantar sua voz no hemisfério, não deixando que o Rei da Espanha seja o único enfrentando falsos profetas na região.