Marcelo Mello, vice-presidente de Vida, Previdência e Investimentos da SulAmérica (SulAmérica/Divulgação)
Marília Almeida
Publicado em 15 de janeiro de 2020 às 05h00.
Última atualização em 15 de janeiro de 2020 às 18h36.
São Paulo - Fundos que investem em projetos sociais e ambientais não são novos. Existem no Brasil gestoras já consolidadas que são especializadas nos chamados fundos de impacto social, como a Vox Capital e a Wright Capital. Mas há um movimento, mais tímido, que começa a surgir entre gestoras tradicionais: a doação de parte ou toda a taxa de administração de fundos de investimento para ONGs, entidades filantrópicas e aceleradoras. O diferencial? Oferecer menos risco e atrair pequenos aplicadores para essas iniciativas.
Apesar de ainda existirem poucas opções, já é possível montar uma carteira diversificada com as existentes. A iniciativa mais recente, da Sulamérica, trouxe o conceito socioambiental para um fundo de ação, opção também disponível na Equitas. A RBR resolveu doar a taxa de gestão obtida em um fundo imobiliário, algo inédito no mercado. A AZ Quest foi pioneira e lançou em 2016 um fundo de renda fixa com essa característica.
É uma tendência global, que acontece por pressão dos próprios investidores, sem excluir a boa vontade das gestoras que saem na frente da tendência. Nesta terça-feira (14), Larry Fink, CEO da maior gestora do mundo, a BlackRock, anunciou que a instituição financeira irá passar a evitar o investimento em empresas "com um alto risco relacionado à sustentabilidade". Como principal motivação, citou que a "conscientização dos investidores está mudando rapidamente".
De olho em atender uma demanda já presente entre investidores institucionais, e que começa a ganhar tração entre pessoas físicas, a SulAmérica decidiu doar a taxa de administração cobrada por um fundo de ações, o Total Impacto. A gestora acredita que a classe de ativos esteja em linha com o cenário de juros baixos no país.
O fundo da SulAmérica não foi criado agora: o Total Impacto já existia com o objetivo de aplicar parte das reservas financeiras da seguradora. "Agora, será aberto a investidores em geral, que podem aplicar a partir de 100 reais no fundo", diz Marcelo Mello, vice-presidente de Vida, Previdência e Investimentos da gestora.
O fundo tem taxa de administração de 1,2% e não cobra taxa de performance. Com base no patrimônio atual, irá doar cerca de 180 mil reais por ano para a ONG Vaga Lume, um projeto de incentivo à leitura na Amazônia que tem como objetivo manter e abrir bibliotecas na região, além de promover eventos ligados à literatura.
A RBR começou a doar 1% da taxa de gestão de seu fundo imobiliário RBR Properties (RBRP11). Serão, por enquanto, 70 mil reais por ano destinados ao Instituto Sol. A instituição beneficente dá suporte financeiro, emocional e vocacional para que bons alunos do ensino público passem a estudar no ensino privado durante o colegial e cursarem uma boa faculdade. O apoio do programa somente cessa ao término da faculdade, quando o estudante conquista o seu primeiro emprego.
O RBRP11 investe em imóveis para gerar renda, especialmente salas comerciais e galpões localizados em São Paulo. "O diferencial é que o fundo, por ser listado em bolsa, tem prazo indeterminado. Ou seja, há uma perenidade da doação", diz Ricardo Almendra, CEO da RBR. O fundo foi listado em 2015, e teve de mudar o seu regulamento para incluir a doação. "Queremos replicar a mesma iniciativa em outros fundos, e colaborar com outras causas", completa o executivo. Cada cota do fundo é vendida atualmente por cerca de 100 reais.
Já o fundo de renda fixa da AZ Quest, o Impacto, foi criado em 2016, busca bater o CDI e vem conseguindo atingir esse objetivo. Em 2019 o fundo rendeu 6,43%. A aplicação investe em cotas de outros fundos da gestora, com alta liquidez e baixo risco de crédito privado.
Grande parte da taxa de administração cobrada, de 0,8% ao ano, é doada para a Artemísia, maior aceleradora de projetos sociais do país, conta Walter Maciel, CEO da gestora. "Só retiramos da taxa o pagamento de comissão aos distribuidores do fundo". A aplicação mínima para ter acesso ao fundo é 1 mil reais.
O fundo da AZ Quest investe especificamente em um projeto que busca apoiar empreendedores da periferia da cidade de São Paulo. São 80 mil reais doados por ano, com base no patrimônio atual do fundo. "É muito pouco. O fundo tem hoje 27 milhões de reais sob gestão. Com um patrimônio de 270 milhões de reais, poderíamos atingir a marca de 1 milhão de reais doados por ano", calcula Maciel.
O Equitas Selection investe em cotas de outros fundos da gestora especializada em ações. Criado em 2010, rendeu 59,9% em 2019. Em junho do ano passado, a gestora criou uma versão espelho do fundo na qual as taxas de administração e performance são 100% revertidas para o projeto Mão Amiga.
O colégio filantrópico que atende 600 alunos é uma organização de sociedade civil (OSC) que tem como missão quebrar o ciclo da pobreza por meio da educação. Com a doação, o colégio pretende expandir atividades.
O fundo da Equitas tem taxa de 1,6% ao ano e cobra taxa de performance de 20% sobre o que exceder o Ibovespa. A aplicação mínima no fundo é de 5 mil reais. No ano passado, desde a sua criação, o fundo rendeu 38,73%, 20 pontos porcentuais acima do Ibovespa. Atualmente, o Selection Mão Amiga já tem mais de 40 milhões de reais de patrimônio.
Para além da doação da taxa, as gestoras dizem buscar investir em empresas que tenham preocupação socioambiental. Mas, em nenhuma delas, esse processo é um pré-requisito em todos os fundos.
Só a Sulamérica tornou a sustentabilidade e governança corporativa um requisito para a entrada das empresas no portfólio do Total Impacto. "Há estudos que apontam que empresas que têm preocupação com questões socioambientais performam melhor no longo prazo. Por que não oferecer ao investidor essa temática?", diz Mello, da SulAmérica.
A gestora tem no portfólio do fundo empresas que participam de quatro índices nacionais ligados à sustentabilidade empresarial, governança corporativa e emissões de CO2, além do índice de sustentabilidade da Dow Jones. São empresas como Itaú, Localiza e Weg.
O segundo filtro feito pela gestora do fundo está relacionado à qualidade dos ativos. "Nossa gestão é ativa. Não replicamos os índices: buscamos escolher as empresas com preocupações sociais que dão maiores retornos, e as distribuímos de forma igualitária na carteira". O portfólio do fundo é revisado a cada três meses.