Educação financeira: Não queira comprar para as crianças tudo o que você não teve (Nastia11/Thinkstock)
Júlia Lewgoy
Publicado em 9 de agosto de 2017 às 05h00.
Última atualização em 9 de agosto de 2017 às 14h43.
São Paulo - Educar uma criança a consumir com consciência é tão importante quanto ensiná-la a escovar os dentes ou a dizer “por favor” e “obrigado”. Não se trata apenas de dinheiro: a educação financeira ensina futuros adultos a fazer escolhas com mais segurança e a lidar com as próprias frustrações.
EXAME.com ouviu educadores financeiros especialistas em crianças para ajudar pais nessa missão. Identificar possíveis erros é o primeiro passo para, quem sabe, mudar a rota enquanto há tempo.
Confira a seguir quatro erros comuns que podem contribuir para que seu filho se torne um adulto exageradamente consumista e mais insatisfeito com a vida:
A tentativa de comprar para os filhos tudo o que você não teve na infância é um equívoco frequente, segundo a psicanalista e educadora financeira Cássia D´Aquino, autora dos livros Dinheiro compra tudo? e Como falar de dinheiro com seu filho.
“Os pais confundem o que é a sua vida com a vida dos filhos e se obrigam a atender exigências que eles mesmos se colocam. Mas nem tudo o que tiveram ou deixaram de ter é o que a criança precisa”, explica.
Mas, afinal, do que uma criança precisa, quando se fala de consumo? De quase nada, segundo a educadora. “As crianças deixam isso muito claro quando, no dia seguinte ao aniversário, brincam com a fita do presente”, diz.
Não existe uma fórmula simples para tornar seu filho um adulto seguro e feliz. No entanto, ensinar uma criança a lidar com as frustrações certamente a tornará um adulto mais pronto para enfrentar a vida.
“Uma criança que entende os limites da realidade, inclusive do dinheiro, será um adulto mais capaz de lidar com as próprias inseguranças e de compreender que ninguém tem tudo”, diz Cássia.
Para isso, ensine seu filho a esperar. “Quando você compra um chocolate para a criança, mas determina que ela só vai comer em tal momento, você está dizendo para ela que ela aguenta esperar para consumir algo e, mais do que isso, que ela suporta a dor”, diz a educadora.
E quando o filho diz que você é a mãe ou o pai mais chato do mundo porque deixou de comprar algo? Seja firme, por mais difícil que pareça. “Se você compra algo pela birra, você está passando um recado amargo à criança de que os sentimentos são intermediados pelo consumo”, afirma Cássia.
Crianças que ganham presente por birra ou por culpa dos pais pela sua ausência se tornarão adultos impulsivos nas compras, na visão do educador financeiro Álvaro Modernell, sócio da Mais Ativos e autor dos livros Zequinha e a porquinha Poupança e Quero ser rico. “A educação financeira está naturalmente inserida em um contexto maior de educação”, diz.
Para o planejador financeiro Caco Santos, da Associação Brasileira de Planejadores Financeiros (Planejar), não basta colocar limites. É preciso explicar o porquê. “Falar sem explicar não é educar, é causar uma frustração sem a criança entender o motivo”, diz.
Vale lembrar que rigidez demais também não faz bem. Se você achar conveniente e tiver condições financeiras para isso, dar um presente de vez em quando é uma forma de criar laços com seu filho e de, afinal de contas, permitir que ele seja criança.
Há alguns anos, levar as crianças ao supermercado era visto pelos educadores financeiros como um estímulo ao consumo. Hoje, a orientação dos especialistas é justamente o oposto.
É importante que as crianças participem da rotina de decisões de consumo da família. É claro que você não precisa levar seus filhos toda vez que for ao supermercado, mas vale aproveitar o mercado e a feira de vez em quando para ensinar a fazer escolhas.
“A partir dos seis ou sete anos, leve seus filhos para experimentar frutas na feira e ajudar a comparar e negociar preços de forma lúdica”, ensina Santos.
Para falar de dinheiro, é preciso respeitar a maturidade e a capacidade de compreensão de cada criança. “Não queira que seu filho entenda o que são juros com seis anos de idade. Fale de dinheiro a partir das demandas que ele traz, em situações próximas da realidade dele”, destaca Modernell.
O mais indicado é dar a semanada entre 6 e 11 anos e, só depois disso, a mesada, quando a criança já tem mais noção sobre o tempo. Mas é preciso lembrar que tanto a semanada quanto a mesada são instrumentos pedagógicos que os pais escolhem ou não usar para ensinar sobre consumo.
Por isso, entregar o dinheiro na mão da criança sem ensiná-la a usá-lo não faz sentido. Explique a intenção da semanada, ensine a anotar os gastos e oriente que uma parte do dinheiro pode ser guardada para comprar algo mais caro no futuro. Não censure os gastos da criança, afinal, esta é a hora de consumir errado para aprender.
Saque cédulas de valores baixos e não esqueça de dar o dinheiro toda semana. Vale dar uma carteira ou fazer um cofrinho de garrafa de plástico para que a criança visualize quanto dinheiro juntou, como sugere Santos.
E o mais importante: não use a mesada como um instrumento de chantagem, quando a criança tirar uma nota baixa na escola ou for mal educada com alguém. “Ao fazer isso, você deixa a criança sem chão e diz a ela que, acima do afeto, o que importa é o dinheiro”, orienta Cássia.