Luiz Fernando Alves, sócio da Versa: um dos gestores mais novos do mercado, ele diz que aprendeu com crises passadas (Leandro Fonseca/Exame)
Marília Almeida
Publicado em 20 de novembro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 20 de novembro de 2020 às 08h43.
O Brasil deve registrar uma das menores quedas do PIB neste ano entre países emergentes: retração de 4%, graças ao auxílio emergencial, que estimulou a economia. Portanto, na visão de Luiz Fernando Alves Jr., gestor da Versa, a bolsa brasileira deveria estar tão bem quanto as bolsas no exterior. "A nossa bolsa está se comportando de forma semelhante às de países que devem registrar uma queda expressiva do PIB. A bolsa neste ano deveria ser o melhor ativo, comparada a juros e câmbio", afirmou à EXAME Invest.
Como consequência dessa leitura, o principal fundo da casa, o Versa Long Biased (com estratégia que permite lucrar tanto com a alta como com a queda das cotações), gerido por ele, está bastante comprado em ações. A estratégia está trazendo resultado para um dos fundos com maior volatilidade -- ou seja, arriscados -- da categoria. O fundo multimercado registra retorno de 77% neste ano, sendo um dos mais rentáveis do mercado. Nos últimos dez semestres, a rentabilidade ficou sete vezes entre as melhores de fundos abertos à captação.
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Outro fundo da casa, o Versa Fit Long Biased, que segue a mesma carteira, mas com metade do risco, rendeu 44% no mesmo período. O produto reúne 5.700 cotistas, que têm 12 mil reais de patrimônio médio investido no fundo.
Alves Jr., 37 anos, é um dos gestores mais jovens e destacados da nova geração do mercado. Foi gestor de renda variável dos fundos multimercados da Itaú Asset antes de sair para lançar o Versa Long Biased, em 2013. O fundo acumula valorização de 1.568% desde o início, enquanto o Ibovespa subiu 93%.
Veja abaixo a entrevista concedida para a EXAME Invest:
Como o mercado está precificando a segunda onda da covid-19?
Como fica o risco fiscal do país em uma segunda onda é a nossa maior preocupação. Hoje não acreditamos que uma segunda onda vai causar uma redução de mobilidade igual à primeira: vai acontecer, mas não no mesmo nível. Já estamos vendo isso na Europa. Esse é o melhor caminho para a gestão de uma crise. Já temos tratamento mais avançado e testagem disseminada. É possível controlar a contaminação sem causar tanto dano à economia.
O que dá mais medo na segunda onda é a possibilidade de o governo resolver distribuir um novo chequinho e agravar a distorção da dívida fiscal. Temos muitas dúvidas ainda em relação ao risco fiscal, sobre a convergência da dívida pública no longo prazo. A cada chequinho a dívida do país sobe 15 pontos percentuais. Ou seja, temos mais medo do governo do que do vírus.
Esse cenário exige uma mudança de posição da carteira?
Ainda não estamos mudando a nossa posição. Nos mantemos mais otimistas não porque acreditamos que o Brasil vai dar certo, mas por que olhamos assimetrias estão no crédito e no câmbio. O dólar bateu em 5,80 reais e o mercado acha que vai ter de reverter. Se olharmos para a curva de juros, ela tem alta de 0,5 ponto percentual a partir da próxima reunião durante oito reuniões. Ou seja, os ativos estão precificando que as coisas não estão dando certo.
O Brasil é um aluno nota C, parafraseando um estrategista do Morgan Stanley. O país não repete de ano, mas sempre está flertando com o desastre. Se vai pelo caminho ruim, o mercado joga o aluno de canto. Aí ele faz o mínimo para passar na prova. Nesse cenário há um prêmio maior em ficar otimista do que se ficarmos pessimistas.
A curva de juros deixa claro que não vai existir um descontrole da inflação. Em um horizonte de dois a três anos, há um aumento rápido da curva de juros. Da mesma forma não há justificativa para termos uma moeda tão depreciada. Já temos superávit em conta corrente e reservas. Se o real deprecia, a dívida diminui. Isso porque o Brasil está exportando muito e importando pouco. Então é difícil acreditar que o dólar vai subir 30% agora. Para que isso aconteça tem de surgir uma nova pandemia ao mesmo tempo em que o governo precisa chutar o pau da barraca.
Estamos, portanto, comprado em bolsa, vendido em dólar e comprado em real. Temos o kit Brasil.
Quais são as perspectivas para juros, câmbio e a bolsa?
Acreditamos que já tem muita alta embutida nos juros futuros. A perspectiva para os juros é de alta, mas apostamos que a taxa futura vai subir menos do que a curva precifica.
Temos um modelo para verificar qual seria o câmbio justo. Considerando o risco-Brasil e pesando o histórico, vemos o dólar abaixo de 5 reais. Já está acima. Tem bastante coisa ruim embutida no câmbio.
A bolsa, no longo prazo, não se prejudica com a inflação. A empresa repassa as altas dos preços para os consumidores e, se tiver a mesma margem financeira, consegue lucro até maior. Portanto, uma inflação mais alta faz com que as ações passem a valer mais.
O Brasil vai ter uma das menores queda do PIB neste ano entre os países emergentes, fruto principalmente do "chequinho" que estimulou a economia em excesso, na nossa opinião. Teremos uma queda de 4%. Quando começou a pandemia, estimaram uma queda de 10%.
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Considerando que inflação pode ressurgir e o PIB brasileiro cair pouco, a bolsa brasileira deveria estar bem como as bolsas lá fora, mas nossa bolsa está se comportando de forma semelhante às de países nas quais é prevista uma queda expressiva do PIB. A bolsa neste ano deveria ser melhor ativo entre juros e câmbio.
Por isso estamos otimistas com a bolsa e bastante comprados em ações. Continuamos setorialmente com praticamente as mesmas teses. Não trocamos muito a nossa posição. Nosso tiro é de longo prazo.
Em quais setores estão posicionados em ações?
Um setor em que investimos na pandemia foi o financeiro. A estimativa do mercado é que haja uma recuperação bem lenta da lucratividade dos bancos, mas, em um cenário de crise mais forte, achamos que o desempenho do segmento vai surpreender.
O Santander reforçou sua rentabilidade e a igualou ao que tinha no cenário pré-pandemia. Itaú e Bradesco avançaram, apesar de ainda estarem bem abaixo do nível anterior, mas achamos que essa recuperação já acontecerá no ano que vem, enquanto o mercado prevê que isso ocorra em 2023. Achamos que as ações estão bastante descontadas em relação ao histórico e que pagam bons dividendos. Alguns valores ficaram retidos temporariamente, mas serão pagos depois. Investimos no Itaú, no Banco do Brasil e especialmente no Bradesco, por questão de preço e valor.
Outro setor no qual investimos no mercado interno é o de construtoras. Começamos em 2016, quando teve início o movimento de queda dos juros. Agora o segmento está melhor do que poderíamos imaginar: as empresas estão vendendo até pelo WhatsApp, um claro efeito dos juros baixos e do forte crescimento do financiamento imobiliário no balanço dos bancos. Na modalidade SAC, 80% da primeira prestação do imóvel é composta por juros. Ou seja, quando o juro cai, a parcela da casa também cai fortemente. Quem podia comprar um imóvel com 200 metros quadrados pode agora comprar um com 300 metros quadrados pagando a mesma parcela. Temos no fundo uma posição grande espalhada entre empresas como Trisul, Even e Direcional.
Também temos uma porção expressiva do fundo alocada no segmento de varejo. Nossa aposta é na recuperação das vendas. Já existem vários indícios de que as vendas em outubro atingiram o mesmo nível do ano passado. A recuperação do setor vem acontecendo a partir da reabertura das lojas. Se não houver uma segunda onda, o setor deve em breve voltar a vender o que vendia. Portanto, não vemos razões para que os preços dos papéis continuem tão abaixo do período pré-pandemia: as ações sofreram uma das maiores distensões de preço do mercado, principalmente o vestuário de rua. As ações de Marisa, Guararapes e Hering estão deprimidas. Temos um investimento grande na Via Varejo.
Já commodities é um setor no qual estamos vendidos, apesar de achar que ações como a da Vale estão baratas. Acreditamos que podemos ganhar mais em outros setores e precisamos escolher. Voltaríamos a commodities se o câmbio normalizar.
Na pandemia, o fundo aumentou o investimento na BR Properties, mesmo com o impacto do home office sobre os escritórios.
Aumentamos porque a empresa reportou resultados e não aconteceu nada. Não houve aumento de vacância ou renegociação de aluguéis: as negociações estão indo bem. Acreditamos que as pessoas ficaram temporariamente em casa e aos poucos vão voltar. Os benefícios corporativos já são muito falados, e quem fez home office na pandemia já fazia antes. Segmentos como call center já levaram todo mundo de volta para o escritório.
Outras empresas com as quais trocamos informações têm a visão de que não será possível manter um home office eterno. A BR Properties só tem prédios bons e os aluga para empresas grandes. Essas empresas não tomam decisão de sopetão e não têm um aperto de liquidez a ponto de precisarem economizar no aluguel. Apenas uma empresa de turismo devolveu um pedaço do que tinha alugado em um prédio em Alphaville, o que foi um golpe muito pequeno na receita. A empresa está até conseguindo repassar a alta do IGP-M nos aluguéis, que está alta.
A ação da BR Properties era negociada sempre com 10% de desconto do valor de seus ativos, no máximo 16%. Hoje negocia com até 50% de desconto em relação a ativos. Portanto, continua sendo um dos maiores investimentos do fundo. E sempre quando dá comprar mais. Já compramos um caminhão do papel ao longo da pandemia.
O fundo long biased da Versa é conhecido por seu alto risco. Mas está oferecendo bons retornos desde que a pandemia começou, enquanto outros fundos tão arriscados quanto desabaram. O que diferencia o Versa?
A principal diferença entre nós e muitos outros fundos é que já nos ferramos muito no passado. Tivemos uma curva de aprendizado antes que permitiu formatarmos bem o fundo atualmente. Muita gente está tendo esse aprendizado agora.
Sabemos que a alavancagem pode ser um grande problema. Ela é boa quando tudo vai bem, mas quando vai mal te quebra. Portanto, precisam existir regras que garantem que, a partir de determinado momento, a queda do fundo será marginalmente menor. E quando se ganha dinheiro, a alavancagem do fundo diminui, e vice versa. Se não tem regra em um momento de perda, perdemos mais. Então é isso o que nos diferencia: uma série de regras para garantir que quando perdemos a alavancagem diminua, e não aumente.
Não ficamos pessimistas: ficamos com medo mesmo. Não apostamos na queda, mas sim neutralizamos o fundo por meio de uma alavancagem direcional com opções. É uma posição desconfortável: quando mercado o continuou subindo, causa desconforto aos cotistas. Mas é uma decisão da gestão do risco. Agora tiramos a proteção: chacoalhou mas depois se firmou, porque tínhamos a convicção de que os preços dos papéis estavam em geral baratos. Passamos umas quatro vezes por isso até a bolsa engrenar, o fundo recuperar a queda e passar a subir.
A estratégia do fundo, na essência, é long & short. A carteira bruta de ações compradas é financiada pela carteira bruta de ações vendidas a descoberto, composta pelo ETF BOVA11. O fundo é 140% comprado, e 70% vendido. Seu principal risco é o risco relativo da carteira, que gera descorrelação da bolsa. A parte comprada da carteira precisa ir melhor do que a porção vendida. Resumindo, apostamos que os bancos, as construtoras e o varejo vão avançar mais do que a bolsa, representada pelo BOVA11.