Petrobras (PETR4): proposta de revisão de estatuto social trouxe abalos negativos à estatal no último Ibovespa (Paulo Whitaker/Reuters)
Repórter de Invest
Publicado em 24 de outubro de 2023 às 12h35.
Última atualização em 24 de outubro de 2023 às 12h57.
O pregão desta terça-feira é marcado pela recuperação da Petrobras (PETR4), que sobe por volta de 0,89% no Ibovespa. O percentual ainda é pequeno na comparação com as perdas de ontem, após a companhia anunciar que o seu estatuto social terá propostas submetidas à revisão da Assembleia Geral Extraordinária (AGE). Hoje, o mercado está assimilando as perspectivas futuras e sustentabilidade dos investimentos na estatal.
Com a possibilidade de serem alterados fatores considerados estratégicos para a governança corporativa da Petrobras, as ações da petroleira encerraram o pregão de ontem com queda superior a 6%, levando a companhia a perder mais de R$ 30 bilhões de valor de mercado. Entre os objetivos da revisão do estatuto, a petrolífera listou os seguintes pontos:
Na visão de Julia Mota, advogada especialista em direito empresarial com experiência no setor de petróleo e gás do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, um ponto de atenção na proposta de revisão é a Lei das Estatais (13.303), que veda a indicação de ministros e secretários de Estado a ocuparem cargos de diretoria ou fazerem parte do conselho de administração.
No entanto, ela ainda lembra que, em março, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, suspendeu parte da lei, alegando inconstitucionalidade desse dispositivo. Na liminar, o magistrado permitiu que políticos assumam cargos em estatais sem a quarentena de três anos.
De lá para cá não houve uma conclusão, já que outro ministro, André Mendonça, pediu vistas dessa regra e ela ainda não foi julgada. "Como há esse vácuo jurídico, a Petrobras está considerando alterar o estatuto dela própria, para que possa fazer a nomeação de pessoas políticas na empresa", afirma.
A possibilidade da participação política na Petrobras não é vista com bons olhos pelo mercado. Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama, diz que parte do sentimento negativo sobre essa possibilidade se deve ao histórico da estatal.
“No passado, os problemas da companhia eram de top management. Os acordos de delação envolveram executivos de alto escalão. E em função disso que foram aprovadas estas cláusulas no estatuto, que são bastante rigorosas no que diz respeito à eleição e a participação de executivos e funcionários da companhia na tomada de decisão. Uma flexibilização disso é vista como um passo na direção errada.”
Outro ponto que Soares frisa sobre a revisão do estatuto social da Petrobras diz respeito à governança corporativa e o destino dos investimentos da estatal. “No final do ano passado, escrevemos um relatório falando sobre os possíveis meios pelos quais existe a possibilidade de a Petrobras se deteriorar economicamente - e um deles era exatamente a questão do investimento. Tivemos investimentos ao longo dos últimos dez a 15 anos que foram feitos de forma pouco cuidadosa, com pouca lógica do ponto de vista estratégico e pouca disciplina no orçamento, com a Refinaria Abreu e Lima sendo o grande destaque.”
Vale lembrar que a Refinaria Abreu e Lima teve um valor inicial de construção previsto em US$ 2,3 bilhões no ano de 2006. No final das obras e com três anos de atraso de entrega, o valor saltou para US$ 18,5 bilhões. Segundo Soares, o receio do mercado é que situações como essa voltem a acontecer no futuro.
Ainda assim, a advogada Julia Mota traz à tona um fator que pesa a favor da Petrobras: a companhia é uma estatal. “De acordo com a Lei 13.303, a empresa pública de sociedade de economia mista tem a função social de realizar o interesse coletivo, conforme diz o artigo 27. Ela tem uma série de funções que uma empresa privada não tem. Por ser uma empresa pública, não pode estar sujeita a regras similares a de uma empresa privada.”
Entre essas funções, a jurista lista as seguintes:
“A administração de uma empresa estatal feita por pessoas que tenham ‘perfil político’ não é um problema tão grave, na medida em que ela observar o interesse da coletividade. E é preciso que pessoas à frente da direção tenham uma visão não somente do lucro e da produtividade, mas, sim, do desenvolvimento social”, afirma Julia.
Apesar do foco nas indicações de políticos para cargos na Petrobras, não foi apenas isso que pesou negativamente para o mercado. Como reforça Alex Carvalho, analista CNPI da CM Capital, a revisão do estatuto propõe a criação de uma reserva para os pagamentos de dividendos, juros sobre capital próprio, antecipações e outros proventos - e gerou desconfianças.
“Essa proposta traz incertezas quanto à previsibilidade dos pagamentos dos dividendos, incluindo os possíveis proventos extraordinários. Vale ressaltar, ainda, que a companhia vem sendo destaque nos últimos anos, sendo uma das melhores pagadoras de dividendos da B3. A nova política propõe 45% de distribuição sobre o seu fluxo livre de caixa (FLC), enquanto a política atual é 60%”, explica.
Apesar disso, o especialista pontua que a Petrobras vem mostrando bons números em seus resultados trimestrais. “Em 2023, a companhia atingiu a máxima do preço por ação jamais vista. Os projetos de expansão vem sendo destaques, por isso, quando olhamos para um horizonte de longo prazo, ainda vemos potencial para valorização da empresa.”
No último fechamento do Ibovespa, as ações ordinárias e preferenciais da Petrobras encerram o dia com quedas de 6,03% e 6,61%, respectivamente. O valor de mercado da companhia, que atingiu sua máxima na quarta-feira passada, 18, de R$ 525,1 bilhões, já acumula perdas de R$ 41,6 bilhões desde então. Somente na última segunda-feira, 23, a estatal perdeu R$ 32,3 bilhões em valor de mercado e fechou o dia valendo R$ 483,4 bilhões.
A advogada especializada em direito empresarial avalia que, caso seja aprovada, a revisão do estatuto da Petrobras não trará os prejuízos percebidos pelo mercado. Segundo ela, alguns pontos da Lei 13.303 são conflitantes para a atuação de uma petrolífera, já que ela impõe regras às empresas públicas de maneira geral, sem considerar seus respectivos setores de atuação.
“Alguns pontos atrapalham para que a estatal possa competir com outras empresas de petróleo. Então, o ideal mesmo seria que houvesse um estudo com a análise da necessidade de alteração, para que a Petrobras não se sujeite mais à Lei das Estatais e passe a ter um regime diferenciado”, afirma.
Contudo, do ponto de vista da governança, o chefe de análise de ações da Órama reforça que as mudanças propostas são vistas como um ‘passo na direção errada’. “Na nossa concepção, fez todo sentido a companhia ter reagido para baixo no pregão de ontem. Mas ainda vamos ver qual será a réplica por parte da diretoria para essa reação.” A submissão da proposta ocorrerá na próxima Assembleia Geral Extraordinária (AGE), que será convocada oportunamente.