Em mínima histórica, real pode ter alivio com avanço da agenda do governo
Economista acredita que aprovação das reformas pode atrair investimento estrangeiro, apesar de juros baixos
Reuters
Publicado em 17 de fevereiro de 2020 às 09h29.
Última atualização em 17 de fevereiro de 2020 às 09h31.
São Paulo — Mesmo com a recuperação recente, o real ainda amarga o pior começo de ano em uma década depois de ter atingido sucessivas mínimas recordes, mas um alívio ao longo do ano pode vir à medida que o mercado voltar as atenções para a agenda de reformas, privatizações e concessões, por ora com poucos holofotes em meio ao recém-findo recesso do Congresso e ao exterior mais arisco.
"Se as reformas passarem, ainda que tenhamos juros baixos, isso pode atrair investimento estrangeiro, o que ajudaria a valorizar o real", disse Helena Veronese, economista-chefe na Azimut Brasil Wealth Management.
O impacto da chamada no mercado de "agenda positiva" sobre a taxa de câmbio é indireto e ocorre sobretudo pelo canal da confiança nas perspectivas de crescimento econômico, o que potencialmente aumenta a capacidade do país de atrair capital estrangeiro, aumentando a oferta de dólares.
A reforma tributária, a administrativa (que mexe com o funcionalismo público) e a PEC emergencial (a qual aciona gatilhos para evitar o descumprimento de regras fiscais) são as três principais propostas no radar do mercado para 2020. Privatizações e mais concessões também estão no cenário.
Embora analistas ponderem que, em termos de reforma, a da Previdência tenha sido mais crucial, também dizem que a sinalização de continuidade dessa agenda é importante para reavivar o apetite dos empresários, que assim ampliariam investimentos e ajudariam a acelerar a retomada econômica.
"Um motivo para se estar positivo com o Brasil era a história política, com o governo Bolsonaro sendo um dos poucos gabinetes nos mercados emergentes com credenciais reformistas", disse Dirk Willer, estrategista do Citi. "As privatizações são o elemento que mais chega perto de ser um ponto focal do mercado."
Veronese, da Azimut, acredita que a reforma administrativa deverá ser aprovada neste ano. Ao longo desta semana, contudo, o mercado recebeu notícias sobre o governo ter desistido de enviar o projeto ao Congresso e aproveitar texto já em tramitação.
Com certa frequência declarações do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do ministro da Economia, Paulo Guedes, indicam algum ruído sobre a responsabilidade do encaminhamento dos projetos, o que adiciona alguma cautela ao cenário.
Profissionais do mercado ressalvam, contudo, que mesmo a passagem de mudanças nas regras previdenciárias no ano passado -- tidas como imprescindíveis para o Brasil escapar de um "precipício" fiscal-- não impediu que o real se desvalorizasse 8,8% ante o dólar entre a mínima e o fechamento do ano passado.
"O link entre o câmbio e as reformas é o crescimento (econômico). E o real perde apelo por causa da questão do crescimento", disse Ronaldo Patah, estrategista de investimentos da UBS Wealth Management.
Segundo ele, há uma defasagem entre a aprovação das reformas e o efeito sobre a economia e, exatamente por isso, "o mais importante é que essa agenda positiva se mantenha para que, em 2021 ou 2022, possamos já ver os resultados nos números da economia".
No acumulado de fevereiro, o real chegou a se desvalorizar 1,15% ante o dólar, enquanto vários de seus principais pares --como peso mexicano, rand sul-africano e peso chileno-- ganham entre 1,6% e 0,4%. Em 2020, a moeda brasileira cai 6,7%, pior desempenho entre 33 rivais do dólar. Desde 2010 o real não tinha um começo de ano tão negativo.
Enquanto Legislativo e Executivo expõem ruídos sobre o curso da agenda reformista, departamentos econômicos e gestoras começam a reduzir as projeções para o crescimento da economia, citando potenciais efeitos do surto de coronavírus originário na China. Esse movimento ficou mais evidente em fevereiro, o que ajudou a estender a "underperformance" do real.
O JPMorgan diminuiu na semana passada o prognóstico para crescimento do PIB brasileiro neste ano de 2,0% para 1,9%. Na semana anterior, Itaú Asset Management (de 2,7% para 2,3%) e UBS (de 2,5% para 2,1%) também o fizeram.
Na pesquisa Focus do Banco Central divulgada na semana passada, a média das projeções --uma medida melhor para avaliar a evolução das estimativas em geral-- está em 2,32%, a mais baixa desde o começo do ano, ante máxima de 2,35% de meados de janeiro.
Mesmo de forma gradual, os números têm caído enquanto vários indicadores econômicos sinalizaram um fim de 2019 menos animador para a economia.
Bernardo Zerbini, um dos responsáveis pela estratégia da gestão macro da gestora AZ Quest, afirmou que a casa cortou neste mês de 2,8% para 2,5% a expectativa para o avanço do PIB. Ele ponderou, contudo, que nem a taxa de câmbio nem o crescimento parecem embutir cenário de materialização das reformas.
Ou seja, aprovados esses projetos, as projeções para a economia podem melhorar e oferecer algum alento ao câmbio.
Zerbini acredita que a reforma administrativa passará neste ano e "talvez" a PEC emergencial também. "Se o Brasil crescer o que achamos que vai crescer, o dólar estará mais baixo que o patamar atual", afirmou.
O dólar chegou a superar 4,38 reais na semana passada, depois de renovar sucessivamente recordes históricos nominais, e somente interrompeu esse movimento desde quinta-feira, após o Banco Central intervir com venda total de 2 bilhões de dólares em swaps cambiais.