Roberto Padovani, economista-chefe do BV: "O processo desinflacionário continua, o que abre muito espaço para queda de juros. A questão é saber qual é o ritmo desse corte" (BV/Divulgação)
Repórter
Publicado em 1 de fevereiro de 2024 às 09h56.
Última atualização em 1 de fevereiro de 2024 às 15h36.
O economista-chefe do BV, Roberto Padovani, acredita que o movimento de queda de juros no Brasil ainda provocará fluxos significativos para o mercado de ações. "É um cenário bastante positivo para o mercado de capitais e está apenas no início", disse em entrevista à Exame Invest.
Padovani avalia que parte significativa dos investimentos ainda deverá migrar para a renda variável, como consequência das taxas de juros mais baixas. Na última noite, o Comitê de Política Monetária (Copom) cortou a taxa Selic em 0,50 ponto percentual para 11,25%, e sinalizou manutenção do ritmo de cortes para as próximas reuniões.
"Historicamente, o mercado acionário é muito influenciado pelas taxas de juros. Com a taxa caindo para 9% ou 8,5%, favorece o mercado de ações e de capitais. Esse fluxo ainda não veio totalmente, porque mesmo com a queda de juros, a taxa ainda é elevada e atrativa para a renda fixa. O mercado acionário ainda compete com a renda fixa. Mas, conforme a taxa cai, esses mercados tendem a ganhar força", afirmou.
Padovani ainda acredita que esse movimento de maior apetite por ativos de risco pode ganhar uma força ainda maior, dependendo do ciclo de afrouxamento monetário dos Estados Unidos. "Se o Federal Reserve decidir cortar o juro em março, deve haver um otimismo grande, com potencial de gerar a apreciação do real." Apesar da possibilidade estar sobre a mesa, Padovani acredita que há uma menor chance, após as recentes sinalizações do Fed.
O economista também está mais cauteloso com o ciclo de queda de juros no Brasil. Segundo ele, não há espaço para o Copom aumentar o ritmo de cortes para 0,75 ponto percentual, como chegou a se especular no mercado. Entre os motivos, Padovani cita as expectativas de inflação acima do centro da meta de 3% e incertezas quanto à troca de comando no BC. Sua aposta, inclusive, é de que, no fim do ano, o BC diminua o ritmo de cortes para 0,25 ponto percentual. "Os banqueiros centrais costumam ser mais cautelosos em momentos de transição."
Leia a entrevista com Roberto Padovani, economista-chefe do BV.
Quais são as principais considerações do comunicado da decisão do Copom?
Não teve muita informação nova. Havia alguma expectativa (que não era a nossa) de um aumento do ritmo de corte de juros. Mas o Copom consolidou a visão de que não há espaço para aumentar.
Quais fatores devem influenciar as decisões do BC até o fim do ciclo de queda de juros?
O processo desinflacionário continua, o que abre muito espaço para queda de juros. A questão é saber qual é o ritmo desse corte e o principal ponto de atenção do BC vem das expectativas de inflação, que estão acima do centro da meta.
Por que as expectativas estão acima do centro da meta?
Tem três motivos principais. O primeiro é o mercado de trabalho apertado, que tem pressionado a inflação de serviços. O segundo é a preocupação com a expansão fiscal e o terceiro são as incertezas sobre a mudança de comando do Banco Central. Não sabemos quem será o próximo presidente do Banco Central.
Com as expectativas de inflação acima do centro da meta, é de se esperar que o Copom encerre o ciclo de cortes com a Selic acima do que seria o juro neutro, ainda em território contracionista? E qual seria esse juro neutro?
O BC considera 4,5% como o juro neutro, mas nós somos mais conservadores e consideramos um juro de 5%. Com uma inflação na meta de 3%, o neutro, então, seria uma Selic de 8%. Esperamos uma queda para perto de 8,5%, que seria um nível ainda restritivo, justamente por essa desancoragem. Há muito espaço para corte de juros, mas talvez nós não alcançaremos o juro neutro no Brasil.
A continuação dos cortes de juros ainda deve gerar fluxos para a renda variável? O que disso já foi e o que está por vir?
Historicamente, o mercado acionário é muito influenciado pelas taxas de juros. Com a taxa caindo para 9% ou 8,5%, favorece o mercado de ações e de capitais. O fluxo ainda irá para a renda variável. Esse fluxo ainda não veio totalmente, porque mesmo com a queda de juros, a taxa ainda é elevada e atrativa para a renda fixa. O mercado acionário ainda compete com a renda fixa. Mas, conforme a taxa cai, esses mercados tendem a ganhar força. É um cenário bastante positivo para o mercado de capitais e está apenas no início.
Tivemos a decisão do Fed, que afastou a possibilidade de corte em março, mas o mercado ainda vê chance de isso acontecer. Se isso se concretizar, aumentaria a chance de o Copom aumentar o ritmo de corte de juros?
Acho que sim. Se o Fed decidir cortar em março será porque estão muito confiantes com a trajetória de inflação nos Estados Unidos. Isso iria gerar um otimismo grande com o crescimento. A inflação já teria sido controlada com baixo custo de crescimento, sem promover uma grande recessão. Historicamente, esse cenário favorece os mercados emergentes e acionários, pois diminui a percepção de risco no mundo. Isso poderia gerar a apreciação do real no Brasil, que teria efeitos sobre a inflação corrente e na expectativa de inflação, deixando o Banco Central mais confortável para acelerar o ritmo de cortes. Não é o nosso cenário-base, mas pode acontecer.
O quanto que o fato de o Roberto Campos Neto encerrar o mandato neste ano influencia no ritmo de cortes de juros?
Existe um estudo feito por um ex-diretor do BC que avalia o comportamento dos BCs do mundo todo que estão em transição de comando. A conclusão, baseada nos padrões históricos, é que tanto o presidente que está saindo quanto o que está assumindo tendem a ser mais conservadores, porque tem como objetivo ancorar as expectativas. No caso brasileiro, isso implica dizer que ou mantém o ritmo de cortes ou reduz. Aqui no banco, estamos trabalhando com um cenário em que o BC irá reduzir o ritmo de cortes para 0,25 ponto percentual no segundo semestre.