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Pandemia: vacinação desigual aumenta abismo econômico

A corrida para a vacinação em massa distancia ainda mais os países ricos dos mais pobres

Corrida para a vacinação contra a covid-19 estabelece novos padrões de desigualdade social (Michael A. McCoy/The New York Times)

Corrida para a vacinação contra a covid-19 estabelece novos padrões de desigualdade social (Michael A. McCoy/The New York Times)

O fim da pandemia finalmente está à vista. Assim como o resgate da catástrofe econômica global mais traumática desde a Grande Depressão. À medida que as vacinas contra a Covid-19 vão sendo administradas, a recuperação se torna realidade.

Mas os benefícios estarão longe de uma distribuição igualitária. Nações ricas da Europa e da América do Norte garantiram a maior parte dos estoques limitados de vacinas, preparando-se para uma melhora acentuada de sua situação econômica. Os países em desenvolvimento – onde vive a maior parte da humanidade – terão de se virar para garantir as próprias doses.

A distribuição desordenada das vacinas parece certamente piorar uma realidade econômica essencial: o mundo que emerge deste capítulo aterrorizante da história será mais desigual do que nunca. Os países pobres continuarão a ser devastados pela pandemia, o que os forçará a gastar recursos escassos, que já estão prejudicados pelo aumento das dívidas com os credores nos Estados Unidos, na Europa e na China.

A economia global está há muito tempo dividida por profundas disparidades de riqueza, educação e acesso a elementos vitais como água limpa, eletricidade e internet. A pandemia impôs morte e destruição de meios de subsistência a minorias étnicas, mulheres e famílias de baixa renda. O fim provavelmente adicionará outra divisão que poderia moldar a vida econômica por anos, separando países com acesso a vacinas daqueles que não o têm.

"Está claro que os países em desenvolvimento, e especialmente os países em desenvolvimento mais pobres, serão excluídos por algum tempo. Apesar do entendimento de que as vacinas precisam ser vistas como um bem global, a provisão permanece em grande parte sob controle das grandes empresas farmacêuticas nas economias avançadas", disse Richard Kozul-Wright, diretor da divisão de estratégias de globalização e desenvolvimento da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em Genebra.

Organizações internacionais de ajuda, filantropos e nações ricas se uniram em torno de uma promessa de garantir que todos os países obtenham as ferramentas necessárias para combater a pandemia, como equipamentos de proteção para equipes médicas, testes, terapias e vacinas. Falharam, porém, em amparar suas garantias com dinheiro suficiente.

A iniciativa líder, a Act-Accelerator Partnership – empreendimento da Organização Mundial da Saúde e da Fundação Bill e Melinda Gates, entre outros –, garantiu menos de US$ 5 bilhões de uma meta de US$ 38 bilhões.

Um grupo de países em desenvolvimento liderados pela Índia e pela África do Sul buscou aumentar o fornecimento de vacinas fabricando as próprias, idealmente em parceria com as empresas farmacêuticas que produziram as versões principais. Em uma tentativa de garantir uma vantagem, o grupo propôs que a Organização Mundial do Comércio (OMC) suspendesse as proteções tradicionais sobre propriedade intelectual, permitindo que os países pobres fizessem versões acessíveis das vacinas.

A OMC opera em consenso. A proposta foi bloqueada pelos Estados Unidos, pelo Reino Unido e pela União Europeia, onde as empresas farmacêuticas exercem influência política. A indústria argumenta que a proteção de patentes e os lucros que elas geram são um requisito para a inovação e a criação de medicamentos que salvam vidas.

Os defensores da suspensão de patentes observam que muitas drogas chegam ao mercado por meio de pesquisas financiadas por governos, argumentando que isso cria um imperativo para colocar o bem social no centro da política.

"A questão é realmente: 'Este é um momento para lucrar?' Temos visto governos fechando economias, limitando as liberdades – no entanto, a propriedade intelectual é vista como tão sacrossanta que não pode ser tocada", afirmou Mustaqeem De Gama, conselheiro da missão sul-africana na OMC em Genebra.

Nas nações ricas que garantiram acesso às vacinas, está em andamento o alívio do desastre econômico provocado pela emergência de saúde pública. As restrições que mantiveram empresas fechadas podem ser canceladas, trazendo benefícios econômicos significativos já em março ou abril.

No momento, a situação é sombria. Os Estados Unidos, a maior economia do mundo, têm um número de mortes equivalente a um 11 de setembro por dia, fazendo com que o retorno à normalidade pareça distante. Grandes economias como o Reino Unido, a França e a Alemanha estão sob novos bloqueios, pois o vírus continua se espalhando.

Mas, depois de contrair 4,2 por cento em 2020, as estimativas são de que a economia global cresça 5,2 por cento este ano, de acordo com a Oxford Economics. Essa previsão pressupõe um crescimento anual de 4,2 por cento nos Estados Unidos e uma expansão de 7,8 por cento na China, a segunda maior economia do mundo, onde a ação do governo controlou o vírus.

A Europa permanecerá em um ritmo lento, dada a prevalência do vírus, segundo a IHS Markit, com a economia do continente não retornando a seu tamanho pré-crise por dois anos. Entretanto, um acordo firmado entre o Reino Unido e a UE na semana passada, preservando grande parte de sua relação comercial depois do Brexit, aliviou os piores temores de uma desaceleração no comércio regional.

Mas até 2025 os danos econômicos de longo prazo causados pela pandemia serão duas vezes mais graves nos chamados mercados emergentes, em comparação com os países ricos, de acordo com a Oxford Economics.

Muitos economistas presumem que, à medida que a vacina diminui o medo das pessoas, elas vão voltando às experiências que antes estavam fora dos limites, lotando restaurantes, eventos esportivos e destinos turísticos. As famílias economizaram, pois cancelaram as férias e permaneceram em casa.

"Se o ânimo de todos for retomado, e algumas das restrições forem levantadas, poderemos ver um grande volume de gastos. Boa parte disso estará relacionada à velocidade e ao grau em que as pessoas voltam a comportamentos mais normais, algo muito difícil de avaliar", disse Ben May, economista global da Oxford Economics, em Londres.

Porém muitos países em desenvolvimento poderão se ver efetivamente habitando um planeta diferente.

Os Estados Unidos garantiram quase 1,5 bilhão de doses de vacina, enquanto a União Europeia assegurou quase dois bilhões – o suficiente para vacinar todos os seus cidadãos e muitos mais. Várias nações pobres talvez esperem até 2024 para vacinar totalmente sua população.

Os altos encargos da dívida limitam a capacidade de muitos países pobres de pagar por vacinas. Os credores privados se recusaram a participar de uma iniciativa de suspensão da dívida defendida pelo Grupo dos 20.

A ajuda prometida pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional se mostrou decepcionante. No FMI, o governo Trump se opôs a uma expansão dos chamados direitos especiais de saque – a moeda básica da instituição –, privando os países pobres de recursos adicionais.

"A resposta internacional à pandemia tem sido essencialmente lamentável. Receamos ver a mesma coisa acontecer novamente, à medida que avançamos na distribuição das vacinas", afirmou Kozul-Wright, do órgão comercial das Nações Unidas.

Um elemento da parceria Act-Accelerator conhecido como Covax visa permitir que os países pobres comprem vacinas a preços acessíveis, mas conflita com a realidade de que a produção é limitada e controlada por empresas que visam ao lucro e que respondem aos acionistas.

"A maioria das pessoas no mundo vive em países que dependem do Covax para ter acesso a vacinas. Isso é uma falha extraordinária de mercado. O acesso às vacinas não é baseado na necessidade. É baseado na capacidade de pagamento, e o Covax não resolve esse problema", disse Mark Eccleston-Turner, especialista em direito internacional e doenças infecciosas na Universidade de Keele, na Inglaterra.

Em 18 de dezembro, os líderes do Covax anunciaram um acordo com empresas farmacêuticas com o objetivo de fornecer aos países de baixa e média renda cerca de dois bilhões de doses de imunizantes. O acordo, que se concentra em candidatos que ainda não obtiveram aprovação, forneceria doses suficientes para vacinar um quinto das populações em 190 países participantes até o fim do ano.

A Índia abriga fabricantes farmacêuticos que estão produzindo vacinas para empresas multinacionais, incluindo a AstraZeneca, mas é improvável que sua população seja totalmente vacinada antes de 2024, de acordo com a TS Lombard, empresa de pesquisa de investimentos em Londres. Provavelmente, sua economia permanecerá vulnerável.

Mesmo que as massas de pessoas nos países pobres não tenham acesso às vacinas, sua economia provavelmente receberá alguns benefícios do retorno ao normal das nações mais ricas. Em um mundo moldado pela desigualdade, esta e o crescimento podem coincidir.

À medida que o poder de consumo for retomado na América do Norte, na Europa e na Ásia Oriental, ele impulsionará a demanda por commodities, beneficiando minas de cobre no Chile e na Zâmbia e elevando as exportações de soja do Brasil e da Argentina. Os turistas acabarão voltando à Tailândia, à Indonésia e à Turquia.

Mas alguns argumentam que a devastação da pandemia nos países pobres, em grande parte sem o controle da imunização, poderia limitar as fortunas econômicas globalmente. Se os países mais pobres não tiverem vacinas, a economia global perderá US$ 153 bilhões por ano em produção, de acordo com um estudo recente da Rand Corp.

"Você precisa vacinar os profissionais de saúde mundialmente para que possa reabrir os mercados globais. Se todos os países do mundo puderem dizer: 'Sabemos que todas as nossas pessoas vulneráveis estão vacinadas', então podemos retornar ao sistema comercial capitalista global muito mais rápido", explicou Clare Wenham, especialista em políticas de saúde da London School of Economics.

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