Inteligência Artificial

Como Ian Bremmer antecipou DeepSeek em Davos

Especialista apontou, durante Fórum Econômico Mundial, como ao tentar conter avanço chinês com restrições tecnológicas, EUA poderiam provocar fim da era dos blocos

Ian Bremmer: "relação entre EUA e China é um laboratório de transformação geopolítica". (Richard Jopson/Divulgação)

Ian Bremmer: "relação entre EUA e China é um laboratório de transformação geopolítica". (Richard Jopson/Divulgação)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 28 de janeiro de 2025 às 08h44.

Última atualização em 28 de janeiro de 2025 às 09h09.

Tudo sobreInteligência artificial
Saiba mais

*De Davos

Na mesma manhã da quinta-feira (23), em que Davos aguardava ansiosamente o discurso virtual de Donald Trump, outra presença bastante esperada ocupou o palco do Fórum Econômico Mundial. Tratava-se de Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group, e um dos principais cientistas políticos da atualidade.

Nos dias anteriores, Trump já havia desencadeado uma série de decretos que sinalizavam rupturas radicais, da retirada do Acordo de Paris e distanciamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) às investidas contra o TikTok. E que, por si só, renderiam amplas análises para Bremmer.

Porém, quase como um intérprete precisamente posicionado, não apenas dos movimentos políticos imediatos, mas também das sutis transformações geopolíticas que se desenhavam nas entrelinhas, o analista escolheu ir além da narrativa corrente em suas reflexões.

"Quando olhamos para a história da inovação, frequentemente encontramos avanços significativos vindos de lugares inesperados, especialmente quando as restrições forçam soluções criativas. A China não está apenas adaptando tecnologia - está reinventando como a tecnologia é desenvolvida", declarou nas primeiras horas de sua entrevista no espaço da CNBC, em Davos.

Antes dessa declaração, Bremmer ainda havia esmiuçado as dinâmicas geopolíticas contemporâneas, destacando que a verdadeira inovação não se constrói a partir de recursos abundantes, mas da capacidade de adaptação sob restrições.

E completou sua análise, afirmando que a relação entre EUA e China representava mais do que uma simples disputa tecnológica. "É um laboratório de transformação geopolítica", sentenciou.

Do palco ao mercado

Na manhã de segunda-feira (27), menos de uma semana depois, suas observações sobre a adaptabilidade chinesa, a fragmentação do poder tecnológico e a capacidade de inovação sob restrições - que inicialmente pareceram especulações ousadas demais - se converteram em previsões acertadas, quando o mercado tecnológico global acordou sacudido pelo fenômeno DeepSeek.

Em Davos, Ian Bremmer afirmou que as restrições tecnológicas impostas pelos Estados Unidos à China não representavam apenas uma estratégia comercial, pois configuravam um novo campo de batalha geopolítico onde a inovação se tornaria a mais potente das armas.

"Estamos testemunhando uma transformação fundamental nas dinâmicas de poder global", explicou Bremmer, com a concordância de muitos dos presentes, em sua maioria CEOs de corporações ocidentais. "As restrições não são obstáculos, são catalisadores de uma nova geração de inovação que pode redesenhar completamente o mapa do poder tecnológico."

Bremmer ponderou que as políticas de Donald Trump haviam inaugurado uma era de confronto tecnológico sem precedentes. Para então completar que, em sua visão, as sanções contra empresas chinesas, especialmente no setor de semicondutores e inteligência artificial, criaram um ambiente de restrição que, paradoxalmente, poderia estimular uma das mais impressionantes ondas de inovação da história recente.

A DeepSeek surgiu precisamente neste contexto, não como uma empresa, mas como um sintoma de uma transformação geopolítica mais profunda, conforme alertado pelo presidente da Eurasia.

Fundada por uma geração de pesquisadores formados nas melhores universidades chinesas, representa mais do que um projeto de desenvolvimento tecnológico. É uma resposta estratégica a um sistema de cerceamento que buscava limitar o avanço tecnológico chinês.

Os números revelavam uma história de fato extraordinária. Enquanto gigantes tecnológicas americanas investiam bilhões de dólares e utilizavam 16.000 chips para treinar modelos de inteligência artificial, a DeepSeek desenvolveu sistemas equivalentes usando apenas 2.000 chips - uma eficiência que desafia todas ou muitas das expectativas convencionais.

A revolução tecnológica sob restrições

"A verdadeira revolução tecnológica", afirmou Bremmer em Davos, "virá não de quem tem mais recursos, mas de quem consegue criar soluções mais inteligentes com menos". O que, de novo, foi avalizado pela DeepSeek, demonstrando que a escassez pode ser o mais poderoso dos combustíveis para a criatividade.

A estratégia da empresa vai ainda, muito além da otimização técnica. Com uma abordagem multilíngue, cria sistemas que funcionam perfeitamente em idiomas como Urdu e Bengali, desafiando mais uma vez os parâmetros ocidentais de desenvolvimento tecnológico como um processo linear e centralizado.

Mais ou menos como Bremmer declarou em sua entrevista em Davos: "O poder no século XXI virá também da capacidade democratizar e adaptar a tecnologia para diferentes contextos culturais".

Em síntese, a visão do cientista político, um fenômeno como a DeepSeek transcende a narrativa de êxito empresarial. Representa, na verdade, uma nova dinâmica de poder global, onde a inovação brota não dos tradicionais centros hegemônicos, mas justamente das áreas de tensão.

O presidente da Eurasia reforçou que a relação entre Estados Unidos e China é mais sofisticada que uma simples competição tecnológica. "Diferente de uma Guerra Fria clássica, onde países eram forçados a escolher lados em um mundo binário, o cenário atual apresenta muito mais nuances", observou o especialista.

Como destacou em suas considerações finais em Davos: "Estamos a presenciar uma transformação fundamental nos mecanismos de construção e manutenção do poder tecnológico".

O novo xadrez político

"Enquanto alguns países como México e Camboja fazem escolhas claras (o primeiro alinhado aos EUA, o segundo à China), a maioria das nações busca desesperadamente manter uma posição intermediária", disse o cientista político a uma pergunta da plateia em Davos. E observou ainda que suas políticas não se limitavam a um confronto direto, mas seguiam uma estratégia de pressão multifacetada.

Bremmer explicou que Trump foca não apenas na China diretamente, mas em suas relações com países terceiros. Como, por exemplo, na política em relação ao México, onde a estratégia era "cortar o lado chinês da economia" e impedir a entrada de determinados produtos.

Esta abordagem cria mais um lastro de pressão geopolítica, muito além das fronteiras tradicionais. "Todo mundo ao redor de Trump não está preparado para executar um grande acordo", observou. "O que vemos é uma fragmentação do poder que ainda surpreenderá muitos analistas."

A diferença fundamental entre as administrações Trump e Biden, segundo Bremmer, reside nas visões sobre alianças internacionais. Biden acreditava que uma União Europeia forte era do interesse americano, enquanto Trump vê essa mesma força como potencialmente antagônica aos interesses dos Estados Unidos.

Essa perspectiva se traduz em estratégias diplomáticas radicalmente diferentes. Trump prefere negociações bilaterais, onde pode usar seu poder de barganha de forma mais direta. Biden, por outro lado, apostava em alianças multilaterais e fortalecimento de blocos geopolíticos.

No campo tecnológico, essa abordagem se manifestava de forma ainda mais complexa. As restrições não são apenas barreiras econômicas, mas instrumentos de uma guerra geopolítica sofisticada, onde a inovação se tornava a mais potente das armas.

Acompanhe tudo sobre:DavosDonald TrumpChina

Mais de Inteligência Artificial

Tendências em inteligência artificial prometem tornar tecnologia mais segura em 2025; entenda

Entenda o que é DeepSeek, a inteligência artificial chinesa que preocupa o Vale do Silício

Meta cria "sala de crise" para avaliar impacto da IA chinesa DeepSeek

Downloads do assistente da DeepSeek ultrapassa ChatGPT em iPhones dos EUA