Repórter
Publicado em 29 de dezembro de 2025 às 20h22.
A promessa de ganhar dinheiro fácil com vídeos infantis gerados por inteligência artificial tem se espalhado pelo YouTube — e colocado pais, especialistas e a própria plataforma em alerta.
Em tutoriais que acumulam milhões de visualizações, criadores ensinam como usar ferramentas de IA para produzir, em poucos minutos, conteúdos altamente estimulantes voltados a bebês e crianças pequenas, explorando uma das audiências que mais cresce no streaming.
Em um de seus vídeos recentes, a youtuber Monique Hinton, que soma mais de 1 milhão de seguidores, apresenta o que chama de uma “ideia de negócio lucrativa”..
O método é direto: pedir ao ChatGPT letras de músicas infantis “simples e repetitivas”, com palavras sem sentido como “la la” ou “na na”, inserir o texto em um gerador de vídeos de IA e publicar o resultado.
Em minutos, o conteúdo se transforma em animações coloridas com crianças sorridentes, animais dançando, balões, borboletas, notas musicais flutuantes e efeitos visuais chamativos — um pacote pensado para capturar a atenção de crianças entre 1 e 3 anos.
Segundo Hinton, a técnica permite faturar centenas de dólares por dia com vídeos infantis. “Você só precisa fazer 5% do trabalho, porque a IA faz o resto”, afirma no tutorial. Segundo a Bloomberg, o discurso se apoia em duas tendências claras: a facilidade crescente de produzir vídeos com inteligência artificial e a rápida expansão do público infantil no YouTube.
Dados recentes do Pew Research Center indicam que o uso da plataforma cresceu mais entre crianças menores de 2 anos do que em qualquer outro grupo etário nos últimos cinco anos.
Mais de 60% dos pais americanos com filhos nessa faixa etária dizem que as crianças assistem ao YouTube, e mais de um terço afirma que isso ocorre diariamente.Uma pesquisa de 2025 da organização Fairplay reforça o alcance: YouTube e YouTube Kids concentram mais bebês e crianças pequenas do que qualquer outro serviço de streaming ou aplicativo educacional. Segundo o levantamento, 70% dos bebês que passam tempo diante de telas usam essas plataformas.
Apesar do YouTube Kids ser recomendado para crianças de 2 a 12 anos — e não projetado para menores de 2 —, o consumo nessa faixa etária segue elevado. Para a Alphabet, dona do YouTube, isso representa a oportunidade de fidelizar usuários antes mesmo de eles aprenderem a falar.
Para os criadores, trata-se de uma audiência valiosa, ainda que mais difícil de monetizar desde 2019, quando anúncios segmentados para crianças foram proibidos após um acordo com a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos. Ainda assim, permanecem fontes de receita como publicidade limitada, assinaturas do YouTube Premium e anúncios exibidos em vídeos infantis no YouTube tradicional.
Esse cenário impulsionou uma indústria paralela de produtores e “gurus” que vendem fórmulas para capturar a atenção do público infantil. “Estamos tentando ser uma espécie de Baby Shark”, brincou Hinton, em referência ao vídeo mais assistido da história do YouTube, que rendeu milhões de dólares ao seu criador.
A expansão desse tipo de conteúdo acendeu alertas entre especialistas em desenvolvimento infantil. Segundo a Bloomberg, o cérebro humano atinge cerca de 90% do seu desenvolvimento até os 5 anos de idade, o que torna essa fase especialmente sensível a estímulos visuais e narrativos. A Academia Americana de Pediatria recomenda que o uso de telas seja “muito limitado” para crianças menores de 2 anos.
“Quando o cérebro ainda está formando conexões básicas, começa também o processo de entender o que é real e o que não é”, afirma Rachel Franz, educadora e diretora de programas da Fairplay. “Se o que chega até essas crianças é um volume enorme de conteúdo de baixa qualidade gerado por IA, isso pode afetar a forma como elas compreendem o mundo.”
A preocupação com tempo de tela não é nova, mas o debate em torno da chamada “basura de IA” — vídeos produzidos em massa, altamente estimulantes e com pouco conteúdo narrativo — ganhou força recentemente.
“Me assusta que meus filhos não consigam distinguir o que é real do que é falso”, diz Stephanie Schneider, mãe de duas crianças em Nova York. “Mesmo quando buscam algo educativo, podem acabar encontrando algo totalmente gerado por IA.”