Binance enfrenta processos nos EUA e no Brasil por reguladores (Reprodução/Unsplash)
Repórter do Future of Money
Publicado em 19 de abril de 2023 às 14h43.
Última atualização em 19 de abril de 2023 às 15h05.
A Binance, maior corretora de criptomoedas do mundo, está sendo investigada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desde 2020, mas nos últimos meses o caso ganhou novidades que podem levar à aplicação de punições contra a empresa. A exchange é acusada pelo regulador de ter violado as regras sobre ofertas de derivativos, ofertando esse produto para investidores brasileiros.
Por lei, as ofertas de derivativos de qualquer tipo de ativo só podem ocorrer com autorização prévia da CVM. Entretanto, como a EXAME detalhou após obter os documentos sobre o caso, a Binance chegou a oferecer futuros de bitcoin sem esse aval, levando à abertura de uma investigação e à ordem para que a operação fosse encerrada. Apesar do produto não estar mais disponível na versão brasileira do site da corretora, ainda é possível obtê-lo ao mudar o idioma do site, o que, para a autarquia, indica que as regras ainda estão sendo violadas.
Em julho de 2022, o processo de investigação foi substituído por um processo sancionador. Na prática, isso significa que a corretora de criptomoedas pode sofrer punições pela violação de normas do regulador. Além disso, o caso já foi enviado para o Ministério Público do Estado de São Paulo, que pode abrir um caso separado e também aplicar punições criminais à exchange.
Isac Costa, professor do Ibmec e sócio do Warde Advogados, explica que, por meio de um processo administrativo sancionador, a CVM "pode impor multas a pessoas jurídicas e a pessoas naturais, normalmente os diretores responsáveis, e, caso considere que há indícios da prática de crimes, pode comunicar o Ministério Público Federal para que este tome providências, podendo haver processo criminal".
Por outro lado, um termo de compromisso, como o apresentado pela Binance, "não implica a assunção de culpa e envolve o pagamento de certo valor negociado com o regulador e, eventualmente, uma obrigação de fazer ou de não fazer mudanças, além do ressarcimento de prejuízos causados a investidores que tiverem sido apontados na peça acusatória".
Ou seja, caso o termo seja aceito pela CVM, a corretora de criptomoedas ainda precisará pagar uma quantia de ressarcimento e poderá ser obrigada a novamente alterar o acesso de investidores brasileiros aos seus produtos. Ao reabrir as investigações contra a Binance, o regulador chegou a destacar uma notícia que indicava que a exchange orientaria seus clientes sobre como comprar derivativos ao trocar o idioma do site, uma prática que provavelmente deixará de ocorrer.
"Se a CVM entendeu que houve a oferta irregular da intermediação de derivativos pela Binance, esta deverá tomar medidas para interromper a prática conforme negociado com a autarquia. Ainda, o pagamento da obrigação pecuniária não significará uma multa e o processo sancionador será extinto. Se o Termo de Compromisso for aceito, a Binance mantém a primariedade", explica Costa.
Além disso, o professor destaca que seria pouco provável que o caso levasse ao fim das operações da corretora de criptomoedas no Brasil. Mesmo com a aprovação recente de uma lei específica para regular o setor, ela só entrará em vigor em 2024, e até lá o setor seguirá sem regulação. Por isso, "o máximo que a CVM pode fazer é impor multa e comunicar o mercado".
Há chances, porém, de que a Binance precisará enfrentar processos em outra esfera. Tanto em 2020 quanto em 2022, a CVM notificou o Ministério Público de São Paulo sobre "existência de indícios da prática de crime de ação penal pública" no caso, o que abre margem para que a instituição abra inquérito contra a exchange e busque punições criminais.
Costa explica que são "esferas punitivas diferentes. A CVM atua na administrativa, e ao final dela tem imposição de uma multa. Normalmente é um processo que existe em outras esferas, é uma forma de fazer valer as regras infralegais que são editadas pelos reguladores. Isso independente de questões criminais. Já o MP cuida de crimes, que podem ser exercício irregular de atividade, insider trading, manipulação de mercado ou oferta irregular".
"A CVM não faz juízo de valor sobre se houve crime ou não, só aponta que pode ter ocorrido, aí comunica o MP e o MP decide se vai abrir inquérito ou não. Os dois processos seguem em paralelo, de forma independente. O criminal é regido pelo código penal, tem várias fases, até por ser mais grave, podendo levar até à prisão, e geralmente é para condutas mais graves. É mais difícil de saber o que vai acontecer nela", observa Costa.
Mesmo que o termo de compromisso seja assinado, o advogado destaca que "um eventual processo criminal pode prosseguir, pois as esferas punitivas são independentes". A EXAME entrou em contato com o MP de São Paulo para esclarecer se há alguma investigação em andamento por parte do órgão. Em nota, o órgão informou que "há um inquérito contra a Binance tramitando no MP do Rio de Janeiro. A Promotoria do Consumidor da Capital, do MPSP, instaurou um inquérito e aguarda informações que foram pedidas ao MPRJ sobre o caso".
Em 2021, a CVM chegou a receber denúncias sobre a mudança de idioma por parte de clientes para ter acesso a derivativos de criptomoedas, mas considerou na época que, como o usuário brasileiro "recebe uma mensagem recomendando a troca para a versão brasileira", a medida "é suficiente para distinguir, entre os serviços e produtos disponíveis na página, aqueles que estão efetivamente sendo oferecidos aos investidores residentes no Brasil".
A posição mudou em 2022, após a primeira notícia sobre a possível orientação por parte da Binance para que os usuários fizessem essa mudança de versão do site e acessem os derivativos. Isac Costa lembra ainda que essa mudança coincidiu com a troca de presidente da autarquia regulatória, exatamente entre os dois anos, o que mudou a forma como o órgão lida com o mercado cripto.
"O Colegiado como um todo tem procurado entender melhor os riscos e as vantagens dessa inovação e construir soluções consensuais. Há uma discussão sobre a Binance ter tentando ou não burlar a proibição, a depender da análise dos elementos dos autos do processo em curso", destaca.
"É difícil dizer o que pode ter mudado, mas, conforme as informações públicas, parece que a área técnica da CVM entendeu que a oferta de derivativos a brasileiros sem registro prévio prosseguiu e a stop order foi descumprida, o que levou à instauração de processo sancionador. Caberá aos representantes legais da Binance, em sede de defesa, sustentar a regularidade da atuação e a palavra final será do Colegiado da CVM", opina.
Outro ponto que pode acabar influenciando o colegiado, de acordo com Costa, é o andamento de um processo contra a Binance movido pela CFTC, um órgão norte-americano que regula ofertas de commodities. A exchange também é acusada de ter oferecido produtos de derivativos de criptomoedas aos investidores nos EUA sem autorização, e de ter orientado a mudança de idioma do site para acessar esses produtos.
Costa diz que "tudo leva a crer que ou a Binance terá que celebrar um acordo lá fora e encerrar essa oferta, ou então será condenada. Não dá pra saber se a CVM vai esperar isso para avaliar o termo. Se a Binance celebrar o termo aqui, ela pode levar como vantagem para lá, mostrando que convenceu regulador brasileiro que pode chegar a um acordo. São dois campos de batalha e a Binance tem que atuar nos dois, e o que for resolvido primeiro vai influenciar o outro".
Para Costa, o caso também demonstra outro problema de tentar regular o mercado de criptomoedas. Como ele é global, "o acesso, pelos investidores, a plataformas de diversos países requer esclarecimentos adicionais sobre o que empresas estrangeiras ou sem registro podem ou não fazer".
Na visão dele, essa característica internacional demanda uma "regulação com cooperação internacional, entre os países. Uma regulação local é muito limitada e não tem cooperação internacional, fica muito incipiente o que pode ser feito". Mesmo assim, a lei brasileira aprovada para o setor em 2022 não teria influência sobre o caso, já que ela tira da sua alçada casos em que os criptoativos são considerados valores mobiliários, assim como os seus derivativos.
O professor acredita que essa separação "foi um equívoco. Deveria ser necessário chamar a CVM para criar uma regulação especial para esse setor. A lei poderia estar vigente, valendo, e não teria nada a ver com esse caso. A única diferença seria que a Binance precisaria de um registro, autorização para prestar serviços aqui".
Nesse sentido, ele acredita que "uma decisão em processo sancionador (ainda que absolvição ou advertência) seria positiva para orientar o mercado, mas, depois desse caso, mesmo que o Termo de Compromisso seja celebrado e o processo seja arquivado, a CVM poderia atualizar seu entendimento para delimitar melhor quais atos requerem registro prévio para sua realização".
Ao ser questionada pela EXAME sobre o caso, a Binance enviou a seguinte nota: "A Binance não comenta investigações em andamento, reitera que não oferece derivativos no Brasil, que atua em conformidade com o cenário regulatório local e mantém permanente diálogo com as autoridades para desenvolvimento do segmento de cripto e blockchain no Brasil e no mundo".
Já a CVM declarou que o processo inicialmente aberto em 2020 "recebeu novos fatos após as tratativas iniciais", levando aos desdobramentos nos anos anteriores. As novas investigações levaram à abertura de um Processo Administrativo Sancionador, que ainda está em curso. Entretanto, o órgão não comenta processos específicos.
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