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Reforma Tributária pode encarecer investimento em criptomoedas no Brasil; entenda

Para Associação Brasileira de Criptoeconomia, modelo de tributação proposto para o setor não segue boas práticas internacionais

Reforma Tributária também deve mudar dinâmica do mercado cripto (Reprodução/Reprodução)
João Pedro Malar

Repórter do Future of Money

Publicado em 30 de agosto de 2023 às 17h40.

Atualmente em tramitação no Senado e já aprovada na Câmara dos Deputados, a primeira parte da Reforma Tributária deve alterar a dinâmica de tributação de diferentes setores no Brasil. E o mundo das criptomoedas também deverá ser afetado. Entretanto, a Associação Brasileira de Criptoeconomia ( ABCripto ) calcula que as mudanças deverão impactar negativamente o segmento.

Em entrevista exclusiva à EXAME, o presidente da associação - que combina empresas nativas do setor e gigantes do mercado como Visa, Mastercard e Itaú - aponta que, se o projeto for mantido com as mesmas características no Senado , ele tende a resultar em um aumento significativo na tributação das empresas da chamada criptoeconomia, que precisarão repassar custos.

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A ABCripto se posicionou de forma favorável à Reforma Tributária, reconhecendo sua necessidade no atual cenário do país, mas defende que as mudanças aprovadas sigam as melhores práticas internacionais. E a organização afirma que, no caso do segmento cripto, esse não seria o caso.

Impactos da Reforma Tributária

Bernardo Srur, presidente da ABCripto, explica que, hoje o setor de criptomoedas já é tributado no Brasil. Investimentos nesses ativos envolvem o recolhimento de ISS na compra e venda quando há intermediação de alguma empresa, e o investidor também precisa pagar tributos quando há ganho de capital no investimento - que ocorre quando o ativo é vendido com um preço maior que o de compra.

"Isso existe desde o início [do setor no Brasil], com posicionamento da Receita Federal colocando como ocorreria a tributação. Todos os avanços regulatórios são importantes, principalmente o tributário, pensando na construção da criptoeconomia no Brasil", pontua Srur.

Entretanto, as mudanças com a Reforma Tributária resultariam em "um mercado mais caro" para os investidores. Daniel de Paiva Gomes, sócio do escritório VDV Advogados, explica que a Reforma Tributária vai resultar na unificação de quatro tributos, incluindo o ISS. Como resultado, serão criados um novo tributo federal, o IVA, e um novo tributo estadual e municipal.

"A reforma é algo nacional, afeta estados, municípios, e tem essa promessa de não aumentar a carga. Mas aí precisa ter acomodações de acordo com o setor. A reforma funciona muito bem para as partes de comércio e indústria, porque as cadeias são muito agregadas, e ao migrar para o IVA tem um creditamento pleno, sem gerar acúmulo", comenta.

Mas esse não é o caso para diferentes segmentos do setor de serviços, incluindo o de tecnologia e o de criptomoedas. Pelo caráter cumulativo das suas cadeias, a tendência é que a aplicação do IVA resulte em uma tributação maior das empresas do que quando o ISS é aplicado. Ele explica que, atualmente, a alíquota cobrada varia entre 14% a 17%, considerando as cobranças de ISS, Imposto de Renda e de Contribuição Social.

No modelo novo, a carga que aumentaria é a equivalente à do ISS atual. Na prática, ela saltaria para uma faixa entre 25% a 27%. "Não dá para um setor hoje trocar essa carga com um crédito questionável porque não tem clareza sobre como vai funcionar na criptoeconomia. Muitas das coisas da criptoeconomia que poderiam ser classificados como insumos são internacionais, ou estão em blockchain e são descentralizados, fica difícil registrar e obter crédito", pontua o advogado.

"O ISS é cumulativo, hoje não gera crédito, e justamente por isso a carga tributária é muito menor. A ABCripto entende que precisa de um ajuste. Mas não é verdade que os setores de tecnologia e serviços são subtributados. O ISS tem carga menor, mas tem um critério diferenciador. O ICMS gera crédito, o ISS não gera. No modelo novo, é difícil falar que vai creditar tudo, porque vai sair de uma alíquota mais baixa e passa para uma mais alta. O receio é esse", ressalta Gomes.

Na visão dele, "falta uma acomodação específica para a realidade" das empresas brasileiras de criptomoedas, mas esse cenário também deve afetar outros mercados, como o de créditos de carbono e de programas de fidelidade. O risco, pontua, é que as criptomoedas, incluindo o bitcoin, acabem sendo tributados como mercadorias, e não serviços, o que gera o excesso de tributação.

"O bitcoin não é mercadoria, é serviço, as pessoas usam ele para pagamentos. Então com a reforma, você vai estar tributando o instrumento, igual a CPMF tributava transação financeira. Os meios de troca são cumulativos por natureza, e o IVA prevê a não cumulatividade", comenta. Ele destaca que, por mais que o projeto não preveja um aumento de carga tributária, "na prática é possível que ela exista, e isso é repassado na cadeia até o consumidor final, que é quem paga mais".

"Se vende bitcoin, não importa se é startup ou banco, nativa da criptoeconomia ou um banco tradicional, se a Reforma Tributária passar do jeito que está hoje, teria 25% a 27% sobre cada venda de bitcoin. Então comprar bitcoin lá fora seria 25% a 27% mais barato, enquanto aqui seria mais caro", alerta o advogado.

Referências internacionais

Na visão de Srur, é importante que qualquer mudança na tributação do setor de criptomoedas "seja adequado aos padrões internacionais e ao nosso mercado, para que o mercado não fique inflado ou distorcido frente ao mercado internacional. As ações sobre mudança aqui, de mudar ou incidir novos, são positivas desde que feitas conforme os padrões internacionais e conforme a dinâmica nacional permita".

Nesse sentido, a ABCripto defende que a Reforma Tributária seja alterada para seguir o mesmo modelo de tributação do setor adotado pela União Europeia . Srur acredita que isso seria importante para "manter a atratividade do Brasil, que hoje é o país mais atrativo da América Latina e um dos mais atrativos do mundo no mercado cripto".

Daniel Gomes explica que, no bloco europeu, há um tributo equivalente ao IVA, mas com regras específicas para criptoativos: "Hoje não incide IVA sobre bitcoin lá, porque ele é visto como meio de pagamento, não é sujeito ao IVA. O IVA é aplicado em NFTs desde que deem acesso a bens e serviços e em tokens de utilidade que deem acesso a bens e serviços. Se o ativo só se aplica no funcionamento do blockchain ou é meio de pagamento, não está sujeito ao IVA".

Nesse sentido, ele considera que adotar essa regra significar ver o token como um "envelope de direitos, em que consegue colocar qualquer coisa ali. Não dá para tributar o token por ele, tem que ter uma abordagem de olhar através do token para ver o que ele realmente tem. A gente precisa de uma bordagem que olhe para o conteúdo da operação, não para o formato. Porque se tudo por tokenizado, não tem um regime adequado olhando só para o token".

Agora, a ABCripto pretende intensificar o diálogo com parlamentares para conseguir alterar a Reforma Tributária antes da sua votação no Senado. "Temos abertura, estamos sendo bem recebidos, e estamos colocando nosso ponto de forma técnica, precisa, e isso é muito importante para a discussão. Uma mudança na forma de tributação não é simples, envolve nuances, até ajustes econômicos. A tributação pode desenvolver ou extinguir um mercado. Ter a precisão é muito importante", destaca.

"Nós buscamos a adaptação de regra. Não somos contra a reforma, o Brasil precisa dela e precisa adequar as regras. A reforma é completamente importante, nossa questão é que seja feita de forma saudável para todos os setores que tenham essa necessidade. A criptoeconomia necessita de adaptação de regras", defende Srur.

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