Repórter do Future of Money
Publicado em 13 de dezembro de 2024 às 18h35.
Última atualização em 13 de dezembro de 2024 às 19h54.
A regulamentação de criptomoedas teve avanços positivos em 2024 que resultam em uma maior clareza e segurança para o setor, mas ainda há pontos em aberto, como a segregação patrimonial, e definições que tendem a desagradar as empresas, em especial envolvendo as stablecoins. É o que avalia Renata Cardoso, sócia do Lefosse, em entrevista exclusiva à EXAME.
Responsável por liderar a área de Bancário, Operações e Serviços Financeiros do escritório de advocacia, Cardoso trabalha há anos com clientes do mercado cripto e viu a evolução da regulamentação de perto. Ela avalia que, por mais que ainda existam pontos para serem definidos nos próximos anos, o conjunto até o momento já permite que as empresas do setor "se posicionem" no mercado brasileiro.
O mais importante, destaca, é que houve a "sedimentação" de alguns temas, em especial por meio das consultas públicas divulgadas pelo Banco Central que deram indícios mais concretos das regras que deverão ser anunciadas no próximo ano.
Apesar do mercado ter recebido de forma positiva a consulta pública sobre registro de empresas de criptomoedas para atuação no Brasil, uma consulta pública posterior do BC, sobre mercado de câmbio e cripto, não teve a mesma recepção. Em geral, as empresas do setor criticaram as propostas e temem que elas possam sufocar o desenvolvimento de operações.
Sobre o tema, Cardoso avalia que o Banco Central ainda pode fazer "ajustes pontuais" na proposta, mas sem ir muito além disso. "A gente tem que olhar o assunto como algo que faz parte de uma matéria maior. Historicamente, o país tem controle de fluxo cambial, passou por uma liberalização há um tempo, estamos em uma reforma cambial agora, em fases, e acho que não tem como o BC, com a regulamentação de câmbio que tem, não se posicionar para uma regulamentação do câmbio digital".
"O Banco Central tem que se posicionar. É um processo, porque ele começou falando que estava vendo esse segmento [de cripto e câmbio] e que não estava ok, que o câmbio deveria passar por um agente licenciado, que estava de olho e que iria regular", pontua.
Para a especialista, qualquer alteração feita pelo BC deverá ser "consistente com a linha mestra do racional do sistema de câmbio. Se vai permitir transferência para carteira digital, como continua garantindo a identificação do cliente proprietário?".
O questionamento se refere a uma das propostas mais criticadas pelo mercado na consulta, que proíbe a transferência de stablecoins - criptomoedas pareadas a outros ativos, em geral o dólar - para carteiras digitais de autocustódia.
"O Banco Central pode flexibilizar até, mas sem perder elementos que permitam manter a adesão aos princípios de controle do câmbio. Na prática, a proposta muda total a lógica do mercado de cripto, porque é trazer um mercado descentralizado para um conceito centralizado. É o oposto, a natureza dele é descentralizado, e a natureza de câmbio é centralizado. O desafio vai ser achar o meio termo, e não vai agradar a todos", afirma.
Cardoso destaca também que o Brasil está "abrindo os trabalhos" sobre esse tema a nível global, "até por ter um sistema de câmbio muito peculiar, uma carga regulatória muito grande e que vem do histórico que estamos aos poucos nos livrando".
"É a nossa jabuticaba e vamos levantar uma frente de assunto que é muito única. Os grandes emissores estrangeiros nos perguntam sobre, e veem como um movimento muito único. É um assunto interessantíssimo. Tem uma facilidade enorme de usar os ativos digitais para fazer remessas internacionais, o custo transacional é infinitamente mais barato, mas não pode ser algo à margem", comenta.
Para a sócia do Lefosse, o balanço regulatório de cripto em 2024 é "muito positivo". "A gente termina o ano com uma grande previsibilidade em relação a como vai ser o mercado nos próximos anos. A gente tinha o Marco Legal de Criptomoedas, o BC falando, dando algumas orientações de como seria um pouco do racional da regulamentação, mas o fato de terminar o ano com alguns assuntos sedimentados, por mais que sejam em consulta pública, já nos permite nos preparar para o cenário de 2025".
Entre esses elementos, ela destaca o "roteiro" para obtenção de licença como uma Prestadora de Serviços de Ativos Digitais (VASP, na sigla em inglês), que será exigida das empresas do setor e, pelo divulgado em consulta pública, seguirá o processo de licenças no mercado financeiro tradicional.
Sobre 2025, Cardoso avalia que a tendência é que as regras propostas na consulta pública de VASPs seja oficializadas ainda em 2025, podendo entrar em vigor já no próximo ano, mas com um prazo de adaptação para as "consequências sistêmicas" e "investimentos vultuosos" que as empresas terão.
"Uma parte já deve entrar em vigor em 2025. Assuntos mais complexos, como câmbio digital, são mais difíceis de entrar em vigor em 2025, mesmo que a intencionalidade tenha ficado muito clara", avalia.
Sobre as VAPSs, ela diz que "vai ter uma série de operações que, da forma como as exchanges operam com uma confusão de recursos, vão ter que ser ajustadas no mercado. Transações que, por terem segregação patrimonial, não vão poder ser feitas, mas isso era previsível pensando em regulação e a própria lei pro mercado financeiro. Pode ter uma adaptação de produtos ou reinventar algumas coisas".
Ela também projeta uma possível necessidade de agregar outras licenças às VASPs, como de entidade de empréstimo, para viabilizar operações que já existem.
Já para o consumidor,"a regulação já evoluiu muito", com informações claras de cadastro, onboading e determinações sobre formas de operação, criando um padrão mínimo que, inclusive, já era adotado por muitas empresas no mercado.
Apesar dos avanços, Renata Cardoso afirma que o projeto de lei que obriga a prática de segregação patrimonial - a separação de ativos das empresas e dos clientes - "dificilmente" terá sua tramitação concluída em 2025. O projeto já foi aprovado na Câmara, mas ainda será analisado no Senado.
"É importante, mas todos esses grandes projetos de lei nos últimos anos com uma relação com o mercado financeiro, saiu muito na força e alinhamento do BC de estar ou ancorando os PLs ou dando mensagens claras de alinhamento. Está mudando a gestão do Banco Central, com mudanças profundas na presidências e em outros departamentos, e a incerteza deve ser a articulação do BC", o que pode atrasar o processo.
Também no escopo do Banco Central está o Drex, projeto de criação de uma versão digital do real e de uma nova infraestrutura para o mercado financeiro em blockchain. Cardoso ainda vê "desafios importantes" no projeto, com o principal sendo a questão de privacidade.
O dilema, comenta, é como "alinhar o uso de uma tecnologia que na essência é publica, que requer acesso à informação, com o que tem de lei de sigilo bancário e lei de proteção de dados. É preciso achar o tom entre os dois, e talvez precise de algum tipo de ajuste legislativo para o alinhamento".
"O grande benefício do Drex é poder interoperar com a vida privada, quer tem proteções de confidencialidade. Precisa ter essa segurança em termos de informação pra ter uma harmonia do ponto de vista de estrutura. Acho que poderemos ver esse movimento ano que vem", diz.
Indo além do Banco Central, a sócia do Lefosse acredita que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) deverá ser mais proativa em 2025 na regulação do mercado de criptoativos, em especial na área de tokenização.
"Devemos ter algum movimento de posicionamento maior sobre o tema, já com a lei de ativos virtuais, regulamentação de VASPs. Aí, a CVM pode talvez colocar alguma regulamentação, deixar algum permissivo maior nas ofertas públicas para se adequar à oferta de tokens. Ela iria perder uma grande oportunidade se não fizesse isso", defende.