Thamilla Talarico é sócia-líder de blockchain e ativos digitais da EY Brasil (EY/Divulgação/Divulgação)
Redação Exame
Publicado em 8 de março de 2024 às 09h30.
*Por Thamilla Talarico
O quanto é preciso endurecer para caber? O quanto é preciso se masculinizar para suceder? Essas perguntas ficaram pipocando na minha cabeça desde que recebi o convite para contar da minha experiência profissional como mulher.
Sou originalmente advogada, o ambiente jurídico da minha geração já era bem equilibrado do ponto de vista de gênero. Tive esse privilégio cedo na minha formação profissional, trabalhar com mulheres brilhantes e poderosas. Sempre quis ser uma.
Na minha atual prática de foco, ativos digitais e blockchain, temos um ecossistema de criptoativos cada vez mais feminino e um ambiente plural e aberto. Por ser fundamentalmente multidisciplinar e novo, é convidativo à diversidade, tanto de conhecimentos como de histórias. Acima de tudo, é sedento por novos entrantes, sejam eles quem forem.
No entanto, na interface com a indústria tradicional e o universo corporativo, a realidade muda. A desigualdade impera. A supremacia masculina é brutal. É raridade ter executivas em posições de liderança. No setor financeiro também, assim como no universo de tecnologia como um todo.
Estou diariamente em reuniões em que sou a única mulher da sala. Aprendi com o tempo e a repetição a lidar com essas situações sem constrangimento. Fui treinada para ser assim. Entendi logo que era uma skill importante no ambiente profissional. Mas não deveria ser. Saber se adaptar a ambientes masculinos só é um ativo porque durante anos, e até hoje, as lideranças foram repetidamente atribuídas aos homens.
Sou uma mulher branca, de classe média, privilegiada, com acesso à educação e saúde irrestritos ao longo da vida. Filha de uma mulher potente que me permitiu cedo a criar espaço para a minha voz e a nunca me sentir inferior a ninguém, independentemente de seu status social ou profissional.
Muito rápido compreendi que era preciso mascarar as dores em força, engolir as injustiças a seco e direcionar minha potência para invisibilizar as emoções, ao mesmo tempo que afundava a cabeça nos livros para que ninguém pudesse questionar meu valor técnico ou a posição profissional que alcançava.
No Dia da Mulher de hoje, aos 40 anos, bem-sucedida, mãe de um menino de 6, e sem a minha há 8, estou exausta. Exausta da cobrança interna e externa para conseguir lidar com tudo, para equilibrar vida pessoal e profissional, meus lados masculino e feminino, exausta de ser elogiada por ser guerreira, além de conflitada por ser parabenizada pela minha trajetória.
Honro a minha história, honro todas as mulheres que vieram antes de mim, todas as minhas contemporâneas na vida pessoal e profissional, que tanto me apoiaram, às vezes silenciosamente em uma sala de reunião cheia de homens com um simples olhar de sororidade, e outras explicitamente, com colo, abraços e palavras cheias de afeto de quem passa ou passou pelo mesmo.
Mas desejo e espero muito que possamos como sociedade criar um mundo em que meninas e mulheres de gerações mais novas não precisem se masculinizar ou se endurecer para caber. Um mundo em que mulheres trans, negras, indígenas, LGBTQIA+ e PCD tenham os mesmos privilégios que qualquer mulher, que nós, como coletividade feminina, tenhamos oportunidades equânimes às dos homens. E, acima de tudo, que ocupemos todos os espaços que quisermos, irrestritamente.
Que as ações afirmativas de gênero sejam reais e eficazes, que empresas não demitam suas funcionárias no retorno da licença maternidade, que não deixem de contratar mulheres que querem ser mães, que não soframos assédio sexual ou moral no ambiente de trabalho e na vida, que nenhuma mãe tenha que criar seus filhos sozinha, e que tenhamos liberdade sobre nossos corpos e mentes. Isso é o mínimo.
Desejo que o mínimo deixe de ser vangloriado e passe a ser a norma. Desejo que meninos e homens de gerações mais novas sejam aliados nessa luta, e que meus contemporâneos entendam sua posição de privilégio e revejam seus valores e atitudes passadas, presentes e futuras. E, como resultado disso, que nós mulheres não precisemos ter orgulho de, apesar de tudo e de todos, termos sucedido em uma sociedade misógina. O ideal é distante, o caminho até lá é longo, cansativo, mas inevitável. E não cabe só a nós.
*Thamilla Talarico é sócia-líder de blockchain e ativos digitais da EY Brasil
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