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Bruno Diniz: tendências e perspectivas para o mercado fintech em 2023

Após um ano turbulento para as startups, nos vemos diante de um novo ciclo de maior cautela por parte dos investidores, avanço dos bancos e oportunidades em nichos específicos

Descubra as principais tendências para o mercado fintech em 2023 (Getty Images/Getty Images)

Descubra as principais tendências para o mercado fintech em 2023 (Getty Images/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 19 de dezembro de 2022 às 15h04.

Última atualização em 19 de dezembro de 2022 às 15h22.

Por Bruno Diniz*

O ano de 2022 foi um grande “teste de estresse” para o ecossistema fintech brasileiro — que seguia em pleno processo de crescimento e amadurecimento. A deterioração da situação econômica global, o aumento da inflação e a consequente elevação das taxas de juro impactaram duramente as startups (sobretudo em suas rodadas de captação de recursos) e até mesmo as grandes empresas de tecnologia (com quedas acentuadas de suas ações listadas em bolsa).

Contudo, um importante sinal de real amadurecimento vem da reação, adaptação e recuperação desse ecossistema diante de um cenário complicado, algo que será colocado à prova daqui por diante.

Como uma das consequências já visíveis após a crise deflagrada em 2022 está o ajuste no valuation de várias fintechs nas rodadas de investimento que aconteceram neste ano (e, certamente, nas que virão). Hoje fica claro perceber que o mercado foi guiado por uma forte onda de euforia nos últimos anos, à medida que os investidores (locais e estrangeiros) brigavam para aportar cheques cada vez maiores, considerando projeções excessivamente otimistas. Assim que as premissas relativas à continuidade de um cenário econômico positivo mudaram, o choque foi grande.

O caso mais icônico talvez tenha sido o da Hash, fintech do segmento de Banking as a Service que levantou recursos na casa dos US$ 60 milhões de VCs internacionais e locais e, simplesmente, colapsou, deixando clientes, colaboradores e investidores à deriva. Um fraco controle de gastos, extravagâncias financeiras e a fé no fato de que os investidores continuariam aportando grandes recursos foram alguns dos elementos que levaram ao desastre que vimos este ano — algo que ligou o sinal de alerta para o mercado como um todo.

Somado a isso, houve uma diminuição do apetite de grandes investidores em razão de perdas em seus portfólios em escala global, sobretudo no caso do SoftBank e Tiger Global, fundos que financiaram algumas das maiores rodadas de investimento na América Latina nos últimos anos. Ainda não se sabe quem deve ocupar o espaço deixado por esses dois grandes players. De todo modo, esses são alguns dos fatos com os quais os empreendedores do setor terão de conviver em 2023.

Apesar do menor ritmo de investimentos em relação a 2021, o segmento fintech ainda foi o que atraiu o maior volume de capital dentre os demais segmentos (46% do total destinado às startups como um todo, segundo dados da consultoria Distrito referentes ao primeiro semestre). Há muitas oportunidades no Brasil e na América Latina para a criação de inovações que promovam maior inclusão e acesso da população aos serviços financeiros, mais do que na maioria dos demais lugares do mundo, por isso acredito que a má fase deve ser superada em um futuro não muito distante.

Olhando para o lado positivo, avançamos ainda mais no ponto de vista regulatório e de infraestrutura, com a contínua implementação do Open Finance, a consolidação do Pix e de sua agenda evolutiva, o avanço regulatório que vimos no mundo cripto (iniciado com a aprovação do Projeto de Lei nº 4.041/2021), no mercado de câmbio (através do novo marco regulatório previsto na Lei nº 14.286/2021) e em relação aos preparativos para a estreia do Real Digital (nossa moeda digital do Banco Central – CBDC) em 2024.

A seguir, veremos alguns desdobramentos da crise e dos avanços mencionados — e como eles impulsionarão tendências específicas em 2023.

Potenciais efeitos

O momento de crise atual gerou uma onda de demissões, os chamados “layoffs”, entre as startups de uma forma geral. Além delas, as bigtechs (como a Meta, Google e Twitter) também seguiram cortando funcionários e os benefícios que usavam para atrair talentos (como cursos gratuitos e outros mimos). Esse fato trouxe uma grande sensação de insegurança entre os colaboradores dessas empresas, incluindo as fintechs, e tem feito com que aqueles que foram desligados pensem duas vezes antes de retornar para uma startup.

Nesse contexto, players como os bancos e outras instituições financeiras tradicionais acabam despontando como principal opção desses talentos, bem como dos profissionais oriundos de alguns dos mais renomados cursos de MBA.

Vale lembrar que várias instituições tradicionais transformaram bastante sua cultura e seus ambientes de trabalho ao longo dos anos, incorporando práticas que fomentam a inovação por toda organização e criando estratégias cada vez mais claras e maduras para o investimento em startups, através dos seus fundos de Corporate Venture Capital (CVC).

Uma atuação mais forte dos bancos no financiamento, compra de participação e aquisição de fintechs em 2023 pode ser uma consequência natural desse avanço dos incumbentes somado ao cenário que se formou em 2022.

Outra estratégia que deve seguir ganhando corpo no mercado é o processo de construção e fortalecimento de ecossistemas de soluções (tanto financeiras quanto não financeiras) por parte dos bancos e fintechs, em um ritmo mais intenso de colaborações entre diferentes players e criação de iniciativas de “Beyond Banking”, que vão além dos serviços bancários e envolvem desde marketplaces (como Inter Shop, Itaú Shop, Loja BB e Shopping do Nubank) até serviços de telefonia (Inter Cel) e delivery (Inter Delivery).

No fim do dia, esse movimento permite com que bancos e fintechs sirvam seus clientes de forma mais ampla, ganhem mais “tempo de tela” de seus celulares e extraiam mais dados que servem como ingredientes na customização de ofertas.

Um maior refino desse entendimento do cliente, combinado com as possibilidades trazidas pelo Open Finance, abrem portas para novas formas de se experienciar os serviços financeiros, com maior contextualidade nas ofertas (o chamado Contextual Banking) e consumo das soluções em interfaces diversas, para além do aplicativo da instituição, apenas.

Ainda sobre as possibilidades do Open Finance, vemos em 2022 que boa parte do discurso sobre os benefícios dessa infraestrutura estiveram voltados ao campo incremental/operacional (como melhoria de taxas e condições das operações) do que no campo transformacional/experiencial (com impactos em interfaces e reinvenção da forma como lidamos com nossa vida financeira). Acredito que veremos uma maior experimentação nesse sentido no ano que vem, algo que deve impactar positivamente no crescimento da adoção por parte dos consumidores.

Olhando especificamente para o mundo das pessoas jurídicas, devemos testemunhar, enfim, a tangibilização do ERP Banking, onde as empresas poderão vivenciar um nível mais profundo de experiência financeira dentro das plataformas de gerenciamento empresarial, resolvendo diversas demandas em um só lugar, tendo suas necessidades inclusive antecipadas de maneira consultiva (e baseada em dados e inteligência artificial). Acordos como os que foram feitos entre Bradesco e SAP, Totvs e Itaú, e a aquisição da Linx pela Stone e da Linker pela Omie devem ganhar mais corpo e escala, desbloqueando essa possibilidade para uma crescente base de consumidores.

Em resumo, começaremos a ver, de maneira mais clara, caminhos para nos distanciarmos do provimento de serviços e produtos financeiros comoditizados, como foi padrão nos últimos anos. A oferta inteligente, contextual e que entrega valor de maneira holística para pessoas e empresas é o que decidirá o jogo daqui por diante — e o software acabará sendo o principal instrumento que tornará isso possível.

Potenciais rearranjos competitivos

Refletindo sobre algumas perspectivas de reconfigurações competitivas para o próximo ano, acredito que teremos o início de um processo de consolidação em alguns mercados — e abertura para novos competidores em outros — cabendo destaque para os seguintes segmentos:

  • Banking as a Service: com a entrada mais agressiva de alguns grandes bancos nesse segmento (como, por exemplo, o Itaú BBA e outros que estão se preparando para tal) a competição deve ficar ainda mais intensa. Algumas fintechs podem encontrar dificuldades de seguir adiante nesse contexto de crise e podem ser adquiridas ou se fundirem.
  • Neobanks: o alto custo de aquisição de usuários e um mercado repleto de alternativas deve tornar esse segmento difícil, trazendo um movimento de consolidação natural. A ordem do dia será entregar valor além do serviço financeiro básico que todo mundo já oferece. Até aqueles neobanks que surgiram com uma proposta nichada (como contas para jovens) sofrerão com alternativas vindas das fintechs (como Nubank, Inter e Next) e dos bancos (como Itaú, com o Player’s Bank e o Banco do Brasil, com o BB Cash).
  • Open Finance e Pix: uma grande porta de entrada se abriu para as bigtechs no contexto da iniciação de pagamentos com o Open Finance. Empresas como Meta (com o WhatsApp) e Alphabet (com o Google Pay) já possuem licença para serem Iniciadoras de Transação de Pagamentos (ITPs) e devem explorar possibilidades que podem alavancar fortemente seus ecossistemas na facilitação da nossa vida financeira. Vale lembrar que na Índia as bigtechs são importantes participantes do UPI (o sistema de pagamentos instantâneos local) e isso também poderá ser realidade por aqui também em breve. Ainda sobre o sistema de pagamentos instantâneos brasileiro, novidades como a modalidade Pix garantido (que permite o parcelamento de compras de forma nativa no Pix) deve fazer com que a briga desse meio de pagamentos com os cartões de crédito fique mais acirrada.

Os nichos promissores

Além das perspectivas apontadas acima, há alguns subsegmentos que devemos ficar de olho em 2023:

  • Câmbio: a possibilidade de exposição ao dólar e outras moedas estrangeiras sempre foi algo pouco acessível para a maior parte da população brasileira. A chegada de fintechs como a Avenue e a Nomad fizeram com que esse acesso fosse democratizado, quebrando um grande paradigma nesse mercado. Isso fez com que neobanks e grandes bancos prestassem mais atenção nessa oportunidade, motivando movimentos de criação de “contas globais” por diversos players, além de parcerias (como a que o Nubank fez com a Remessa Online) e compras de participação (caso que ocorreu com o Itaú e a Avenue). Agora, com um cenário econômico incerto adiante, a dolarização do patrimônio se tornou algo imprescindível para o investidor local, o que deve impulsionar iniciativas nesse segmento. Adicionalmente, tivemos a aprovação de um novo marco legal do mercado de câmbio, o que abre ainda mais espaço para criação de novas iniciativas.
  • Agro: algumas agrifintechs tiveram destaque em 2022, como a Traive e a TerraMagna, que se apresentam como alternativas para o financiamento do setor agrícola. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), há uma expectativa de alta nos custos de produção do agronegócio em 2023, juntamente com um aumento no custo do crédito para consumo, custeio e investimento. Nesse cenário, o crédito privado deve se consolidar como alternativa para o agricultor financiar sua produção nas próximas safras. Há oportunidades para players que consigam mitigar riscos na concessão de crédito agrícola através do uso de dados e novas ferramentas.
  • Benefícios corporativos: do ponto de vista de desenvolvimento de um ecossistema de soluções para clientes de bancos e fintechs, os benefícios corporativos são uma poderosa ferramenta. Nesse caso, estamos falando não só do crédito consignado e do vale alimentação, mas também do salário sob demanda, no qual o colaborador tem opção de receber pelos dias já trabalhados, antes da data oficial do recebimento. Escrevi sobre o tema em um artigo sobre Payroll Fintechs, aqui na minha coluna na Exame.
  • Back-office e automação financeira: apontei essa tendência no ano passado e sigo acreditando nesse mercado, onde vemos iniciativas em segmentos não muito sexy, mas que seguem sendo uma grande dor para empreendedores, pois estão relacionadas à complexidade e alto custo incorrido pelas empresas para realizar atividades internas e burocráticas com qualidade. Aqui, vemos tanto iniciativas que focam nas PMEs e Startups, como outras mais sofisticadas, mirando o back-office de gestoras de investimentos, bancos e outras fintechs.
  • Educação: em diferentes aspectos, entendo que teremos um impulso em iniciativas voltadas à educação. Primeiro em relação à educação financeira, com a criação de mais ferramentas por parte das fintechs e dos bancos para melhorar o entendimento dos seus clientes sobre sua vida financeira, usando o Open Finance e a inteligência artificial para isso. A outra forma é na educação dos colaboradores, especialmente em habilidades ligadas a tecnologia. Alguns bancos estão realizando parcerias com instituições de ensino ou criando os seus próprios braços educacionais para formar seus programadores e cobrir gaps dos talentos atuais. E, por fim, uma maior atuação no financiamento à educação através das Edfintechs, que ainda são insuficientes para o tamanho desse mercado no país.
  • Criptoeconomia: por mais que estejamos passando por um “inverno cripto” muitas instituições seguem avançando na utilização da infraestrutura Blockchain para aumentarem sua eficiência e diminuírem custos via tokenização de ativos, temática que ganhou até um grupo de trabalho próprio dentro do Banco Central. Além disso, alguns players estão realizando testes com o Real Digital no laboratório LIFT, que é coordenado pela Fenasbac em parceria com o regulador. Instituições como o Itaú criaram unidades próprias de ativos digitais e outros players devem acelerar esse movimento em 2023. É esperado também que mais empresas lancem suas próprias criptomoedas (como foi feito pelo Nubank e Mercado Livre), explorando casos de uso iniciais em programas de fidelidade — e que, certamente, ganharão uma usabilidade maior dentro de seus próprios ecossistemas. A utilização das finanças descentralizadas (DeFi) em conjunto com as finanças tradicionais (TradFi) deve acontecer de maneira mais intensa, reforçando a convergência entre esses dois mundos, conforme escrevi nessa coluna anteriormente.

Diamantes são produzidos em altas temperaturas e pressão

O panorama para o próximo ano se mostra bastante desafiador e tem todos os elementos para ser uma continuação do teste de fogo visto em 2022. Um ambiente assim é, sem dúvida, doloroso para os empreendedores e todo ecossistema.
Contudo, são em momentos como esse que presenciamos o Darwinismo em sua essência, separando as iniciativas aptas a sobreviverem das demais. Esse é o grande teste de resiliência, o momento de reconfiguração de mesa e da consagração daqueles que melhor se adaptaram. O jogo acaba de ficar mais difícil e competitivo, e o mercado fintech sairá mais forte e sustentável depois dessa tormenta.

*Bruno Diniz é sócio da Spiralem Innovation Consulting e diretor da Financial Data & Technology Association (FDATA) para a América Latina. Considerado um dos principais influenciadores do segmento fintech no país, Diniz é também professor de inovação voltada para o mercado financeiro na USP/Esalq, palestrante e autor dos best-sellers O Fenômeno Fintech e A Nova Lógica Financeira.

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