A queda do mercado cripto derruba tese do bitcoin como 'ouro digital'?
Tese sobre uso do bitcoin como alternativa ao ouro é questionada em momentos de volatilidade e especialistas explicam se criptomoeda de fato poderá ser usada como reserva de valor
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 24 de fevereiro de 2022 às 16h10.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2022 às 16h30.
Já faz tempo que investidores de criptomoedas afirmam que o bitcoin é uma espécie de "ouro digital". O nome faz referência ao uso da criptomoeda como reserva de valor, papel que historicamente coube ao metal precioso. No entanto, em meio aos conflitos entre Rússia e Ucrânia, enquanto o bitcoin despenca, o ouro segue em alta, colocando em dúvida a tese da criptomoeda como o "ouro digital".
Nos últimos 30 dias, quando começou a crescer a tensão entre Rússia e Ucrânia, o ouro acumula alta de 4,75%, enquanto, no mesmo período, o bitcoin perdeu 3,25% do valor. Nesta quinta-feira, 24, quando a guerra de fato foi iniciada pelas forças russas, o bitcoin caiu 6,6%, enquanto o ouro teve alta de 0,8%.
Para especialistas, entretanto, ainda é cedo para dizer que a tese do "ouro digital" é inválida. "É uma tese, ou seja, ainda há um longo caminho a ser percorrido. O Bitcoin é uma nova tecnologia e com isso ainda existe muita incerteza sobre o futuro. Como ativo, ainda está em um estágio inicial de adoção e à medida que passa a ser mais utilizado e adotado, a tendência é de que a sua volatilidade diminua e que as pessoas comecem a enxergar o bitcoin como uma reserva de valor, um porto seguro para seu capital. Esse é um processo que necessariamente acontece com qualquer ativo que se transformou em uma reserva de valor", explicou o head de Digital Assets do BTG Pactual, André Portilho.
Opinião parecida tem Vijay Ayyar, vice-presidente da corretora cripto Luno, que afirmou que ainda é cedo para pensar no bitcoin como uma versão digital do ouro: "O bitcoin ainda está no início da sua curva de maturação para ser colocado na categoria de 'ouro digital'.
Já para João Paulo Mayall, cofundador da gestora QR Capital, a comparação entre as performances recentes do bitcoin e do ouro é equivocada e esses números contam apenas uma parte da história: “Mesmo com a valorização recente de curto prazo, o ouro é um ativo histórico, e seria importante analisar prazos mais longos. Por exemplo, o ouro continua 8,27% abaixo da sua máxima histórica em dólar, em 10 de agosto de 2020, quando a inflação global ainda não assustava como hoje em dia e em um período que ativos de risco sofriam por conta da pandemia. Observando um prazo maior, isto é, a alta máxima em dólar de 11 anos atrás, a onça troy ainda negocia 75 bps negativa, mesmo com o agregado monetário do dólar (M2) subindo 131%”.
“Analisando o bitcoin nestes mesmos períodos, temos uma valorização de 226% em dólar desde 10 de agosto de 2020 e 398.807% desde a alta máxima do ouro, em 2011. Olhando esses números, podemos concluir que depende muito do período analisado e esta alta recente do ouro pode não ter correlação com a fuga [de capital] de ativos de risco”, completou.
A utilização do bitcoin como reserva de valor é uma tese bastante difundida, mas não faz parte da proposta criada por Satoshi Nakamoto quando desenvolveu a criptomoeda. O bitcoin foi criado para ser um meio de pagamento e oferecer um sistema financeiro alternativo. Suas características, entretanto, o fizeram ganhar esse status de uma possível reserva de valor.
Isso acontece principalmente porque, como o ouro, o bitcoin é escasso, e ambos têm sua oferta limitada - no caso do bitcoin, 21 milhões de unidades; no caso do ouro, o quanto existirem nas reservas naturais e já extraídas. Além disso, como o ouro, o bitcoin não está sujeito à decisões políticas e econômicas que poderiam impactar na sua oferta, como acontece com o dinheiro, que pode ser impresso a depender única e exclusivamente da vontade de governos.
Apesar disso, ainda é cedo para comparar o bitcoin com o ouro por diversas razões. Em primeiro lugar, o ouro circula como um objeto de valor há milhares de anos, enquanto a criptomoeda tem apenas 13 anos de existência. Depois, os mercados têm tamanhos muito distintos: enquanto a capitalização do bitcoin gira em torno de 700 bilhões de dólares, a do ouro, contando reservas ainda não exploradas, é de mais de 12 trilhões.
A diferença no valor de mercado, somada ao comportamento especulativo de boa parte dos investidores, faz com que a volatilidade da criptomoeda seja muito mais acentuada, já que se grandes investidores venderem (ou comprarem) bitcoin simultaneamente, a proporção em relação ao market cap total será muito maior, e, portanto, também a oscilação de preço.
“A correlação entre cripto e ações tem sido alta nos últimos meses tanto em notícias macro relacionadas à inflação quanto na situação geopolítica Rússia-Ucrânia”, disse Chris Dick, trader quantitativo da B2C2, à CNBC. “Essa correlação mostra que o bitcoin está se comportando como um ativo de risco no momento – não o porto seguro que foi anunciado alguns anos atrás”.
MicroStrategy pode ter papel fundamental na consolidação (ou não) da tese
Para Ki Young Ju, CEO da plataforma de análise de blockchain CryptoQuant, a MicroStrategy e outros grandes investidores poderão desempenhar papel fundamental na consolidação, ou não, da tese do bitcoin como reserva de valor.
“Acredito que podemos detectar preventivamente a atividade de venda das baleias por meio da rede. Meu ponto é que a narrativa do 'ouro digital' ainda é válida enquanto essas instituições mantiverem suas posições de bitcoin”, escreveu, no Twitter, reforçando que, caso grandes investidores como a MicroStrategy decidam se desfazer das suas criptomoedas, aí sim a tese do bitcoin como reserva de valor poderá ser questionada.
Empresa que mais comprou a criptomoeda com sua reservas, totalizando mais de 124 mil unidades do ativo, o que equivale a quase 4,5 bilhões de dólares, a MicroStrategy e seu CEO, Michael Saylor, são parte dos que apostam que o bitcoin pode ser um porto seguro para investidores, em alternativa ao ouro.
Para Young Ju, ainda não há nenhum dado que refute essa tese: "Nenhuma atividade 'on-chain' significativa durante essa crise da guerra. Instituições que compraram bitcoin via transações 'on-chain' parecem ainda não terem vendido suas posições. Instituições que executam robôs de negociação acham que o bitcoin é como ações de tecnologia. Eu prefiro permanecer até que Michael Saylor decida vender bitcoin", publicou.
No momento, o bitcoin é negociado em queda de 6,7% nas últimas 24 horas, chegando ao total acumulado de -24,6% em 2022. Desde que a invasão da Rússia à Ucrânia foi confirmada, centenas de milhões de dólares foram retirados do mercado cripto, fazendo com que o preço de quase todos os ativos digitais despencasse.
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