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O que Marrocos tem a seu favor na Copa do Catar?

Time é o primeiro grupo árabe a chegar em uma semifinal de Copa; seleção enfrenta a França nesta quarta-feira

 (Anadolu Agency/Getty Images)

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Mariana Martucci

Mariana Martucci

Publicado em 10 de dezembro de 2022 às 09h00.

Última atualização em 14 de dezembro de 2022 às 15h01.

Os souks costumam ser o ponto alto de qualquer viagem ao Marrocos. Em um dos maiores mercados a céu aberto da África, a atmosfera agitada, as barganhas e as paredes vermelhas se mesclam com o ar desértico da cidade e fazem dele um grande centro de trocas culturais e comerciais. Mesmo que você não planeje comprar nada, é fácil se perder neste labirinto de sensações. 

O principal mercado de Marrakesh, antiga capital do país, está localizado dentro da Medina — perímetro "murado" —, no coração da cidade. Os enormes portões, que foram construídos por volta de 1070, ainda estão lá. E desde então, todos os tipos de figuras, como macacos, encantadores de serpentes, acrobatas e músicos se encontram nesta praça.

Para comprar algo no souk, é preciso pechinchar. É uma espécie de coreografia entre o comprador e o vendedor. Você tem que se deixar levar por essa convenção social e aproveitar o pouco de diversão que ela traz. O vendedor geralmente reconhece de onde você vem e conversa com você em seu próprio idioma sem nenhum problema. Bom humor e piadas tornam tudo mais agradável — e que os brasileiros já estão acostumados.

É altamente recomendável não mostrar interesse por um determinado item, mas sim passear pela barraca e verificar diretamente a qualidade dos produtos. Parecer saber os preços ou saber algo sobre materiais irá beneficiá-lo. Deixe-os dizer o preço primeiro e divida por dois ou até três, pois esse será o valor mais adequado para negociar.

Não tem segredo: você vai ter que andar por um, dois, três dias até conseguir absorver um terço de toda aquela informação. Você pode ir acompanhado com alguém que já conhece ou esperar um jogo de futebol da seleção marroquina. Poucas vezes é possível presenciar o souk tão silencioso e com uma desordem tão organizada.

Com uma cultura altamente verbal, é natural que os vendedores estejam sempre conversando com os turistas e compradores em potencial, mas o tema futebol sempre rouba a cena. Semelhante ao Brasil, o futebol no Marrocos promove um senso de comunidade entre a população, principalmente durante o maior evento futebolístico do mundo, a Copa do Mundo.

Mas, muito além da Copa, o amor dos marroquinos por futebol vem de algum tempo. Desde artistas, crianças e idosos — e até mesmo guias espirituais — falam a língua dos esportes. E o amor não se restringe à seleção nacional. Com o multiculturalismo da sociedade marroquina, a paixão se estende também aos times da liga europeia e aos latino-americanos. Sempre que um turista diz ser do Brasil, é inevitável falar sobre Neymar. 

O Marrocos não é favorito nesta Copa do Mundo, mas ser o primeiro time de maioria árabe a se classificar para as quartas de final já emocionou seus torcedores e familiares. Eles também despontaram como o segundo time de muito torcedor mundo afora. A vitória do Marrocos contra Portugal foi a quinta vez nesta Copa que uma seleção árabe derrotou um favorito em campo. A Arábia Saudita venceu a Argentina na fase de grupos, a Tunísia venceu a França e o próprio Marrocos derrotou a Bélgica e a Espanha. 

(picture alliance/Getty Images)

Em um momento em que líderes se dividem em temas que antes os uniam, muitos árabes e norte-africanos, que compartilham uma língua, religião e orgulho sobre sua história — que perpassa as injustiças causadas pelo Ocidente —, se uniram em uma grande alegria inter-regional. Quando a seleção marroquina venceu a Espanha nas oitavas de final da Copa, o rei do Marrocos vestiu sua camisa vermelha e agitou a bandeira nacional — assim como o emir do Catar e o maior líder xiita do Iraque. A Torre do Cairo, no Egito, ficou iluminada com as cores vermelha e verde. 

Mas há outro elemento na poção mágica que carrega as esperanças do Marrocos: as multidões de torcedores marroquinos que fizeram dos estádios do Catar sua segunda casa. Pelo menos 15.000 marroquinos vivem no país e outros milhares, de todo o mundo, viajaram para a primeira Copa do Mundo sediada por árabes. Antes do confronto das oitavas de final contra a Espanha, a demanda por ingressos foi tão alta que a federação marroquina de futebol comprou 5.000 credenciais extras para os torcedores.

Além das multidões

A seleção do Marrocos tem um aspecto único: não é sempre que, em jogos profissionais, você encontra mães de jogadores acompanhando seus filhos nos estádios — e até mesmo ficando com eles no hotel. Também é difícil ver mães beijando as bochechas de seus filhos após um gol na Copa do Mundo. Mas tudo isso é realidade para os marroquinos. 

Depois que a seleção marroquina venceu a favorita Bélgica na fase de grupos, o zagueiro do Paris Saint-Germain Achraf Hakimi foi correndo em direção à sua mãe nas arquibancadas. O abraço e o beijo na bochecha viralizaram nas redes sociais. Após o jogo, o atleta de 24 anos postou uma foto do momento em seu Instagram com a legenda: "Eu te amo, mãe".

A mãe de Hakimi não é a única que viajou para o Catar para apoiar seu filho. Por indicação do treinador Walid Regragui e do presidente da Federação Marroquina de Futebol, Fouzi Lekjaa, os familiares da equipe marroquina têm direito a uma viagem com tudo incluído ao Qatar. E para os escolhidos, essa pode ser uma oportunidade única na vida. 

Apesar da empolgação dos árabes, a chance não é para todos. Embora a Copa seja geograficamente próxima para muitos torcedores muçulmanos, os altos custos são um problema. No Marrocos, as autoridades anunciaram voos subsidiados para o Catar, mas ainda custam cerca de US$ 760. Para muitos marroquinos que participaram da Copa do Mundo de 2018, o desconto não é incentivo suficiente para este ano. 

A Copa do Catar acaba reforçando algo que sempre aconteceu: apenas os torcedores mais ricos conseguem viajar até o evento. Para driblar os obstáculos financeiros, a solução é acompanhar os jogos pela TV. E a solução traz efeitos que superam a paixão pelo futebol. Além de aprenderem mais sobre o assunto, assistir às partidas pode ser uma forma de educação informal para muitos marroquinos, que acabam aprimorando suas habilidades no idioma árabe ouvindo repórteres esportivos — já que muitos nunca foram à escola.

Diáspora marroquina

Ao todo, 137 jogadores da Copa do Mundo deste ano representam um país diferente daquele em que nasceram. Isso inclui 14 dos 26 jogadores do elenco marroquino, tornando o time o mais dependente de talentos da diáspora das 32 nações que competem no Catar.

No entanto, embora tal cenário possa, em teoria, complicar a química da equipe, já que os jogadores têm diferentes formações, essa mistura parece ter funcionado para o Marrocos. Segundo os pais dos jogadores, os atletas que não são do país são ainda mais fervorosos que alguns que são de casa.

(Anadolu Agency/Getty Images)

Conflito de tradições

Uma das tradições que mais chamam atenção no Marrocos são os azulejos zellige. Tratam-se de ladrilhos de barro polido pequenos e perfeitamente imperfeitos que revestem as paredes e pisos da cidade. Cada um único: formas intrincadas cortadas em uma explosão de cores e geometria complexa.

Em setembro deste ano, a Adidas esteve no centro de uma polêmica após o lançamento do novo uniforme da Argélia, quando foi acusada de apropriação cultural. O uniforme era estampado com formas geométricas azuis e amarelas, que a marca dizia ser uma  uma homenagem a um dos marcos mais famosos da Argélia, o Palácio Mechouar.

Porém, autoridades marroquinas argumentaram que o design é semelhante ao zellige, um estilo de mosaico marroquino, e pediram que a marca mudasse os desenhos do uniforme. 

Os dois países já tiveram tensões políticas entre si ao longo de várias décadas, incluindo a Guerra da Areia de 1963, um conflito de fronteira que durou vários meses. Em campo, a última vez que se enfrentaram foi em dezembro de 2021 - uma vitória nos pênaltis para a Argélia após um empate em 2 a 2 na Copa Árabe, que eles venceram.

(Adidas/Reprodução)

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