Um salto para os catadores e a economia circular no Brasil
Se o potencial de geração de resíduos supracitado for reaproveitado em percentuais significativos na perspectiva da economia circular, nosso país se tornará uma referência
Redação Exame
Publicado em 1 de abril de 2023 às 08h00.
Depois de um tempo de baixo protagonismo, os catadores e a reciclagem estão de volta às conversas de primeiro escalão, com transversalidade de ministérios, no Brasil. Simbolicamente, o primeiro passo foi na posse do atual presidente e ganhou um movimento importante com os últimos decretos que recuperam o antigo Programa Pró-Catador, extinto no governo passado, e o que revoga o Recicla +, inserindo novos instrumentos ao crédito de reciclagem que permitem, por exemplo, antecipar investimentos de uma massa futura de recicláveis à ser recuperada.
As iniciativas representam um salto importante para o fortalecimento socioeconômico desse segmento de trabalhadores, estimado em aproximadamente 1.000.000 de trabalhadores segundo a Associação Nacional dos Catadores - ANCAT, assim como impulsiona a economia circular e a operação de logística reversa, essenciais para uma ambição genuína de desenvolvimento sustentável.
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De acordo com o último Panorama dos Resíduos Sólidos do Brasil, realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), os brasileiros produziram mais de 81 milhões de toneladas de resíduos. Contudo, ainda reciclamos muito pouco. Em outro levantamento, a Abrelpe apontou que apenas 4% dos resíduos sólidos que poderiam ser reciclados são destinados a essa operação.
Se o potencial de geração de resíduos supracitado for reaproveitado em percentuais significativos na perspectiva da economia circular, nosso país se tornará uma referência fundamental no que tange não somente aos aspectos ambientais decorrentes de tal iniciativa, mas também pela capacidade de desenvolvimento de uma nova cadeia de valor capaz de gerar inclusão social e econômica da pobreza urbana.
Outro desafio está no tamanho do nosso território, com regionalizações específicas e disparidades de infraestrutura capazes de permitir a recuperação desses materiais. Faltam coisas simples, como logística e infraestrutura para a coleta seletiva e um descarte conectado à lógica da economia circular. Ou seja, é necessário a construção de uma cadeia produtiva da circularidade de resíduos adaptada a particularidade de um país do tamanho e da complexidade do Brasil.
Para tanto, precisamos seguir caminhando e, se possível, cada vez mais rápido, sem perder a capacidade de construir uma visão estratégica do tema a médio e longo prazo. Nesse processo – que ainda é de experimentação e aprendizagem – precisamos reforçar as ferramentas de educação e comunicação para conseguirmos engajar. Existe um desafio real de passar o conhecimento, principalmente para as novas gerações que, inclusive, serão peça chave nessa transformação.
Neste percurso, que ainda se faz longo, contar com o apoio de esferas relevantes do governo podem acelerar o passo. Na iniciativa privada, por exemplo, temos visto grandes indústrias criando planos e ações de sustentabilidade. Para avançarmos ainda mais, estas precisam abraçar, através de parcerias, as pequenas e médias empresas. Esse seria um movimento importante, pois é preciso dar as mãos.
Dentro desse ecossistema de negócios, é necessário fortalecer a governança para todos, que todo ator da cadeia seja valorizado de forma justa. A visibilidade dos catadores pode ser um salto importante na economia circular e a digitalização das cooperativas – já em curso em associações nacionais da categoria – pode transformar esse cenário com celeridade.
Para um programa de logística reversa eficiente, a tecnologia é uma grande aliada. Garantir a rastreabilidade dos resíduos, desde o momento do consumo até as cooperativas de reciclagem e, destas, até as indústrias indicadas para transformá-los em matéria-prima novamente, é um salto qualitativo que está sendo implementado, aos poucos, com iniciativas pontuais, mas importantes.
Não basta apenas encaminhar os resíduos para a reciclagem. É importante medir e rastrear todo e qualquer resíduo descartado. Isso possibilita métricas que vão gerar dados e análises sobre os produtos – para onde eles vão, quanto custam, quais os benefícios sociais e ambientais inclusive quantas toneladas de carbono deixarão de ser emitidas com essa reutilização. Isso aconteceu, por exemplo, no Rock in Rio Brasil 2022 e durante o Carnaval, em algumas cidades, como Recife, São Paulo e Rio Janeiro.
O impacto econômico do uso da tecnologia da rastreabilidade ainda é algo que estamos mensurando em sua grandeza. Ela gera transparência ao negócio e ajuda no combate ao greenwash. Além disso, do ponto de vista do trabalho dos catadores, agrega valor aos produtos comercializados uma vez que a triagem qualificada dos materiais recicláveis atende às exigências de sustentabilidade das empresas. A digitalização do trabalho das cooperativas de catadores melhora a gestão das operações, ainda proporciona maior confiabilidade, com a emissão de documentos importantes, notas fiscais, manifestos de transporte de resíduos, controle de qualidade e registros dos fardos rastreados.
Em setembro de 2022, estive na Semana do Clima em Nova Iorque e, em dezembro, na Expocatadores em São Paulo. Em ambos, constatei melhor a nossa caminhada. Estou convencido que a perspectiva da economia circular será igualmente perseguida como é atualmente a questão do carbono, pois encontram-se em estreita conexão. O caminho que está sendo construído pelo Brasil em transformar a estratégia de economia circular numa estratégia também de combate à pobreza extrema é singular no mundo e reforça a vocação da nossa nação em construir soluções criativas para problemas complexos, podendo ser reproduzida para outros países e continentes.
*Humberto Bahia é CEO das Startups Reutiliza Já e Vai Fácil