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Fernanda Simon, fundadora da Fashion Revolution: "Quando entendi a urgência da crise climática, ficou claro que o modelo tradicional da moda não se sustentava" (Reprodução / Redes sociais)
Repórter de ESG
Publicado em 27 de dezembro de 2025 às 08h00.
A indústria da moda enfrenta um paradoxo difícil. Responsável por até 8% das emissões globais de gases de efeito estufa, o setor segue avançando lentamente na divulgação de dados básicos sobre impactos ambientais e sociais.
É o que revela um levantamento recente da Fashion Revolution, justamente em um momento de maior pressão por ações climáticas concretas após a COP30.
Para Fernanda Simon, diretora executiva da organização, essa "omissão" deixou de ser apenas um problema reputacional e se torna hoje o maior risco dos negócios do setor.
“Transparência deixou de ser discurso e virou condição de mercado”, afirmou em entrevista à EXAME.
Formada em design de moda, Fernanda percebeu ainda na faculdade que estava sendo preparada para atuar em um modelo tradicional orientado à venda de produtos, sem diálogo com os limites planetários. O contato com a ciência a fez abrir os olhos para a emergência climática, o que foi decisivo para mudar de rota.
“Quando entendi a urgência da crise climática, ficou claro que o modelo tradicional da moda não se sustentava", contou.
A inquietação a levou para o terceiro setor e, em 2008, para a Europa, onde teve contato com os primeiros movimentos de Slow fashion ainda embrionários, mas já críticos à lógica dominante da indústria.
De volta ao Brasil, fundou o Fashion Revolution, movimento global de ativismo que lidera há 12 anos e hoje conta com mais de 800 voluntários para ampliar o debate sobre temas estruturais da moda, como raça, gênero, clima, direitos trabalhistas e uso matérias-primas.
Uma das principais ferramentas é o Índice de Transparência da Moda Brasil, na qual a edição mais recente lançada às vésperas da conferência climática em Belém, [grifar]escancarou o tamanho do desafio.
O estudo analisou 60 marcas que operam no país e encontrou uma pontuação média de apenas 24% em transparência climática.
Mais da metade delas ficou abaixo de 20%, e 27 empresas não divulgaram nenhuma informação básica sobre emissões de gases de efeito estufa, uso de energia renovável ou estratégias de proteção aos trabalhadores da cadeia produtiva.
No topo do ranking, marcas como Renner e Youcom atingiram 76% de transparência climática, seguidas por Adidas, Ipanema e Melissa, com 65%. Para o Fashion Revolution, os resultados mostram que, apesar dos avanços ainda serem pontuais, já existem práticas replicáveis no mercado brasileiro.
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Segundo a especialista, o dado mais alarmante não é apenas ambiental, mas de governança.
“Sem transparência, a empresa não consegue gerenciar risco climático, regulatório nem reputacional. E isso afeta diretamente a competitividade", destacou.
Na avaliação de Fernanda, o principal desafio do setor é lidar com a complexidade — e a opacidade — de uma cadeia produtiva longa, fragmentada e altamente dependente de recursos naturais e humanos.
Da extração da fibra ao pós-uso, a moda consome grandes volumes de água e energia, além de manter forte dependência de combustíveis fósseis.
“A maior parte das roupas ainda é feita de materiais sintéticos derivados do petróleo. Sem dados, não há como reduzir emissões nem planejar a descarbonização.”
A dimensão social agrava o cenário. Historicamente apoiada em mão de obra feminina, muitas vezes precarizada, a indústria da moda ainda falha em integrar direitos humanos à agenda climática. No índice, 65% das marcas zeraram em critérios de transição justa.
“Falar de justiça climática é falar de justiça de gênero. Quem está na base da cadeia sente primeiro os impactos da crise", lembrou a executiva.
Outro desafio é referente à expansão do fast fashion e a entrada de produtos importados sem rastreabilidade no Brasil, o que amplia os riscos do setor, pressionando preços e dificultando a valorização de cadeias mais éticas.
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Ainda assim, ela vê sinais de mudança, especialmente entre empresas que começam a tratar clima como estratégia "e não como marketing".
“Sustentabilidade não é mais diferencial. É condição de permanência no mercado", acrescentou.
É a partir desse diagnóstico que a diretora projeta as principais tendências da moda para 2026 — que, segundo ela, não são escolhas, mas "respostas obrigatórias" a um contexto de crise climática, pressão regulatória e mudança no comportamento de consumidores e investidores.
A primeira delas é a transparência, impulsionada por exigências de mercado e cadeias globais de fornecimento mais rigorosas.
“Transparência hoje é infraestrutura. Sem isso, a empresa não opera em mercados mais maduros.”
A segunda aposta é a circularidade, pensada desde o design do produto até soluções para o pós-consumo como em materiais mais sustentáveis, um dos gargalos da indústria.
“Não existe descarbonização sem repensar produto", frisou.
A terceira é a sociobioeconomia, vista como uma vantagem competitiva brasileira. Para Fernanda, integrar biodiversidade, saberes locais e geração de renda aos modelos de negócio será decisivo nos próximos anos.
“O Brasil pode liderar uma nova lógica de valor para a moda, conectando biodiversidade, clima e desenvolvimento local", afirmou.
Nesse contexto, ela cita o cânhamo como uma oportunidade ainda pouco explorada.
Fibra natural, de baixo impacto ambiental e benéfica para o solo, o material enfrenta entraves regulatórios no país. Por ser associada à maconha, seu cultivo é proibido e a especialista reforça que a medida trava investimentos e inovação no setor têxtil.
Por outro lado, é amplamente usada na Europa, nos EUA e na China, com resultados promissores.
“É uma solução ambientalmente inteligente. Manter sua proibição é abrir mão de competitividade", lamentou.
Para 2026, sua mensagem é direta: em um setor cada vez mais pressionado por clima, regulação e capital, marcas que não avançarem em transparência, circularidade e transição justa tendem a perder espaço. Na moda, como em outros segmentos da economia, o futuro será menos sobre volume e "escala", e mais sobre valor.