ESG

Saskia Bruysten, da Yunus: negócio ideal lucra e resolve problemas sociais

Em entrevista à EXAME, a cofundadora e CEO da Yunus Social Business, Saskia Bruysten, explica como grandes empresas, investidores e empreendedores ganham ao buscar resolver problemas sociais e ambientais

Saskia Bruysten, cofundadora e CEO da Yunus Social Business  (//Divulgação)

Saskia Bruysten, cofundadora e CEO da Yunus Social Business (//Divulgação)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 6 de fevereiro de 2022 às 08h00.

Cocriar e acelerar negócios de impacto para endereçar e resolver os problemas mais complexos da sociedade tem sido a missão da Yunus Social Business, desde sua fundação por Muhammad Yunus e Saskia Bruysten. Para comemorar uma década de existência Saskia, que também é CEO, deixou temporariamente a sede da organização em Berlim para visitar países estratégicos como o Brasil, onde esteve na primeira semana de fevereiro.

Em sua passagem pelo país, ela visitou a projetos e negócios com os quais a empresa está associada, além de cumprir agendas online com executivos como Paul Polman, presidente global da Unilever e também um dos grandes porta-vozes sobre negócios sociais no mundo.

"Se queremos mudar a economia, temos que mudar as companhias também. Trabalhamos para inovar no modo como elas trabalham, como compensam e auxiliam as pessoas, e mais. Os negócios sociais são o caminho ideial para a lucratividade e bem-estar do planeta", diz Saskia Bruysten em entrevista à EXAME.

No Brasil, a Yunus Negócios Sociais, tem atuado por meio de duas frentes: A Yunus Corporate Innovation, que apoia grandes empresas a criarem estratégias de inovação social conectadas às suas vocações, ajudando-as a buscar soluções para os problemas mais urgentes que afetam as pessoas e o planeta.

E com a Yunus Investimentos, que atua na outra ponta desse espectro: diretamente com empreendedores, em negócios que já nasceram orientados para o impacto social e precisam crescer. A Yunus Investimentos faz aporte financeiro e fornece suporte pós-investimento com foco na maximização do impacto desses negócios de alto poder de transformação.

No mundo, a organização, que atua também em países como Índia, Uganda, Quênia e Colômbia, já impactou globalmente 47 milhões de pessoas por meio dos negócios sociais investidos em seu portfólio e projetos de inovação social com grandes corporações. Veja a seguir a entrevista com a executiva.

A Yunus está completando dez anos, quais são as principais evoluções desta década?

Começamos o nosso trabalho acionando uma rede de contatos com pessoas que tinham algum propósito nos negócios e mesmo assim era difícil encontrar quem realmente entendia de negócios sociais, pois achavam que a resolução dos problemas era trabalho para ONGs e governos. Isto mudou muito e agora, em geral, as pessoas entendem porque trabalhar com negócios sociais, mas nem sempre sabem como faze-lo.

Nos últimos três anos, especialmente desde a pandemia da covid-19, vi mais companhias globais anunciando metas importantes, acompanhando a COP26, em Glasgow na Escócia, e almejando ser NetZero até 2030. Dez anos atrás esses temas não tinham tanta força, mas agora estamos no momento de entender como colocar os compromissos em prática.

Como a Yunus ajuda nas práticas?

Para começar, nós mostramos que não basta reduzir o problema, o ideal é entender como o seu negócio pode ter impacto negativo e quais oportunidades isto pode gerar. Por exemplo, temos no nosso portfólio a AXA Emerging Customers, uma empresa que viu a oportunidade de oferecer seguro para comunidades de baixa renda, aqueles que estão abaixo da classe média e são os que mais sofrem com problemas de crise climática.

Com o modelo de negócio de baixo custo, eles conseguem oferecer seguros para 22 milhões de pessoas em todo o mundo, desde pequenos comerciantes de varejo aos pequenos agricultores, etc. Assim, eles resolvem um problema de quem mais precisa, geram segurança e lucram.

No Brasil, um exemplo é a fabricante de bebidas Ambev, com a marca de águas Ama. O projeto que nasceu conosco em 2017, com o objetivo de garantir água de qualidade aos brasileiros que sofrem com a falta desse recurso, começou pelo semiárido, onde foi possível levar água a 57 comunidades de 38 municípios, com mais de 223 mil pessoas beneficiadas.

Neste modelo de negócio, todo o lucro da venda da água é doado para levar água a quem não tem. Já a NeoQuímica escolheu, por exemplo, pelo o investimento em projetos de inovação. Em uma das rodadas do NeoAcelera foi criado um jogo para impedir o avanço de Alzheimer entre os idosos.

Como as empresas podem se conectar com a Yunus?

Temos um escritório no Brasil, comandado por Tulio Notini, diretor da divisão de Corporate da Yunus Social Business Brasil, e estamos nos conectando com companhias. Começamos esse trabalho com workshops e conversas para entender se o melhor modelo é criar seu negócio social, investir em negócios sociais ou comprar de empreendedores com negócios de impacto. A varejista sueca Ikea, por exemplo, tem um programa no qual eles desenvolvem produtos e serviços para expandir os negócios dos empreendedores sociais e aumentar o impacto.

Qual o papel dos empreendedores nos negócios sociais?

Com o avanço dos negócios sociais, os empreenderes podem se sair muito bem sendo apoiados por empresas, como falamos anteriormente, mas também com inovações de propósito, que dão valor aos negócios, engajam os funcionários, e contam com o apoio da sociedade que cada vez mais pressiona as marcas para que elas não sejam poluidoras e fortalecedoras da desigualdade social, por exemplo. São os empreendedores que criam soluções inovadoras para resolver dores da sociedade quando apoiados por empresas e investidores.

Por que investir em negócios sociais?

Os negócios sociais garantem receita por muitos anos, empregam milhares de pessoas e resolvem problemas da sociedade. Quando esses negócios crescem, crescem também que os apoia. Vamos lançar em março uma pesquisa que mostra um pouco disto e como as empresas – grandes e pequenas – podem se envolver.

Estou totalmente convencida que estamos mudando o caminho para ser mais ESG, mas estamos no começo da mudança, e estamos entendendo o que impacto de fato é. Há certificações e padrões sendo desenvolvidos ao redor do mundo para mostrar isso, o que pode acelerar a jornada e dar clareza aos investidores sobre os retornos possíveis, para que se saibam onde estão colocando o dinheiro com transparência, relevância e impacto positivo para o mundo.

Quais os desafios para colocar em prática as metas anunciadas e promover negócios sociais?

Bem, depois de ficar claro que negócios não são apenas para se fazer mais dinheiro, é preciso saber por onde começar. Vejo muitos CEOs sem estratégias claras, apesar dos compromissos. Minha dica é: comece de algum lugar concreto, mesmo que pequeno.

Por exemplo, se a empresa se compromete a diminuir a pegada ambiental é preciso uma ação que resolva esse problema. Para o empreendedor que cria um negócio social o princípio é o mesmo. Resolva uma dor local, envolva poucas pessoas, e logo toda a organização e comunidade estará no processo de forma mais natural e fácil.

Algumas empresas ainda focam na sustentabilidade sem fazer uma conexão real com o impacto nas pessoas, como mudar esse pensamento e ação?

É preciso focar no S, da sigla ESG, a nossa expertise. Quando olhamos para clima e Amazônia, por exemplo, estamos falando do impacto na vida das pessoas que lá vivem. Em Bangladesh, onde nasceu Muhammad Yunus, o aumento do nível do mar ameaça a vida das pessoas, e é uma consequência da crise climática, que não pode ser tratada de forma isolada.

Mas se pensarmos em soluções, vamos ao exemplo do que une sociedade e meio ambiente. Aqui na América Latina, em uma área onde há registros da civilização Inca, atuamos com uma empresa de ecoturismo que ajuda milhares de pessoas daquele local a ter seus mini hotéis com experiências turísticas sustentáveis, de modo a movimentar a economia de áreas remotas e preservar o local.

Isto é, temos acompanhando como os negócios sociais são o caminho para um capitalismo melhor, mais consciente e com resultados efetivos para os negócios, o meio ambiente e, claro, as pessoas. Agora, mais companhias precisam se engajar e promover ações efetivas.

Quem é Saskia Bruysten

Juntamente com o Fórum Econômico Mundial, ela co-iniciou a Aliança COVID para empreendedores sociais. Saskia foi nomeada para o grupo de especialistas em negócios sociais da Comissão da UE e assessorou o Grupo de Advocacia dos ODM da ONU de Ban Ki-Moon, bem como para a equipe B de Richard Branson. Ela lecionou em várias universidades e participou de diversos e importantes eventos de envergadura global, incluindo o Fórum Econômico Mundial e a Clinton Global Initiative. Antes da YSB, Saskia foi Co-CEO do Grameen Creative Lab e consultora de gestão do Boston Consulting Group em Munique e Nova York.

Ela está classificada entre as 100 melhores mulheres em Empreendedorismo Social pela Euclid Network e foi premiada com o Vordenker Award 2020 pelo BCG e Handelsblatt, e com o BOLD Woman Award 2020 pela Veuve Clicquot, Capital's Young Elite 2017, 2018. Saskia ainda é membro do Young Presidents Organização e do ZEIT Green Council.

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