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Sabedoria indígena e financiamento sustentável: as estratégias para uma infraestrutura resiliente

Sonia Guajajara, Carlos Nobre e outros especialistas em meio ambiente e adaptação climática debateram soluções durante evento Brasil Rumo à COP30, realizado pela Editora Globo em parceria com o Grupo CCR

Sonia Guajajara, ministra dos povos indígenas: "Já estamos nos diálogos, queremos produzir e produzir em escala, gerar renda e pensar soluções com sustentabilidade" (Flávio Santana/Divulgação)

Sonia Guajajara, ministra dos povos indígenas: "Já estamos nos diálogos, queremos produzir e produzir em escala, gerar renda e pensar soluções com sustentabilidade" (Flávio Santana/Divulgação)

Letícia Ozório
Letícia Ozório

Repórter de ESG

Publicado em 24 de julho de 2024 às 12h09.

Última atualização em 24 de julho de 2024 às 14h07.

“A COP30 vai ser a Conferência do Clima com maior participação popular e maior participação indígena da história”, afirma a ministra dos povos indígenas Sonia Guajajara. A declaração fez parte da sua introdução durante o evento Brasil Rumo à COP30, realizado pela Editora Globo em parceria com o Grupo CCR. O encontro contou com a presença de outras vozes marcantes na proteção ambiental, como o climatologista Carlos Nobre, a diretora do conselho da Fundação SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota, e o ministro dos transportes, Renan Filho.

De acordo com Guajajara, o momento vivido agora é de preocupação. “Há anos que vamos em discussões e conferências sobre o clima e o que vemos hoje é que não conseguimos melhorar o que precisávamos. Vamos para a COP29 e COP30 com a ambição de reduzir a temperatura global em 1,5ºC, mas se nada for feito, vamos ultrapassar os 2ºC”, conta.

A ministra ainda defendeu que os próximos projetos ambientais em discussões globais levem em consideração os de povos originários. Em sua fala, Guajajara também defendeu que a transição por uma economia verde seja inclusiva com todos os povos. “Não temos mais tempo para negacionismo. As grandes empresas podem assumir protagonismo na construção de um novo modelo econômico que se apoie na sustentabilidade, com os povos indígenas como parte da solução”, conta.

O climatologista Carlos Nobre também deu atualizações sobre a sua luta para erguer o ‘MIT da Amazônia’, um instituto de pesquisa e tecnologia avançada centrado no bioma. “Desenvolvemos cinco polos de inovação unindo todos os países com territórios amazônicos, não só no Brasil. O padrão deve seguir como o que é ensinado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, mas envolvendo conhecimentos e ciências indígenas”, explica.

Segundo Nobre, o projeto já conta com a participação de cinco pesquisadores indígenas -- entre eles, mulheres líderes de comunidades locais -- para agregar conhecimentos locais a temas como florestas, águas, infraestrutura sustentável e restauração de áreas desmatadas. O objetivo é que até 2025 já estejam firmados acordos com outros países para o desenvolvimento do centro de estudos entre as nações amazônicas.

A ministra Sonia Guajajara comentou a importância de reconhecer e levar em conta os saberes indígenas durante pesquisas que tratem dos biomas e da sustentabilidade. Em maio, o Brasil assinou um tratado da Organização Mundial de Propriedade Intelectual que visa respeitar o patrimônio e conhecimentos de povos indígenas e comunidades tradicionais.

“Muitos povos indígenas já comercializam seus produtos e tecnologias e trabalham diretamente com empresas, mas as companhias precisam considerar o direito à propriedade intelectual. O acordo que assinamos é importante para garantir o respeito ao conhecimento próprio dos indígenas. Já estamos nos diálogos, queremos produzir e produzir em escala, gerar renda e pensar soluções com sustentabilidade”, afirmou a ministra.

ESG é dificuldade para setor, segundo KPMG

Incluir a sustentabilidade nas decisões de negócio ainda é uma dificuldade para o setor de infraestrutura, aponta uma pesquisa da consultoria KMPG divulgada com exclusividade à EXAME. 55% dos executivos da área afirmam que principal obstáculo da empresa é se adaptar às iniciativas ligadas ao meio ambiente, responsabilidade social e governança corporativa.

A pesquisa aponta que 40% dos líderes veem as mudanças regulatórias ligadas à sustentabilidade como maior desafio, e 30% apontam que mensurar o impacto do ESG é o principal empecilho. Os respondentes ainda detalharam que os principais objetivos ligados ao tema são: reduzir os efeitos negativos da sua atuação (53%), gerenciar melhor os riscos e impactos financeiros e de reputação (44%) e adotar tecnologias mais limpas (33%).

“A indústria de infraestrutura é uma das que mais afeta diretamente o dia a dia da população e, por isso, uma das mais impactadas pelos aspectos ESG. A pesquisa mostrou que os líderes vêm realizando esforços para aliar esses aspectos ao modelo operacional das empresas, apesar de questões como regulação e mensuração do impacto que precisam ser superadas nessa jornada de transição energética”, afirma a sócia-diretora do segmento de infraestrutura da KPMG no Brasil, Tatiana Gruenbaum.

Repensar a infraestrutura brasileira e as construções ligadas ao transporte a partir das mudanças climáticas extremas foi tema de discussões de outros painéis, que contaram com a presença de Luciana Costa, diretora de infraestrutura, transição energética e mudança climática do BNDES, e Miguel Setas, CEO do Grupo CCR.

Para Costa, o Brasil discute pouco os planos para adaptação e resiliência climática, apesar dos investimentos no tema estarem em alta. “O Fundo Clima é um dos instrumentos de excelência desse governo. No ano passado, atingimos quase R$ 900 milhões em desembolsos, e é uma das grandes oportunidades para adaptação e resiliência na infraestrutura, mas o combate ao desmatamento também tem parte importante nisso”, conta. Segundo a diretora, uma parcela grande dos desabamentos em rodovias ocorre em função do desmatamento nas encostas ou no topo de montanhas próximas.

Setas relatou sobre a experiência da CCR durante a recuperação da tragédia climática no Rio Grande do Sul. “Tivemos muitos aprendizados dessa crise. Esperamos que a próxima não seja tão forte, mas estamos preparados para enfrentá-la”, conta.

Neste ano, a CCR anunciou um plano de resiliência climática que deve atingir todas as unidades de negócio até 2025, buscando preparar as operações em estradas, aeroportos e linhas de metrô e trens. Após a identificação de 27 pontos de risco, o investimento no plano já ultrapassou os R$ 200 milhões, além de mais de R$ 305 milhões na proteção de encostas próximas as suas estradas.

Financiamento sustentável

Pedro Sutter, vice-presidente de sustentabilidade, risco e compliance da CCR, afirma que os investimentos buscam preparar a empresa para entender qual o cenário ambiental deve enfrentar nos próximos anos. “Estamos em um momento de incerteza sobre o impacto futuro dos eventos climáticos. Hoje estamos com um cenário que pode mudar completamente em cinco anos, provavelmente para pior”, conta. “Esse processo envolve todos os nossos públicos, incluindo as comunidades próximas das nossas operações para que a infraestrutura seja inclusiva com elas também. Até o próximo ano, nosso movimento é de escutar a comunidade para formular esse plano precisamente.”

O CEO da concessionária ainda contou sobre outros instrumentos fundamentais para o desenvolvimento de projetos de infraestrutura resiliente às mudanças do clima, como debentures incentivadas. Os títulos privados permitem que as empresas captem recursos no mercado para financiar projetos de mobilidade urbana, saneamento básico e iluminação. “Fizemos um anúncio com o BNDES e o Governo Federal da maior debenture incentivada até o momento, com quase R$ 11 bilhões direcionados às obras do trecho RioSP (BR101 e rodovia Dutra)”, explicou.

Luciana completou que projetos de finanças sustentáveis geram benefícios em todas as áreas e que são necessários mais incentivos para canalizar capital para obras de infraestrutura resiliente, de adaptação e que contribuam com a redução de emissões de carbono.

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