Na gigante siderúrgica ArcelorMittal, a percepção de que é preciso mudar hábitos poluentes já é realidade (Kevin Faingnaert/The New York Times)
Poucos materiais são mais essenciais que o aço, mas as siderúrgicas estão entre as principais indústrias poluidoras – queimam coque, um derivado do carvão, e liberam gases de efeito estufa.
Com o aumento das preocupações climáticas, uma crise parece inevitável para essas empresas. Os impostos sobre o carbono estão aumentando, e os investidores têm cautela em colocar seu dinheiro em negócios que poderiam ser regulados à extinção.
Todos sabem disso na gigante siderúrgica ArcelorMittal. Durante meio século, Lakshmi Mittal se dedicou a construir e a administrar o que se tornou o maior império mundial das grandes siderúrgicas, empregando cerca de 170 mil pessoas.
Agora, seu filho, Aditya Mittal, de 44 anos, que recentemente sucedeu o pai como executivo-chefe, diz que a indústria que fez o nome e a fortuna da família precisa mudar seus hábitos poluentes. "O maior desafio que o mundo enfrentará nos próximos 30 anos é o de descarbonizar."
A empresa está gastando 325 milhões de euros (cerca de US$ 390 milhões) em programas piloto que incluem a fabricação de aço com hidrogênio e o uso de bactérias para transformar o dióxido de carbono em produtos químicos úteis. O montante é inferior a um por cento da receita da siderúrgica em 2020, mas Mittal, que havia sido seu diretor financeiro, afirmou que a empresa tinha mais recursos técnicos e maior escala global do que a maioria das rivais e que estava bem posicionada para liderar a limpeza. "Agora podemos imaginar que é possível fazer aço sem emissões de carbono", declarou.
Contudo, os custos futuros da conversão de uma série de altos-fornos em operações limpas provavelmente chegarão a dezenas de bilhões apenas na Europa, revelou a empresa.
Nos últimos anos, a indústria de gás e petróleo vem sendo pressionada por governos que adotam metas climáticas cada vez mais ambiciosas. Um dos resultados é a grande expansão dos investimentos em energia renovável. Agora, muitos veem o foco regulatório se voltando para a indústria siderúrgica e outros poluidores pesados.
Ferro e aço são a fonte de cerca de sete por cento das emissões globais de dióxido de carbono. Embora o metal seja necessário para muitos produtos, incluindo veículos elétricos e turbinas eólicas, o processo de produção do aço é agora visto como uma bandeira vermelha em potencial para investidores e até mesmo clientes.
A tarefa é imensa na ArcelorMittal. "Eles têm muitas coisas a melhorar. Contam com grandes instalações na Bélgica, na França, em todo lugar", disse Gerrit Ledderhof, gerente de investimentos responsáveis da gestora de investimentos holandesa Aegon.
A Aegon está estimulando a ArcelorMittal a controlar sua poluição em nome de um grupo de grandes investidores chamado Climate Action 100+, e seus representantes têm esperança de que a siderúrgica possa acelerar a mudança. "Acho que ele está bem aberto", afirmou Heike Cosse, que lidera o diálogo da Aegon com a ArcelorMittal, a respeito do novo executivo-chefe.
A ArcelorMittal tem fábricas em todo o mundo, mas as pressões ambientais são particularmente agudas na Europa, onde a empresa produz cerca de metade de seu aço. Sua sede fica em Luxemburgo, e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia desde 2019, está aumentando os esforços de controle da poluição.
Espera-se que as sanções para as emissões do programa europeu de comércio de carbono e outras medidas aumentem rapidamente nos próximos anos, reduzindo os já escassos lucros das siderúrgicas. "Todos esperam que os regulamentos sejam impostos de forma muito rigorosa", disse Akio Ito, sócio sênior da consultoria Roland Berger, em Munique.
Mittal está sendo cauteloso, tentando várias abordagens. A principal fábrica da empresa perto de Gent, na Bélgica, é central para esse esforço. Em um dos vários experimentos, os trabalhadores constroem grandes tanques onde as bactérias poderão se banquetear com o dióxido de carbono liberado pela fábrica, transformando-o em etanol, que pode então ser usado na fabricação de produtos químicos. Em outra fábrica, em Hamburgo, na Alemanha, a equipe realizou testes laboratoriais com hidrogênio, que leva vantagem como combustível limpo em relação ao coque. Mittal também está pensando em ligar os fornos elétricos da empresa, que são mais limpos que os altos-fornos, a uma fonte de energia renovável, visando produzir aço com o selo de baixo carbono.
Executivos indicam que o uso do hidrogênio pode acabar sendo a melhor solução, mas a tecnologia está a muitos anos de distância. O hidrogênio produzido sem causar emissões é caro e limitado. "Hoje, isso é impossível porque não há hidrogênio", afirmou Geert Van Poelvoorde, executivo-chefe da ArcelorMittal Europa.
A ArcelorMittal calcula que, dependendo dos métodos, serão necessários até 40 bilhões de euros de investimento nas próximas três décadas para eliminar as emissões da siderurgia apenas na Europa. O custo de produção de aço também aumentará acentuadamente.
Pelo menos uma empresa siderúrgica europeia, a SSAB da Suécia, pode estar fazendo progressos. Com o apoio do governo, planeja eliminar os combustíveis fósseis usando hidrogênio feito com a eletricidade gerada pela energia hídrica. Se tudo correr bem, uma fábrica pode começar a operar em cerca de cinco anos. "No início, pode custar um pouco mais", disse Martin Pei, diretor de tecnologia da empresa, acrescentando que esta teria um novo produto a oferecer, que seria vendido a um alto custo.
A ArcelorMittal é um gigante do setor, mas mesmo ela não pode se dar ao luxo de jogar dinheiro pela janela. Em 2020, quando as economias pararam por causa da pandemia, a empresa relatou um prejuízo líquido de US$ 733 milhões. Preocupada com a dívida, no ano passado vendeu grande parte de seus negócios nos EUA.
A indústria e os governos, incluindo a União Europeia, passam por negociações complexas sobre como pagar pela redução das emissões. Os Estados podem querer limpar a siderurgia, mas também tomarão cuidado para não colocar em risco uma indústria que emprega cerca de 330 mil pessoas na região.
A ArcelorMittal e outras empresas estão solicitando financiamento de programas europeus para seus esforços de redução de carbono. A indústria siderúrgica também busca o que chama de ajustes fronteiriços, o que imporia tarifas sobre as importações de aço de países com menos regulamentações ambientais – abordagem que pode causar atrito comercial e deixar o aço europeu menos competitivo nos mercados de exportação.
Sem o apoio financeiro dos governos, concluiu Mittal, "o incentivo para produzir aço na Europa não existiria".