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Por que não existe uma Greta chinesa

Resistência do governo de Pequim em assumir compromissos mais amplos pelo clima não recebe as mesmas críticas dentro do país como nos Estados Unidos e em outras nações do Ocidente

A ativista sueca Greta Thunberg fez críticas aos compromissos assumidos pelos governos na COP26 | Foto: AFP (Foto/AFP)
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Carlo Cauti

Publicado em 18 de novembro de 2021 às 06h30.

Última atualização em 18 de novembro de 2021 às 16h29.

"A COP26 foi um fracasso", "é sempre o mesmo blá-blá-blá", "os reis estão nus". Essas são apenas algumas das frases que a adolescente ativista sueca Greta Thunberg utilizou para definir a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima de Glasgow, que terminou na semana passada.

Uma salva de críticas que encobriram até a declaração conjunta de Estados Unidos e China para criar uma força-tarefa sobre o clima.

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O documento foi considerado um sucesso por muitos analistas, e até por ambientalistas, pois pela primeira vez coloca em uma direção conjunta os dois maiores poluidores do mundo.

O que começa a deixar muita gente irritada são justamente as críticas unilaterais de Thunberg contra os EUA e o Ocidente em geral, que são acusados de serem a causa de todos os males da poluição mundial.

Greta simplesmente se esquece de que atualmente é a China a maior produtora do mundo de gases de efeito estufa e responsável pela maior parte da poluição dos oceanos na Ásia.

Para se ter uma ideia, a China hoje é a maior consumidora do planeta de carvão para fins energéticos.

Não por acaso foi Pequim que apresentou as maiores resistências contra a eliminação definitiva do carvão no documento final da COP26.

Por isso, na mídia internacional, começa a surgir a pergunta: por que não há uma Greta Thunberg na China?

Se houvesse, como Xi Jinping reagiria às suas acusações?

A superpotência mais poluidora do planeta é governada por um regime que deixa pouca autonomia à sociedade civil.

A nomenclatura comunista desconfia e persegue ONGs. E, basicamente, não existem espaços para os movimentos ambientalistas chineses.

Na luta contra as mudanças climáticas, Xi Jinping tem naturalmente muita menos pressão doméstica do que um líder ocidental. Especialmente após a última reunião da cúpula do Partido Comunista Chinês, que consolidou seu imenso poder.

Na China não existe um Partido Verde. Muito menos imprensa livre.

Os protestos que ocorrem após desastres ambientais são reprimidos ou canalizados para estruturas partidárias.

Não por acaso, o último relatório oficial do governo chinês sobre as emissões de CO2 na China foi publicado em 2014, quando Greta tinha 11 anos. Hoje ela tem 18 anos.

A dominação total do Partido Comunista não é a única razão pela qual falta uma Greta em Pequim.

A mídia ocidental reconhece nas falas da Thunberg uma autoridade considerada inaceitável na cultura chinesa, em que são os idosos que devem ser ouvidos e respeitados. Pois sua experiência é um valor, e a idade pesa muito nas relações hierárquicas.

A liderança chinesa foi plasmada no confucionismo, além do marxismo, e observa o fenômeno dessa guru adolescente, sem formação acadêmica por causa da idade, como uma "perversão ocidental" que confirma nosso declínio.

Do ponto de vista chinês, "o mundo salvo pelas crianças" é uma alucinação perigosa.

Na história da China, revoluções animadas por jovens sempre significaram caos e derramamento de sangue.

A Revolução Cultural de 1968 foi um exemplo claro. Para consolidar seu poder, Mao Zedong manipulou adolescentes contra seus próprios pais e professores. Foi um massacre sem fim.

Os Guardas Vermelhos iniciaram uma verdadeira guerra civil, totalmente fora de controle, que só terminou muitos anos depois, quando até o próprio Mao se assustou com a dimensão da batalha.

Por isso, a idolatria dos jovens no Ocidente é, para Xi Jinping, um sinal claro de que nossa civilização está em decadência terminal.

A alergia de Xi à juventude ocidental também sinaliza a distância entre o pragmatismo de líderes que devem administrar a transição energética de 1,4 bilhão de pessoas e as utopias ambientais de moda nos países ricos.

Entretanto é preciso deixar claro que Xi acredita nas potencialidades da energia renovável.

Não por acaso, há anos o governo chinês subsidia pesadamente a indústria local de painéis solares. Uma prática comercial que levou à falência muitos concorrentes ocidentais, permitindo que a China dominasse o setor.

Além disso, o governo chinês tem como objetivo o domínio global sobre o carro elétrico, suas baterias e componentes.

A China possui a maior usina nuclear do mundo (e a considera uma fonte renovável).

E, por último, Pequim usa os grandes rios que nascem no Tibete para produzir energia hidrelétrica em larga escala.

Mas tudo isso ainda não é suficiente para satisfazer a voracidade energética chinesa.

Encurralado por uma forte recuperação econômica e um boom nas exportações, Xi reconheceu que o fechamento de muitas minas de carvão, decretado nos últimos meses, foi prematuro.

Diante da dura alternativa entre desemprego e poluição, Xi não pensou duas vezes: voltou imediatamente ao carvão para operar fábricas ameaçadas por apagões.

É óbvio que Xi não aceitaria críticas à atitudes desse tipo por parte de uma Greta chinesa.

O governo chinês não considera seu compromisso com o meio-ambiente apenas "blá-blá-blá", mas a necessidade concreta de equilíbrio com a realidade econômica, as tecnologias existentes e a demanda energética.

A China não esquece que mais pessoas morrem de fome do que de poluição. E o Brasil também não deveria esquecer disso.

Os países do sul do mundo olham para o modelo chinês e se perguntam se banir rapidamente demais as fontes energéticas poluentes teria custos humanos insuportáveis.

E é por isso que hoje não há uma Greta chinesa. Assim como não há uma greta indiana. Ou indonésia. E, provavelmente, não haverá uma Greta aqui no Brasil também.

*Carlo Cauti é Editor Multimídia na EXAME Invest.

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