Por que demora mais para as mulheres
Grazielle Parenti, líder de sustentabilidade da Syngenta, fala sobre a dupla jornada das mulheres em casa e no trabalho, e questiona o que pode ser feito para mudar essa realidade. Na EXAME Plural
Plataforma feminina
Publicado em 12 de março de 2024 às 06h14.
Por Grazielle Parenti
Eu venho de uma família de mulheres, onde os homens sempre foram os maridos e namorados. Talvez por isso nunca ficou muito claro, na minha casa, que havia uma diferença de tratamento pelos pais e pelo mundo entre meninos e meninas. Vale dizer que na minha família eu vivia o modelo bem tradicional: pai provedor que nunca fez absolutamente nada em casa, e minha mãe que parou de trabalhar quando se casou e mudou de cidade. Meu pai costumava dizer que até o filhote de passarinho era do sexo feminino na nossa casa. No entanto, em uma família com duas filhas, meus pais que muito valorizavam a formação acadêmica, sempre esperaram de nós que construíssemos nosso caminho.
Na falta de filhos homens, meus pais nos criaram para sermos as melhores que pudéssemos na área que escolhêssemos. Para mim era algo até natural querer viver os 2 mundos, o dos homens e das mulheres. Nunca foi uma opção poder confortavelmente me apoiar em um parceiro que cuidaria das coisas práticas da vida. Nunca me foi dito que eu não conseguiria ter uma carreira bem-sucedida, ser mãe e o que eu mais quisesse ser.
Agradeço muito aos meus pais por terem me criado nessa “bolha” protegida dos julgamentos do mundo que ainda pensa e age desta forma, mesmo que na minha geração isso ainda fosse algo muito presente.
Sempre acreditei que meu esforço e mérito seriam suficientes para alcançar o que eu queria na carreira, e desta forma assim que as coisas aconteceram. No entanto, pude ver que mesmo que eu tivesse feito muito, havia sim uma diferença entre os homens da minha geração e nós mulheres. Afinal, eles “só” tinham que trabalhar… e nós tínhamos que cuidar da casa, do casamento, dos filhos, dos pais, e da gente; além de trabalhar.
Anos depois, em uma conversa informal com uma amiga headhunter, ela me disse que “um homem de alto potencial você identifica aos 30 anos, já as mulheres somente por volta dos 40 anos, porque nos primeiros 10 anos de carreira elas estão com muitas demandas da vida pessoal e eles estão lá, focados e ‘surfando’ seu momento”. Ela conseguiu colocar em palavras o que eu via na minha carreira, que de alguma forma estamos sempre tendo que pular os obstáculos dessa corrida sem mapa.
O que me interessa aqui não é me lamentar, mas sim saber como hoje, sendo uma líder empresarial o que posso fazer para minimizar esse impacto na carreira das mulheres.
Um dos aspectos mais legais de ser uma mulher é ter esse espaço incrível de troca com outras mulheres. As conversas profundas que tive com outras mulheres que passavam por situações semelhantes sempre foram importantes para mim.
Ter gestores homens e mulheres que sempre esperaram de mim até mais do que eu achava que podia fazer também foi chave para meu desenvolvimento como profissional. Percebi também que estar preparada era importante, mas que gente menos preparada e com habilidades sociais se saía bem. Aprendi que ser autêntica tem muitos benefícios na construção de relações de confiança, mas que nem todos acham legal ter uma mulher com VOZ de verdade em uma sala. E mais relevante que isso, aprendi a não dar importância a quem queria me diminuir.
Penso que a principal coisa para desmistificar é que a vida corporativa não é fácil! Que tem mais dias “mais ou menos” do que dias bons. E o que todo esse aprendizado que tive na minha carreira poderia mudar na carreira de outras mulheres?
Outra coisa, essencial é entender os momentos que passamos na nossa vida. Uma das maiores tensões que uma profissional passa é o retorno após a licença maternidade, como tudo vai se organizar com a volta ao trabalho. Hoje em dia também devemos falar sobre a menopausa e o impacto que ela tem no bem-estar da mulher e como as empresas em ambas as situações têm que estarem preparadas para acolher e apoiar.
Hoje como uma mulher de 50 anos e minhas filhas entrando no mercado de trabalho, só quero que possamos nos sentir pertencendo e acolhidas no mundo do trabalho e ainda fazer e ser tudo o que a gente quiser.
* Grazielle Parenti é líder de sustentabilidade e assuntos corporativos da Syngenta.
AEXAME Pluralé uma plataforma que reforça a cobertura de diversidade, com olhar mais profundo para mulheres. Neste mês de março, que marca mundialmente a luta por direitos femininos, mais de vinte lideranças femininas no ambiente corporativo, no empreendedorismo e na filantropia aceitaram compartilhar em suas vozes, histórias, visões, questionamentos, respostas, desafios e oportunidades percebidas ao longo de suas próprias jornadas.