Para sobreviver, terceiro setor entra no mercado de fusões e aquisições
O M&A "social" une esforços e expertise em governança e gestão para melhorar captação de recursos e administração de organizações
Maria Clara Dias
Publicado em 15 de abril de 2021 às 17h06.
Última atualização em 15 de abril de 2021 às 17h08.
Em um cenário que não expressa otimismo em relação às arrecadações para organizações sociais e sem fins lucrativos, surge uma nova estratégia para dar continuidade aos negócios: o M&A (sigla para fusões e aquisições) social. Na prática, são incorporações aplicadas agora ao terceiro setor .
A Liga Solidária, organização social paulista voltada à educação e cidadania, acredita que a estratégia pode vir a calhar também para o terceiro setor. Neste mês, a ONG anunciou a incorporação de mais uma organização ao seu portfólio, a da creche Irmã Natividade, que atende mais de 100 crianças. Essa é a segunda aquisição da ONG, que em 2020 já havia incorporado o Projeto Casulo, organização social que inclui três programas com foco em crianças e adolescentes. Ao todo, são 13 mil crianças atendidas pela ONG.
Como diferencial ao mercado de fusões do mundo corporativo, o objetivo central do M&A social não é o retorno financeiro, e não envolve divisão de lucros entre acionistas - tampouco transaciona valores específicos. “O intuito é manter de pé as organizações que correm risco de fechar”, diz Rosalu Queiroz, presidente da Liga Solidária. Com a pandemia, organizações que tinham como modelo central a arrecadação de recursos por meio de eventos presenciais estão com dificuldade para manter as contas em dia. “Essa é uma aquisição social que estamos fazendo, com a missão de manter o serviço funcionando, pois havia o risco de interrupção”.
No caso da Liga Solidária, o preço da incorporação será calculado a partir do valor gasto pela ONG para cada criança na creche. Segundo Queiroz, a média gira em torno de 927 reais.
Com a incorporação, a estrutura da creche não sofrerá modificações e seus 18 colaboradores serão mantidos. A decisão faz parte de uma agenda ESG mais ampla (sigla para as boas práticas sociais, ambientais e de governança). Com a permanência de funcionários que já conhecem o dia a dia da organização, a Liga terá a chance de usar a experiência secular para trazer melhorias em governança, gestão e administração financeira à mais nova incorporada, mas mantendo a sua estrutura original. "O M&A social é também uma maneira de difundir conhecimento, levando melhores práticas e trazendo mais transparência", diz.
“Sabemos que a demanda é grande, mas não há hoje no mercado instituições com a capacidade de gestão eficiente para isso”. Acelerar a conclusão de projetos sociais, ela diz, também é outra vantagem.
Segundo Queiroz, as ONGS deveriam ter como meta mudar a governança periodicamente, e o resultado esperado com a incorporação recente é também ver a adoção do M&A social por outras organizações, que podem ampliar o alcance para a iniciativa privada. “Percebemos que é difícil para as empresas criar um determinado vínculo comunitário. Com as incorporações, criamos um ambiente mais confiável e próspero para que elas possam alcançar isso. Dentro desse comprometimento ESG, o social é o mais difícil. Queremos ser o S do ESG”, diz.
Hoje a organização financeira da Liga Solidária é baseada no modelo de convênio. Em conjunto com a prefeitura de São Paulo, a ONG faz a distribuição de recursos para os projetos que coordena. Dentro do orçamento anual de 1,3 milhão de reais, são 700 mil reais destinados pela Prefeitura, enquanto o restante vem das rendas obtidas com a administração de um colégio, duas casas de repouso e imóveis de aluguel, que compõem 92% dos recursos da ONG. O restante vem de fundações e parceiros corporativos, como Fundação Itaú, Fundação Mapfre, Mondelez e Samsung.
“Dentro de nossas capacidades, estamos sempre abertos a novas incorporações", disse Queiroz, sobre a perspectiva de novas entradas nos próximos meses.